29 abril 2012

O dia da dança

O jovem bailarino português Francisco Sebastião (Foto de autor não identificado)

O português Francisco Sebastião, de 16 anos de idade, que é aluno da Escola de Dança do Conservatório Nacional, ganhou na última semana de março deste ano o 1º prémio no Concurso Internacional de Dança Cidade de Spoleto, em Itália, na categoria de dança clássica e na faixa etária dos 15 aos 17 anos.

Não foi esta a primeira vez em que o jovem bailarino ganhou um concurso internacional. Já no ano passado, Francisco Sebastião arrebatou o 1º lugar em dança clássica e o 2º lugar em dança moderna, para a sua faixa etária, no concurso Tanzolymp realizado em Berlim.

No vídeo que se segue vemo-lo atuando na gala do Tanzolymp 2011, em dança clássica.


28 abril 2012

Mandó

Curtorim, Goa, Índia (Foto: ryspha)

O mandó é um género musical surgido no séc. XIX entre os católicos de Goa, na Índia. É o resultado do encontro entre a música indiana e a música europeia. O tema principal do mandó é o amor, mas também pode ser algum acontecimento histórico ou as injustiças sociais, entre outros. O seu ritmo é lento e a sua melodia é dolente. A língua em que é cantado é o concanim, a língua de Goa.

Os cantores de mandó obedecem a um rigoroso código de vestuário. Os homens vestem fato a rigor, enquanto as senhoras usam um traje indiano tradicional de seda ou de veludo, sobrepujado por uma espécie de xaile. Um leque usado com graciosidade nas mãos completa o conjunto. O canto é habitualmente acompanhado por uma ondulação do corpo em concordância com o ritmo, que é muito característico.

Os vídeos de mandó que encontrei na Internet são de muito fraca qualidade técnica. Mesmo assim, decidi incluir aqui os dois que me pareceram menos maus, feitos pelo jornalista goês Frederick Noronha. O primeiro é um mandó interpretado por uma excelente cantora goesa chamada Sonia Shirsat, que também é fadista. O segundo dá-nos a ouvir aquele que é certamente o mandó mais popular de todos. Chama-se Adeus Korchu Vellu Paulu (Chegou a Hora do Adeus), da autoria de Torquato de Figueiredo (1876-1948), e é interpretado por um grupo da localidade de Curtorim, chamado Curtoriche Salkam.




27 abril 2012

Receita para fazer um herói

Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.

Serve-se morto.
Reinaldo Ferreira (1922-1959)


(Foto de autor desconhecido)

26 abril 2012

Uma escultura luena

Figura feminina feita por um anónimo do povo Luena ou Luvale, de Angola e da Zâmbia, datada de meados do séc. XX. Uma descrição em inglês pode ser lida aqui (Foto: National Museum of African Art, Washington, Estados Unidos da América)

25 abril 2012

O 25 de Abril em Angola

Esta fotografia, feita em Luanda pouco depois do dia 25 de abril de 1974, documenta um tempo singular: um tempo em que o povo perdeu o medo à PIDE/DGS e os pides ficaram com medo do povo. (Foto de autor desconhecido)

A Revolução de 25 de abril de 1974 não chegou logo a Angola. Longe disso. Demorou mesmo muito tempo a chegar e sempre com muitas resistências e contradições. Como exemplo deste facto, refira-se que a libertação dos presos políticos do campo de concentração de São Nicolau, no sul do território, só ocorreu em 13 de maio.

A fotografia que encabeça este artigo e que documenta uma contestação à PIDE/DGS em Luanda tem assim razão de ser, pois a polícia política não foi extinta em Angola logo no próprio dia 25 de abril de 1974, como aconteceu em Portugal. Com efeito, o decreto 171/74, da Junta de Salvação Nacional, determinou que, «depois de saneada», a PIDE deveria tornar-se uma Polícia de Informação Militar «nas províncias em que as operações militares o exigirem». Tendo a PIDE sido uma corporação que desenvolveu tantas e tão graves ações em Angola, ao serviço do mais nefando colonialismo, como é possível que alguém tenha imaginado ser possível aproveitar alguns dos seus agentes para prestarem serviço na tal Polícia de Informação Militar? Quem com tanto zelo serviu o Estado Novo, por certo não iria servir com igual empenho o regime que o derrubou.

