31 agosto 2013

Muxima


Muxima, uma popular canção de Angola, numa interpretação muito sofisticada do músico angolano Tótó

28 agosto 2013

«I have a dream»



Sinto-me muito feliz por participar convosco nesta concentração que ficará na História como a maior manifestação que o nosso país conheceu a favor da liberdade.

Há um século, um grande americano que nos cobre hoje com a sua sombra simbólica assinou o nosso ato de emancipação. Como um grande farol, essa proclamação histórica fez brilhar a luz da esperança nos olhos de milhões de escravos marcados pelo fogo escaldante da injustiça. Foi como uma aurora radiosa que pôs fim à longa noite do seu cativeiro.

Mas cem anos passaram e o Negro ainda não é livre. Cem anos passaram e a existência do Negro é todos os dias tristemente dilacerada pelas grilhetas da segregação e pelas correntes da discriminação; cem anos passaram e o Negro arrasta-se todos os dias pelas esquinas da sociedade americana e encontra-se em exílio no seu próprio país.

Foi por isso que aqui viemos hoje, para nos manifestarmos contra esta vergonhosa situação. Em certo sentido, viemos à capital dos Estados Unidos para cobrar um cheque. Escolhendo as palavras magníficas que formam a nossa Constituição e a nossa Declaração de Independência, os arquitetos da nossa república assinaram uma promessa, que deixaram a cada americano. Nos termos deste compromisso, todos os homens, os Negros, sim, bem como os Brancos, teriam garantidos os seus direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à procura da felicidade. É hoje evidente que a América faltou à sua promessa no que concerne a estes cidadãos de cor. Em vez de honrar a sua obrigação sagrada, a América entregou ao povo negro um cheque sem cobertura; um cheque que veio devolvido com a anotação «Falta de provisão». Não podemos acreditar que não haja como honrar esse cheque nos grandes cofres de oportunidades que tem o nosso país. Também viemos cobrar esse cheque, um cheque que nos fornecerá, pela sua simples apresentação, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.

Viemos igualmente a este lugar santificado para lembrar à América as exigências urgentes do momento presente. Já não podemos dar-nos ao luxo de esperar, nem de tomar tranquilizantes, como as meias-medidas. É a hora de realizar as promessas da democracia; é a hora de nos levantarmos dos vales obscuros e desoladores da segregação para seguir o caminho luminoso da justiça racial; é a hora de tirar a nossa nação das areias movediças da injustiça racial e colocá-la sobre o rochedo sólido da fraternidade; é a hora de garantir justiça a todos os filhos de Deus. Será fatal para a nossa nação ignorar que se está a instalar um perigo. Este verão sufocante, pelo legítimo descontentamento dos Negros, não terminará sem a chegada de um outono pleno de liberdade e igualdade.

1963 não é o fim, mas o começo. Os que esperavam que o Negro tinha somente necessidade de libertar o vapor e que agora ficaria contente terão um violento despertar se o país voltar à mesma situação de sempre. Não haverá mais descanso nem traquilidade na América enquanto o Negro não obtiver os seus direitos de cidadão.

Os turbilhões da revolta continuarão a abalar as fundações da nossa nação até ao dia em que nascer a aurora brilhante da nossa justiça. Mas há uma coisa que tenho de dizer ao meu povo, que aguarda no cálido umbral que conduz ao Palácio da Justiça: ao reivindicar o nosso justo lugar, não cometamos atos injustos. Não procuremos saciar a nossa sede de liberdade bebendo pela taça da amargura e do ódio. Temos de conduzir a nossa batalha nos altos planaltos da dignidade e da disciplina. A nossa reivindicação não pode degenerar em violência física. Temos de subir, uma e outra vez, às alturas majestosas onde convivem a força física e a força da alma.

O maravilhoso militantismo que está a envolver novamente a comunidade negra não deve levar-nos a desconfiar de todos os Brancos. Como atesta a sua presença hoje neste local, muitos dos nossos irmãos de raça branca compreenderam que o seu destino está ligado ao nosso destino. Eles compreenderam que a sua liberdade está indissociavelmente ligada à nossa liberdade.

Não poderemos avançar sozinhos. E, ao longo do nosso caminho, é preciso assumirmos o compromisso de continuar sempre a seguir em frente. Não poderemos voltar atrás. Há quem pergunte aos defensores dos direitos civis: «Quando ficarão satisfeitos?» Não poderemos jamais estar satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos indizíveis horrores da brutalidade policial.

