28 novembro 2010

Oferendas para a Kianda

(Foto de autor desconhecido)

Bessanganas (senhoras africanas) na praia da Ilha do Cabo, em Luanda, Angola, com oferendas para a Kianda. A Kianda é uma entidade mitológica que vive no mar, tem forma de sereia, possui poderes sobrenaturais e no Brasil é chamada Iemanjá ou Janaína.

A Kianda já foi abordada e discutida neste blogue. Por isso, peço desculpa por não querer repetir-me. Se sentir curiosidade por este tema dirija-se, por favor, a esta página. Obrigado.

27 novembro 2010

Abel Salazar

(Foto: TeoDias)

Esta fotografia mostra um magnífico fresco que Abel Salazar pintou para o antigo Café Rialto, que ficava na esquina da Praça de D. João I com a Rua de Sá da Bandeira, nesta cidade do Porto. O café deixou de existir há muitos anos, pois deu lugar a uma agência bancária (atualmente do banco Millennium), mas o fresco continua lá e é (mais ou menos) visível da rua.

Abel Salazar (1889-1946) foi um insigne artista plástico, médico, investigador, filósofo, ensaísta, democrata, etc. «Um médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe», afirmou este homem que se desdobrou em múltiplas atividades, com grande distinção em todas elas. Como professor catedrático da Faculdade de Medicina do Porto, por exemplo, Abel Salazar foi um dos maiores vultos da investigação médica em Portugal, tendo sido admirado em todo o mundo pelo seu excecional trabalho no campo da Histologia. Contudo, por causa dos seus ideais democráticos, o regime do Estado Novo, do outro Salazar (o António), perseguiu-o e proibiu-o de exercer a docência, sacrificando assim a Ciência à sua mesquinhez política.

20 novembro 2010

Gravações com mais de cem anos

Thomas Alva Edison (1847-1931) juntou do fonógrafo, um aparelho por si inventado para a gravação e reprodução de sons (Foto: Library of Congress)

A primeira gravação que proponho escutar foi feita em 1899. Consiste num ragtime intitulado "Whistling Rufus", executado em banjo por Vess L. Ossman (1868-1923). É um notável solo de banjo, digno de ser passado à posteridade.


Ragtime Whistling Rufus, por Vess L. Ossman

O tenor Enrico Caruso (1873-1921) foi o mais aplaudido cantor de ópera do início do séc. XX. O seu nome ficou célebre de tal modo que ainda hoje ele está envolto numa espécie de aura lendária. A verdade é que, desde que passou pelo mundo dos vivos um fenómeno chamado Luciano Pavarotti (1935-2007), Caruso passou a soar aos nossos ouvidos como um cantor banal, cujas gravações deixam em nós uma amarga sensação de desilusão. É o que acontece com a gravação seguinte, feita em 1903 e em que se ouve Caruso cantar a ária "E lucevan le stelle", da ópera Tosca, de Giacomo Puccini (1858-1924).


E lucevan le stelle, de Puccini, por Enrico Caruso

John Phillip Sousa (1854-1932) foi um compositor e maestro norte-americano de ascendência portuguesa, que compôs marchas militares e patrióticas que se tornaram extremamente populares. Uma das mais célebres foi a marcha "Stars And Stripes Forever", que poderemos ouvir na gravação seguinte, feita em 1908 e em que o autor dirige pessoalmente a sua própria banda.