Pois bem. Ao contrário do que se tem escrito, a PIDE deixou mesmo, em grande parte, de funcionar em Angola, fosse na qualidade de Polícia de Informação Militar ou noutra qualidade qualquer. A rede de agentes e de informadores que a PIDE tinha no território desfez-se, logo que se tornou claro que o derrube do Estado Novo era definitivo. Os pides não ficaram à espera para ver no que é que aquilo tudo iria dar. Puseram-se em fuga para a Namíbia (que então estava sob domínio sul-africano) ou passaram à clandestinidade, deixando os "serviços" espalhados pela colónia ao abandono. Quando, mais tarde, a própria Polícia de Informação Militar foi extinta, não foi feito mais do que a formalização de um facto que já estava consumado. Os pides já se tinham encarregado de "extinguir" a tal Polícia de Informação Militar.

Muitas outras resistências e contradições houve em Angola no imediato pós 25 de Abril. Logo no mês de maio, o general Silvino Silvério Marques, que tinha servido fielmente o colonialismo como governador-geral de Angola, voltou a ocupar o mesmo cargo, com resultados vergonhosos. Durante este seu segundo governo, que durou até julho de 1974, a situação em Luanda deteriorou-se de forma muito grave, com repetidos e insistentes ataques feitos contra os bairros populares da cidade (chamados musseques) por parte de grupos de colonos extremistas, do que resultaram numerosos mortos e feridos, sem que alguém tomasse medidas para pôr cobro a tal situação.


Esta segunda fotografia, de um anúncio de jornal, foi publicada num fórum aqui na Internet por uma pessoa que usa o pseudónimo Ruca. Segundo o que Ruca escreveu no fórum, este anúncio foi publicado num jornal de Luanda em 8 de maio de 1974.

A OPVDCA (Organização Provincial de Voluntários para a Defesa Civil de Angola) era uma força paramilitar contituída quase exclusivamente por brancos. Dependia diretamente do governador-geral de Angola, escapando por isso completamente ao controlo das Forças Armadas Portuguesas. Até os chefes militares mais afetos ao regime viam a OPVDCA com muito maus olhos, pois a ação desta organização transcendia a sua própria competência, que seria de defesa das vidas e bens dos colonos, e interferia com a atividade operacional das Forças Armadas nas zonas de guerra. Em concreto, a OPVDCA realizou ataques contra as populações civis afetas aos movimentos de libertação, em colaboração com fazendeiros brancos de café, sendo a população civil da 1ª Região do MPLA um seu alvo preferencial.

Com que fim é que a OPVDCA se propôs, já depois de 25 de abril de 1974, recrutar antigos militares oriundos dos batalhões metropolitanos, dos comandos e dos paraquedistas — isto é, antigos militares com experiência de guerra e que fossem brancos — para as suas fileiras? Terá a OPVDCA desempenhado algum papel nos ataques aos musseques referidos acima? Aqui ficam as minhas interrogações, pois não tenho resposta para elas.

24 abril 2012

«Quem manda? — Salazar, Salazar, Salazar»


Teatralização sobre textos de um livro de leitura para a 3ª classe do tempo do Estado Novo, por Mário Viegas e restante elenco da Companhia Teatral do Chiado

18 abril 2012

Alentejanos de pele escura

Assinalada no mapa, a região da Ribeira do Sado (clicar na imagem para ampliar)

Ribeira do Sado,
Ó Sado, Sadeta.
Meus olhos não viram
Tanta gente preta.

Quem quiser ver moças
Da cor do carvão
Vá dar um passeio
Até São Romão.


(do cancioneiro popular de Alcácer do Sal)

Ribeira do Sado é o nome de uma região que se estende ao longo do vale do Rio Sado, no sul de Portugal, a partir de Alcácer do Sal e para montante, não longe de Grândola, a Vila Morena. São Romão do Sado é uma das aldeias existentes na referida região.

Quem agora for passear pela Ribeira do Sado, já não verá gente completamente preta diante dos seus olhos, nem na aldeia de São Romão encontrará moças da cor do carvão propriamente dita. A mestiçagem já se consumou por completo. Mas são por demais evidentes os traços fisionómicos observáveis em muitos dos habitantes da região, assim como a cor mais escura da sua pele, que nos remetem imediatamente para a África a Sul do Sahara.

Nem sequer é preciso percorrer a Ribeira do Sado. Se nos limitarmos a dar uma ou duas voltas pelas ruas de Alcácer do Sal, por certo nos cruzaremos com uma ou mais pessoas que apresentam as características físicas referidas. São os chamados mulatos de Alcácer, por vezes designados também carapinhas do Sado.