Não poderemos jamais estar satisfeitos enquanto os nossos corpos fatigados pela viagem não encontrarem abrigo nos motéis das grande estradas ou nos hotéis das cidades. Não poderemos estar satisfeitos enquanto a liberdade de movimentos do Negro não lhe permitir mais do que ir de um pequeno gueto a um gueto maior.

Não poderemos estar satisfeitos enquanto as nossas crianças forem despojadas da sua identidade e privadas da sua dignidade pelos cartazes que indicam: «Só os Brancos são admitidos.» Não poderemos estar satisfeitos enquanto um Negro do Mississipi não puder votar e enquanto um Negro de Nova Iorque pensar que não há nenhuma razão para votar. Não, nós não estamos satisfeitos, e não estaremos satisfeitos enquanto o direito não jorrar como a água, e a justiça como uma torrente inesgotável.

Não ignoro que alguns de entre vocês vieram aqui parar por um excesso de privações e atribulações. Alguns saíram da pequena cela de uma prisão. Outros vieram de regiões onde a sua busca de liberdade os tornou vítimas de perseguições tempestuosas, arrastados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês são os pioneiros do sofrimento criador. Prossigam a vossa tarefa, e convençam-se de que esse sofrimento imerecido será redimido.

Voltem para o Mississipi; voltem para o Alabama; voltem para a Carolina do Sul; voltem para a Geórgia; voltem para o Luisiana; voltem às vossas favelas e aos vossos guetos nas cidades do Norte, sabendo que, de uma forma ou de outra, esta situação pode mudar. E mudará. Não vamos cair nos vales do desespero.

Digo-vos aqui e agora, meus amigos: mesmo que tenhamos de enfrentar dificuldades, hoje e amanhã, eu tenho um sonho. Um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Sonho que, um dia, o nosso país se levantará e viverá de acordo com o verdadeiro significado da sua doutrina: «Acreditamos que esta verdade é evidente por ela própria: todos os homens são criados iguais.»

Sonho que, um dia, sobre as colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos proprietários de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade.

Sonho que, um dia, o Estado do Mississipi, ele próprio, sufocado pelo calor da opressão, se transformará num oásis de liberdade e de justiça.

Sonho que os meus quatro filhos viverão um dia num país onde não os julguem pela cor da pele mas pela natureza do seu caráter.

Hoje, eu tenho um sonho!

Sonho que, um dia, mesmo no Alabama, onde o Governador clama pela «interposição» e a «anulação», um dia, exatamente em Alabama, as raparigas e os rapazes negros, as raparigas e os rapazes brancos, poderão dar as mãos como irmãs e irmãos.

Hoje, eu tenho um sonho!

Sonho que, um dia, todo o vale será elevado, toda a montanha e toda a colina se tornarão planícies, todas as escarpas serão alisadas. Esse dia revelará a glória do Senhor e toda a espécie humana se unirá.

Esta é a minha esperança. Esta é a fé que levarei para o Sul. Com esta fé seremos capazes de encontrar, nas montanhas do desespero, um sinal de esperança.

Com esta fé, seremos capazes de transformar o som desafinado da nossa nação em discórdia numa maravilhosa sinfonia de fraternidade. Com esta fé, seremos capazes de trabalhar em conjunto, de rezar em conjunto, de lutar em conjunto, de ir para a prisão em conjunto, de nos levantarmos em conjunto pela liberdade, sabendo que um dia seremos livres. Será o dia em que os filhos do Bom Deus poderão cantar em conjunto este hino a que darão um novo significado — «O meu país és tu, doce terra de liberdade, és tu que eu canto, país onde repousam os nossos pais, orgulho dos peregrinos, que em cada lado da montanha soe o sino da liberdade». E se a América tem de ser uma grande nação, esse desejo tem de tornar-se realidade.

Por isso, façam soar o sino da liberdade nas prodigiosas cúpulas do New Hampshire. Façam soar a liberdade nas imponentes montanhas do Estado de Nova Iorque. Façam soar a liberdade nas alturas dos Alleghanies na Pensilvânia. Façam soar a liberdade nas neves das Rochosas no Colorado. Façam soar a liberdade nas colinas ondulantes da Califórnia. Mas isso não chega.