Stars and Stripes Forever, de John Phillip Sousa, pela Sousa's Band

O italiano Alessandro Moreschi (1858-1922) não foi um cantor qualquer. Para sua desgraça, ele foi um castrato. Antigamente, na Europa, uma mulher que cantasse e representasse em público era considerada uma mulher perdida, cuja alma estava condenada a arder eternamente no fogo do Inferno. Nas óperas e peças de teatro, os papéis femininos eram por isso frequentemente atribuídos a castrati, isto é, a homens que tinham sido castrados em crianças, antes de terem atingido a puberdade, e que, por isso, conservavam ao longo da vida a voz aguda da sua infância. Esta prática bárbara e horrosa de castrar rapazes impúberes, abençoada pela Igreja porque era «para glória de Deus», desapareceu no séc. XIX, não sem que um desses rapazes tivesse chegado até ao séc. XX. Alessandro Moreschi foi o último castrato do Vaticano e o único de quem existem gravações sonoras. Aqui o podemos ouvir cantando a "Ave Maria" de Charles-François Gounod (1818-1893). É a mais pungente interpretação da "Ave Maria" de Gounod que escutei até hoje. Arrepiante.


Ave Maria, de Gounod, por Alessandro Moreschi

17 novembro 2010

Pingas de chuva

Caem,
Gordas, sonoras,
Monótonas pingas de chuva,
- Espaçadas -
E indolentes
Vão marcando uma toada:
Ping pang - ping pang,
As pingas
De chuva do Outono pardo.
Espapaçada
A terra mole absorve
As vagas de chuva densa
Que lenta vai caindo,
Em pingas grossas, sonoras.
E ao cair,
A chuva bate o compasso
Com o som dum contrabasso…
Ping…
Pang…
Ping…
Pang…
Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)


O Porto à chuva (Foto: Carlos Romão)

11 novembro 2010

Gente linda

(Foto de autor desconhecido)

Angola tem gente linda. Linda por fora e, sobretudo, linda por dentro. Isto mesmo pode ser observado no vídeo que se reproduz abaixo e que JCosta, autor do blogue N'gola, fez para o Youtube, a partir de fotografias espalhadas pela Internet.

Este vídeo (que de facto é um diaporama) mostra aquilo que seria de esperar, em termos de exotismo e de sensualidade, em imagens de pessoas que habitam nas zonas rurais do sudoeste de Angola, sobretudo; ou seja, nas das províncias da Huíla, Cunene e Namibe. É verdade que sim. Mas ele mostra mais do que isso. Além da esbelteza dos corpos, da diversidade dos penteados, da exuberância dos adornos e da policromia dos panos, ele mostra a beleza interior do povo de Angola nos sorrisos cristalinos, nos olhares diretos, nos rostos francos, nos corações puros.

É gente linda, esta. Por fora e por dentro. Gente que merece a felicidade.


Assiste-se, neste diaporama, a uma sucessão de pessoas pertencentes a várias etnias de Angola, quase todas do sudoeste: Himbas, Kuvales ou Mucubais, Mumuílas, Khoisan ou Bochimanes, etc. Também se veem pessoas de Cabinda, segundo afirma o autor do diaporama; no entanto, só pelo aspeto exterior, é muito difícil distinguir quem é de Cabinda de quem é das províncias do Zaire, Uíge, Bengo, etc. Tentei identificar as diversas etnias, à medida que as imagens iam desfilando, mas tive muita dificuldade em consegui-lo, pois os meus conhecimentos sobre o assunto são extremamente precários. Eis o resultado a que consegui chegar:

 - 23s - Himbas;

 - 1m 44s - Kuvales, também chamados Mucubais;

 - 1m 51s - Mumuílas;

 - 2m 37s - Muhakaonas;

 - 2m 44s - Kuvales, também chamados Mucubais;

 - 5m 4s - ?;

 - 5m 33s - Himba;

 - 5m 43s - Mumuílas;

 - 6m 50s - Khoisan, também chamados Mukwankalas, Mukwasekeles (na província do Kuando-Kubango), Bochimanes ou Bosquímanos;

 - 8m 4s - Kuvales, também chamados Mucubais;

 - 8m 11s - Cabindas, Bacongos e Ambundos.

Se errei em alguma identificação, agradeço que me corrija. Obrigado.

