28 fevereiro 2013

Hei de ser tudo o que eles querem

1

Hei-de ser tudo o que eles querem:
a raiva é toda de eu não ser um espelho
em que mirem com gosto os próprios cornos,
as caudas com lacinhos, e os bigodes
de chibos capripédicos.
Não sou nem sequer imagem.
Mas voz eu sou
que como agulha ou lança ou faca ou espada
mesmo que não dissesse da miséria
de lodo e trampa em que se espojam vis
só porque existe é como uma denúncia.
Hei-de ser tudo, não o sendo. Um dia
– podres na terra ou nos caixões de chumbo
estes zelosos treponemas lusos –
uma outra gente, e limpa, julgará
desta vergonha inominável que é
ter de existir num tempo de canalhas
de um umbigo preso à podridão de impérios
e à lei de mendigar favor dos grandes.

2

De cada vez que um governo necessita de segredos,
por segurança do Estado
ou para melhor êxito
nas negociações internacionais,
é o mesmo que negar,
como negaram sempre desde que o mundo é mundo,
a liberdade.

Sempre que um povo aceita que o seu governo,
ainda que eleito com quantas tricas já se sabe,
invoque a lei e a ordem para calar alguém,
como fizeram sempre desde que o mundo é mundo,
nega-se
a liberdade.

Porque, se há algum segredo na vida pública
que todos não podem saber
é porque alguém, sem saber,
é o preço do negócio feito.
E se há uma ordem e uma lei que não inclua
mesmo que seja o último dos asnos e dos pulhas
e o seu direito a ser como nasceu ou o fizeram,
a liberdade
é uma farsa,
a segurança
é uma farsa,
a ordem é uma farsa,
não há nada que não seja uma farsa,
a mesma farsa representada sempre
desde que o mundo é mundo,
por aqueles que se arrogam ser
empresários dos outros
e nem pagam decentemente
senão aos maus actores.

Jorge de Sena (1919-1978)


Jorge de Sena

26 fevereiro 2013

Os índios Kalapalo

Documentário sobre os índios Kalapalo, do grupo etno-linguístico Karib, que vivem no Alto Xingu, Mato Grosso, Brasil. Neste vídeo, o documentário está repetido; à sua versão em português segue-se uma versão em inglês

24 fevereiro 2013

Valores


(Desenho de Quino)

17 fevereiro 2013

Doce falar de Macau

Ruínas de São Paulo em Macau, China (Foto: Pedro Coimbra)

Sinceramente, não compreendo porque é que se adotou o horrível galicismo "patoá" para designar o idioma crioulo de base portuguesa que é falado em Macau por membros da comunidade macaense.

No seu blog Caderno do Oriente, Maria Janeiro escreveu o seguinte a respeito deste modo único de falar:

O “dóci papiá de Macau” ou “dóci língu di Macau” é, provavelmente, originário de Malaca, do “papia kristang”; leio, num trabalho da Universidade de Hong Kong – «Languages in Contact: Creole morphology» - que, quando da conquista de Malaca pelos holandeses (em 1641) ocorreu a migração de população de Malaca para Macau, essa população – já cruzamento de português com malaio e indiano – terá trazido a sua língua, o papia kristang de Malaca. Mais tarde, no século XVIII, a juntar a esta população, mistura de portugueses, chineses, indianos e malaios, vieram os cristãos do Japão e das Filipinas. Foi nas primeiras décadas do século XX, e com a imposição do português como língua oficial, que a “dóci língu di Macau antigo” começou a perder importância.

Existem várias instituições culturais em Macau que têm por finalidade proteger este falar crioulo e incentivar o seu uso. De entre estas instiuições, avulta o grupo de teatro Dóci Papiaçám di Macau, que se pode ver no vídeo que se segue.



Macau Sâm Assi (Macau É Assim), por Dóci Papiaçám di Macau

13 fevereiro 2013

O pobre diabo face à guerra

(Foto de autor desconhecido)
Se tivessem contado ao diabo, que sempre teve uma enorme paixão pela guerra, que um dia haveria homens para quem a continuação desta representa um interesse comercial, que eles nem se dão ao trabalho de disfarçar e cujo produto ainda os ajuda a ocupar um lugar de destaque na sociedade, ele teria dito para irem contar isso à avó dele. Mas depois, quando se tivesse convencido do facto, o inferno teria ficado abrasado de vergonha e ele não teria outro remédio senão reconhecer que toda a vida fora um pobre diabo!

Karl Kraus (1874-1936), escritor satírico austríaco

10 fevereiro 2013

Música tradicional do carnaval de Luanda



Manazinha, pelos Ngola Ritmos, com Lourdes van Dunem


Na Rua de São Paulo, pelo grupo carnavalesco Kabocomeu, do bairro Sambizanga


Princesa Rita, pelos Kiezos


Mariana, pelos Águias Reais

06 fevereiro 2013

Resgate

Há qualquer coisa aqui de que não gostam
da terra das pessoas ou talvez
deles próprios
cortam isto e aquilo e sobretudo
cortam em nós
culpados sem sabermos de quê
transformados em números estatísticas
défices de vida e de sonho
dívida pública dívida
de alma
há qualquer coisa em nós de que não gostam
talvez o riso esse
desperdício.
Trazem palavras de outra língua
e quando falam a boca não tem lábios
trazem sermões e regras e dias sem futuro
nós pecadores do Sul nos confessamos
amamos a terra o vinho o sol o mar
amamos o amor e não pedimos desculpa.

Por isso podem cortar
punir
tirar a música às vogais
recrutar quem vos sirva
não podem cortar o verão
nem o azul que mora
aqui
não podem cortar quem somos.

Águeda, 23/12/2012

Manuel Alegre


(Foto de autor desconhecido)