Por isso, façam soar o sino da liberdade na Stone Mountain da Geórgia. Façam soar a liberdade na Lookout Mountain do Tenessee. Façam soar a liberdade em cada colina e em cada monte do Mississipi, façam-na soar na encosta de cada montanha.

Quando conseguirmos que o sino da liberdade possa tocar, quando o deixarmos tocar em cada vila e em cada aldeia, em cada Estado e em cada cidade, poderemos acelerar a chegada do dia em que todos os filhos do Bom Deus, os Negros e os Brancos, os judeus e os gentios, os protestantes e os católicos, poderão dar as mãos e cantar as palavras do velho espiritual negro: «Finalmente livres. Finalmente livres. Graças a Deus todo-poderoso, eis que finalmente somos livres.»

Discurso proferido por Martin Luther King, Jr. (1929-1968), no Lincoln Memorial, em Washington DC, no dia 28 de agosto de 1963, perante mais de 250 000 pessoas

23 agosto 2013

Cantiga do fogo e da guerra


Cantiga do Fogo e da Guerra, do álbum "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", por José Mário Branco. Música de José Mário Branco e letra de Sérgio Godinho

19 agosto 2013

Flor Agreste

Flor Agreste, escultura em mármore de Soares dos Reis (1847-1889), Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto. Quem fez de modelo para este busto foi uma carvoeira que era vizinha do escultor em Vila Nova de Gaia

16 agosto 2013

Nollywood

(Foto de autor desconhecido)

Não, o título não está errado. Não é Hollywood nem é Bollywood. É mesmo Nollywood. Com N de Nigéria.

Até há pouco mais de vinte anos, não se podia dizer que houvesse uma indústria cinematográfica na Nigéria. Os filmes produzidos anualmente naquele país da África Ocidental contavam-se pelos dedos. Agora, calcula-se que em média se produzem na Nigéria perto de três filmes de longa metragem por dia!!!

A produção de filmes na Nigéria é de tal modo abundante, que se passou a chamar Nollywood à indústria cinematográfica nigeriana, à semelhança de Hollywood, que é o nome que designa a indústria cinematográfica americana, e à semelhança também de Bollywood (com B de Bombaim), que é o nome que se usa para designar o cinema indiano.

Os filmes produzidos na Nigéria são todos feitos em vídeo e destinam-se ao mercado de venda e aluguer de DVD e afins, pois praticamente não há salas de cinema naquele país. São filmes produzidos quase sempre com orçamentos baixos, são feitos nos próprios locais da ação, e não em estúdios, e usam os programas de efeitos especiais existentes no mercado para os computadores correntes.

As principais empresas produtoras localizam-se na cidade de Lagos, que é a capital económica do país, e também em Onitsha, Benin City, Kano, etc. Na cidade de Kano encontra-se sediada uma indústria cinematográfica muito própria, que é falada em hausa e apresenta nítidas influências do cinema indiano. O hausa é a língua africana mais falada na África Ocidental, nomeadamente no norte da Nigéria e em várias regiões do Burkina Faso, Níger, Mali, etc.

Vejamos alguns trailers de filmes feitos no sul da Nigéria, concretamente em Lagos e Onitsha.









Como disse acima, em Kano existe uma cinematografia diferenciada, falada em hausa. Com efeito, no norte da Nigéria prevalece uma sociedade muçulmana que é muito conservadora e que apresenta problemas muito próprios. Ora o cinema indiano é também quase sempre muito conservador. Não admira por isso que a estética dos filmes hausa apresente muitas semelhanças com a dos de Bollywood.

Seguem-se alguns trailers e trechos de filmes hausa, produzidos em Kano, no norte da Nigéria, com os dramas, sonhos, alegrias e tristezas dirigidos a uma sociedade islâmica africana.











14 agosto 2013

Tradição e modernidade — 1

Não é um eventual isolamento do resto do mundo que leva algumas populações do sul de Angola a manter um estilo de vida tradicional. É uma opção voluntariamente assumida. Se clicarmos nesta imagem para ampliá-la, poderemos ver claramente que esta senhora angolana de etnia Himba tem na sua mão direita um telemóvel (celular) (Foto: Selma Fernandes)

12 agosto 2013

Brasileirinho


Brasileirinho, um choro muito popular de Waldir Azevedo (1923-1980), músico e compositor brasileiro que fez do humilde cavaquinho um instrumento de primeira grandeza. Toca o conjunto Som Brasileiro, com Alessandro Penezzi no solo de cavaquinho