NOTA 1 -- Há um aspeto para o qual eu quero chamar a atenção de quem me lê. A moça que se vê no diaporama aos 6 minutos e 6 segundos parece estar a palitar os seus dentes, mas não está. Está a limpá-los, esfregando-os com o topo de um pau de junco. É assim que os camponeses de Angola limpam os seus dentes, em vez de os lavarem com uma escova e pasta dentífrica. Depois de terem comido ou de terem apenas metido qualquer tipo de alimento na boca, os angolanos que vivem no mato (e muitos da cidade também) procedem sempre -- mas sempre! -- à limpeza meticulosa dos seus dentes da maneira que se vê na imagem. Com o uso, o pau de junco desgasta-se e acaba por ficar com uma espécie de cerdas muito finas e sedosas, como as de um fino pincel. O resultado é espetacular. Os camponeses angolanos apresentam quase sempre uma dentição perfeita e imaculadamente branca. Uma dentição verdadeiramente invejável.

NOTA 2 -- A propósito de dentes, veem-se no diaporama diversas imagens de pessoas que parecem ter uma espécie de falha nos seus incisivos superiores, ou mesmo a total ausência destes dentes. É de propósito. Os membros de algumas etnias do sudoeste angolano procedem habitualmente à limagem em diagonal dos incisivos superiores, de modo a que estes apresentem uma fenda em forma de V invertido, tal como se vê na fotografia da moça angolana que encabeça este artigo, ou então procedem à extração pura e simples destes dentes. Nunca encontrei uma explicação para esta dolorosa prática, para além da que afirma que faz parte da tradição.

08 novembro 2010

Feira de São Martinho

Beleza e elegância na Golegã (Foto de autor desconhecido)

Feiras há muitas, mas nenhuma se pode comparar à Feira de São Martinho, na vila da Golegã, em pleno coração do Ribatejo, pois esta feira é especialmente dedicada ao animal mais bonito, altivo e leal do mundo: o cavalo.

Quem nunca foi à Golegã, por ocasião da sua Feira do Cavalo, não sabe o que perde. Aconselho, por isso, a quem quer que se possa deslocar à bela vila ribatejana, a que o faça sem demora. A feira já está a decorrer neste preciso momento, terá o seu ponto mais alto no dia de São Martinho, 11 de Novembro, e terminará no domingo, dia 14. Ainda há tempo para ir à Golegã assistir a desfiles, concursos e demais atividades que têm o cavalo como centro das atenções. O programa da feira está disponível neste endereço. Vale mesmo a pena lá ir.

Acho que não passa pela cabeça de ninguém associar a região do Porto à criação de cavalos. E, no entanto, existem diversas coudelarias nos arredores desta cidade, que marcam sempre uma presença muito forte na Feira da Golegã, onde têm à venda alguns dos magníficos animais que criam. São coudelarias de Ermesinde, Maia, São Mamede de Infesta, etc. Não é só no Ribatejo ou no Alentejo que se criam cavalos. Aqui pelo Porto também há quem saiba fazê-lo, e muito bem.

O portal manuelino da Igreja Matriz da Golegã (séc. XVI), dedicada a Nossa Senhora da Conceição, obra de Diogo Boitaca, arquiteto do Mosteiro dos Jerónimos (Foto: Waugsberg)

03 novembro 2010

O korá

(Foto de autor desconhecido)

O korá é um instrumento de cordas dedilhadas, surgido no seio do povo mandinga, da África Ocidental, e tocado, nomeadamente, na Guiné-Bissau, Senegal, Gâmbia, República da Guiné, Mali e Burkina Faso.

No primeiro dos vídeos que se seguem, o griot (bardo e depositário da tradição oral) mandinga José Braima Galissá, da Guiné-Bissau, dá uma pequena lição sobre o korá: o que é, como se toca, como é feito, etc.

No segundo vídeo poderemos ver e ouvir o mesmo griot tocar e cantar, tal como se apresentou num programa de televisão. Peço encarecidamente que não se dê importância às macacadas dos abomináveis apresentadores da RTPimba, que a partir de certo momento se veem. José Braima Galissá está infinitamente acima disso.