O seu aspeto é semelhante ao de muitos cabo-verdianos, mas não possuem quaisquer laços com as ilhas crioulas. São portugueses, filhos de portugueses, netos de portugueses, bisnetos de portugueses e assim sucessivamente. Quando falam, fazem-no com a característica pronúncia local. São alentejanos.

É frequente atribuir-se ao Marquês de Pombal a iniciativa de promover a fixação de populações negras no vale do Rio Sado. Mas não é verdade. Existem registos paroquiais e do Santo Ofício que referem a existência de uma elevada percentagem de negros e de mestiços em épocas muito anteriores a Pombal. Segundo tais registos, já no séc. XVI havia pessoas de cor negra vivendo nas terras de Alcácer.

No troço chamado Ribeira do Sado, o vale do Rio Sado é bastante alagadiço e nele se cultiva arroz. Até há menos de cem anos, havia muitos casos de paludismo neste troço. A mortalidade causada pelas febres palustres fazia com que as pessoas evitassem fixar-se na região. Além disso, no séc. XVI, muitos portugueses embarcaram nas naus que demandaram outras terras e outras riquezas, o que agravou ainda mais o défice demográfico. Terá sido esta a razão por que, naquela época, os proprietários das férteis terras banhadas pelo Sado terão resolvido povoá-las com negros, comprados nos mercados de escravos. Os mulatos do Sado dos nossos dias são, portanto, descendentes desses antigos escravos negros.

A comprovar a antiguidade do povoamento negro no vale do Sado está o facto de que os atuais mulatos não possuem quaisquer manifestações culturais distintas das dos seus outros conterrâneos, sejam essas manifestações de raiz africana ou outra. Com a passagem dos anos e dos séculos, os costumes, as crenças e as tradições dos antigos escravos negros dissolveram-se por completo na cultura local de raiz europeia e mourisca, integrando-se nela. Também do ponto de vista cultural, portanto, os mulatos de Alcácer são alentejanos legítimos, tão legítimos como os restantes.

Há uma outra região em Portugal onde ocorreu uma fixação de populações negras em número significativo. É o vale do Rio Sorraia, onde fica a vila de Coruche, já em terras do Ribatejo. Tal como no vale do Rio Sado, também no vale do Sorraia havia muito paludismo. As razões para se ter feito com negros o povoamento desta outra região terão sido, por isso, as mesmas. Mas, ao contrário do que acontece em Alcácer do Sal, dificilmente vislumbraremos traços africanos entre os atuais habitantes de Coruche. Os genes "negros" estão presentes em muitos coruchenses, mas não são facilmente observáveis à vista desarmada.

Tal como no vale do Sado, também no vale do Rio Sorraia se cultiva muito arroz. Por isso, quando comermos arroz português, estaremos a comer arroz que pode muito bem ter sido cultivado por honrados compatriotas nossos que são descendentes de pessoas de pele negra.

Vendo bem as coisas, qual é afinal o português que poderá garantir, com absoluta certeza, que não tem antepassados negros?


17 abril 2012

O oceano perpétuo

As correntes e temperaturas da água à superfície do Oceano Pacífico (Imagem: NASA/Goddard Space Flight Center Scientific Visualization Studio)

A NASA tem na Internet espantosas imagens fixas e em vídeo que nos mostram os oceanos tal como estes nunca foram vistos antes.

Com base nos dados científicos recolhidos entre junho de 2005 e dezembro de 2007 pelo projeto ECCO2 (Estimating the Circulation and Climate of the Ocean -- 2ª fase), que modeliza os oceanos em alta resolução, os animadores da NASA no Estúdio de Visualização Científica do Goddard Space Flight Center criaram a animação que se segue. Nela podemos ver as correntes e redemoinhos à superfície dos oceanos, tal como foram registados pela NASA no período de tempo referido.


(Clicar no canto inferior direito para ver o vídeo ampliado)

Uma versão de longa duração (20 minutos) pode ser vista aqui: http://www.youtube.com/watch?v=xL6s2YGzv6w.

A evolução das correntes e também das temperaturas superficiais dos oceanos em todo o planeta pode ser vista sob a forma de planisfério no vídeo que se segue.


(Clicar no canto inferior direito para ver o vídeo ampliado)

Este e outro material visual relacionado com esta matéria está disponível na seguinte página do próprio Estúdio de Visualização Científica do Goddard Space Flight Center: http://svs.gsfc.nasa.gov/vis/a000000/a003800/a003827/.

15 abril 2012

Poema da Terra Adubada


Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.

As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.

Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.

O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.

As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.

Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.

Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.

António Gedeão, in Linhas de Força


(Foto de autor desconhecido)

12 abril 2012

Contemporaneidade em Angola

Trecho do filme documentário Outros Rituais Mais ou Menos, do realizador Jorge António, sobre a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, de Luanda, fundada e dirigida por Ana Clara Guerra Marques

10 abril 2012

Dádiva

Uma índia brasileira dá o seu próprio seio a uma cria órfã, enquanto segura carinhosamente o seu filho adormecido (Foto de autor desconhecido)

07 abril 2012

Glória


Glória, de Vytautas Miškinis, compositor lituano nascido em 1954, pelo coro Entrevoces, de Havana, Cuba, dirigido por Digna Guerra Ramírez

06 abril 2012

Eia mater, fons amoris


Eia mater, fons amoris, do Stabat Mater, de Antonín Dvořák (1841-1904), pelo Coro Monteverdi, de Würzburg, Alemanha, dirigido por Matthias Beckert

05 abril 2012

Qui Tollis Peccata Mundi


Qui Tollis Peccata Mundi, da Missa Grande de Marcos Portugal (1762-1830), pelo coro L'Échelle, com os solistas Caroline Marçot e Charles Barbier, sob a direção de Bruno Procópio

04 abril 2012

Na Lezíria do Ribatejo

Duas das seis gravuras que Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957) fez para uma edição nunca concretizada do livro Fanga, de Alves Redol (1911-1969) (Imagens colhidas em Almanak Silva)


Pareciam cercados no trabalho pelo braseiro de um fogo que alastrasse na Lezíria Grande. Como se da Ponta de Erva ao Vau a leiva se consumisse nas labaredas de um incêndio que irrompesse ao mesmo tempo por toda a parte.

O ar escaldava; lambia-lhes de febre os rostos corridos pelo suor e vincados por esgares que o esforço da ceifa provocava. O Sol desaparecera há muito, envolvido pela massa cinzenta das nuvens cerradas. Os ceifeiros não o sentiam penetrar-lhes a carne abalada pela fadiga. Lento, mas persistente, parecia ter-se dissolvido no ar que respiravam, pastoso e espesso.

Trabalhavam à porta de uma fornalha que lhes alimentava os pulmões com metal em fusão. Quase exaustos, os peitos arfavam num ritmo de máquinas velhas saturadas de movimento.

A ceifa, porém, não parava, e ainda bem -- a ceifa levava o seu tempo marcado. Se chovesse, o patrão apanharia um boléu de aleijar, diziam os rabezanos na sua linguagem taurina. Eles próprios não a desejavam; se as foices não cortassem arroz, as jornas acabariam também.

E se ao sábado o apontador não enchesse a folha, as fateiras não trariam pão e conduto da vila.

Então os dias tornar-se-iam ainda mais penosos e o degredo por terras estranhas mais insuportável.

Vencidos pelo torpor os braços não param. Lançam as foices no eito, juntando os pés de arroz na mão esquerda, e o hábito arrasta-os em gestos quase automáticos, mais um passo e outro, a caminho da maracha que fecha o extremo de cada canteiro. Caminham sempre no mesmo balouçar de ombros; as pegadas do seu esforço ficam marcadas na resteva lodosa.

Talvez muitos deles pensem que o arroz deitado nas gavelas repousa primeiro do que os seus corpos. Se pudessem deter-se também, por instantes, e descansarem depois a cabeça nos montes de espigas que deixam atrás de si, a ceifa poderia animar.

Mas o bafo que vem da seara queima mais em cada minuto e as cabeças dos alugados pesam já tanto como o cabo das foices nos braços esgotados. Estão atulhados de amarelo, de pensamentos e de grãos de fogo que a canícula doente lhes insuflou no sangue.

Ninguém entoa cantigas para animar, embora os capatazes tenham incitado as raparigas cantaroleiras para o fazer. Nos ranchos não há agora quem saiba cantar. Como podem as cachopas entrar em cantos ao desafio, se os peitos parecem fendidos pela fadiga e o ar que respiram se tornou lava do vulcão da planície?!

-Auga!... Auga!... - Gritam os rapazes aguadeiros.

Os seus brados parecem vogar sobre o rancho e não se dissolvem. Ficam a boiar na massa espessa da lava de fogo e angústia que cobre as searas. As palavras não naufragam.

Talvez por isso também as raparigas não cantem. Agora só saberiam canções tristes que lhes recordassem a sua condição de alugadas.

Alves Redol, in Gaibéus