10 agosto 2013

A meia hora de sol

(Imagem de autor desconhecido)

Eram casados, mas na verdade era como se o não fossem, pois quatro anos volvidos sobre o registo legal, continuavam "amantes" quer na paixão com que se entredevoravam quer na disponibilidade que entendiam dever preservar. Escolhiam-se dia a dia um ao outro. Não tinham horário para o amor. E, como a vida de Mateus estava sempre ameaçada, muitos dos instantes em que se uniam tinham para eles um gosto atormentado e exaltante de primeira vez e de nunca mais. Mas eram alegres. Iam jantar fora com frequência e até passavam fins de semana muito íntimos, quase clandestinos, em pequenos hotéis retirados, de atmosfera civilizada e sorridente, governados por estrangeiros.

Na manhã em que o vieram buscar — dois homens à porta e outros dois na rua — ele cerrou os dentes com força, recusando-se à emoção em altura tal, e só lhe disse:

— Espera por mim, Júlia!

Mas beijou-a, primeiro na boca e depois nas mãos, com devoção, como a desfazer-se em água de alma, que nem ele jamais se apercebera de que lhe queria também assim.

No isolamento da cela reinventava-a, rememorava dia a dia, minuto a minuto, os quatro anos percorridos lado a lado; lamentava o tempo que não lhe dava por esta ou por aquela razão; tinha-a, com toda a gama dos seus olhares, queixumes, suspiros, gritos e êxtases, em todos os alaridos raivosos da sua continência forçada. De noite, ele que briosamente velava, em face dos estranhos e de si próprio, pela sequidão dos seus olhos e pela nudez dos seus lábios, acordava debulhado em lágrimas, assistindo à agonia de ausência que ela, sozinha em casa, conheceria.

Depois foram as visitas — de cada vez meia hora de sol, mesmo que o sol exterior não luzisse no firmamento. Um vidro a separá-los, as palmas das mãos esposando-se, uma de cada lado dessa delgada, mas intransponível fronteira que os dividia. E quase nada conseguiam dizer. Falavam sobretudo pelos olhos, pelo tremer da boca, pelo pasmo atroz do final na ocasião de se separarem. A tarde que se seguia era de todas a mais dolorosa, mas ainda quente do calor de vida que ela trouxera. E sucedia-se o deserto de uma nova, longa, tórrida semana, contando os dias que faltavam para a luz breve de outra visita. Durante meses, e na perspectiva de anos iguais. (...)

As visitas tornavam-se, por vezes, amargas, extenuantes. Júlia adivinhava-lhe nas sombras e nos vincos do rosto a escureza da suspeita e, ao mesmo tempo, uma adoração descabelada (porque tudo ele ia, com efeito, obsessivamente concentrando nela) adoração, de resto, também odienta, a raiar por essa mesma forma de amor possessivo e dependente que dantes ele considerava — com o seu sorriso mais racional — uma forma de alienação. (...)

— É melhor que nunca mais voltes. Não, não venhas. Só nos ferimos um ao outro. Saio daqui, por dentro, a escorrer sangue. E tu vais-te embora ainda em pior estado.

— Mas, Mateus, meu querido...

E ele voltou-lhe as costas (só, aliás, para que ela não o visse chorar). O guarda veio, abriu a porta, do lado dela, com um pesado ruído de chaves ferrugentas. Mateus soube, pelo som leve, mas lento, dos passos, que Júlia partira.

E nunca mais, em manhãs de sol, a sombra dos varões da janela se tornou em flores na parte caiada da cela, no dia que fora o da visita.

Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013), in Contos da Solidão, obra escrita na prisão de Caxias (trecho reproduzido do sítio http://boticelli.no.sapo.pt/)

02 agosto 2013

Tunjila Tuajokota


O grupo angolano Tunjila Tuajokota interpretando duas canções ao vivo

Os Tunjila Tuajokota são um grupo de cinco adolescentes oriundos do município de Cahombo, a nordeste da cidade de Malanje, Angola. Interpretam música de raíz tradicional da sua região e cantam em quimbundo, na forma como esta língua é falada na província de Malanje. Dois dos elementos do grupo são cegos e a sua cegueira foi provocada pelo sarampo. Isto aconteceu durante uma fuga da guerra, que eles, enquanto crianças pequenas, e as suas famílias foram forçados a fazer durante dois anos pelo interior do mato.