30 setembro 2013

Canção do desterro


Canção do Desterro, por Zeca Afonso (1929-1987)

27 setembro 2013

No Brasil, os índios lutam pelos seus direitos

Menina índia do Brasil (Foto de autor desconhecido)

Está a preparar-se um conjunto de manifestações de índios no Brasil, a decorrerem entre os dias 30 de setembro e 5 de outubro próximos, com a finalidade de defender a Constituição brasileira, os direitos dos povos indígenas e tradicionais (incluindo quilombolas) e o meio ambiente, contra o governo, a bancada ruralista do Congresso, as grandes empresas energéticas (nomeadamente Belo Monte), as grandes empresas de exploração mineira e todos quantos procuram limitar os direitos das populações indígenas e tradicionais. Estão previstas manifestações em várias cidades do Brasil, com destaque para Brasília (em frente ao Congresso), São Paulo, Belém e Rio Branco. No dia 26 de setembro que agora passou, um grupo de cerca de 200 índios fechou a Rodovia dos Bandeirantes, no estado de São Paulo.



Manifesto dos índios guarani que fecharam a Rodovia dos Bandeirantes, no estado de São Paulo, em 26 de setembro de 2013


Já em 2012, os índios do Alto Xingu tinham apresentado um manifesto com as suas reivindicações, que a ministra da Cultura que então estava em funções, Ana de Hollanda, recusou receber

26 setembro 2013

O Jardim

Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes.
Sequências de convergências e divergências,
ordem e dispersões, transparência de estruturas,
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas.

Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direcções de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curvas vagarosas, pulsações de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.

Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis.
É aqui, é aqui que se renova a luz.

António Ramos Rosa (1924-2013)

(Foto: Carlos Romão)

23 setembro 2013

Algumas superstições populares portuguesas

Quando uma visita se demora muito, contrariando os donos da casa, deve pôr-se um banco de pernas para o ar detrás de uma porta, porque logo ela sai.

As pessoas que dormem muito, para perderem este hábito, devem abraçar um burro logo que acabar de nascer.

Quando um bode espirra, é sinal de bom tempo.

É mau virar o vestido de cima para baixo, porque se vira a fortuna.

Não é bom deixar um pedaço de pão cortado com os dentes. Uma pessoa que queira fazer mal a quem fez isto, pode apanhar aquele pão, crivá-lo de alfinetes e dá-lo depois a comer a um sapo. O sapo fica padecendo, e enquanto não morre padece a pessoa também, morrendo por fim ambos.

Quando as vacas berram, é sinal de casamento.

Quando se ouve uivar um cão, devem tirar-se os sapatos, virá-los de sola para cima e põem-se os pés em cima deles, dizendo três vezes: Maria dá pão ao cão. Apenas se fizer isto, logo o cão se calará, cessando o agoiro.

Não se devem matar baratas (insecto), porque são sinal de dinheiro na casa onde aparecerem.

A mulher que amamentar uma criança, não deve fazê-lo, ao levantar da hóstia e do cálice, porque a criança fica com gota.

Quando a orelha esquerda está muito vermelha, é sinal que estão a dizer mal da gente. Para se evitar que continuem, é bom trincar a camisa três vezes no peito. Assim como se trinca a camisa, assim quem diz mal trinca a língua.

É mau contar as estrelas. Quantas estrelas se contam, tantos são os cravos que nascem nas mãos.

Não é bom rir à sexta-feira, porque a pessoa, que o faz, chora ao domingo.

Quando uma pessoa morre, é bom queimar-lhe a cama, para não voltar a este mundo.

É bom vestir a roupa do avesso, porque livra de mordedura de cão danado.

Quando faz trovoada, é bom deitar alecrim no lume, para afugentar o raio.

Quem corta as unhas ao sábado, vê o seu amor ou pessoa que estima ao domingo.

Quando uma mulher dá de mamar a uma criança, não deve beber coisa alguma, quando a tiver ao peito, senão fica com ataques epilépticos.

Quando se varrem os pés a uma pessoa solteira, não casa.

Quando há dificuldade de extrair as secundinas a uma parturiente, deve pôr-se-lhe um chapéu velho na cabeça, e mandá-la assoprar numa garrafa.

Quando uma mulher grávida deseja alguma coisa que não pode comer, a criança nasce com a boca aberta.

Dente de cão ao pescoço livra de dores de dentes.

in Contribuições para uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos, de Consiglieri Pedroso, Publicações Dom Quixote, Lisboa

17 setembro 2013

Fandango de Boccherini


Fandango, do Quinteto para cordas, guitarra e castanholas nº 4 em ré maior, G. 448, de Luigi Boccherini (1743-1805), por Jordi Savall, Rolf Lislevand, Bruno Cocset, Manfredo Kraemer, Pablo Valetti, José da Udaeta e a orquestra Le Concert des Nations (a notação G. 448 significa que este quinteto é a peça nº 448 do catálogo de obras de Boccherini elaborado por Yves Gérard)

14 setembro 2013

O menino da sua mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado —
Duas, de lado a lado —,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe.

Fernando Pessoa



O menino da sua mãe, música de de Fernando Lopes-Graça (1906-1994) e poema de Fernando Pessoa (1888-1935), por Sílvia Mateus (soprano) e Nuno Vieira de Almeida (piano)

07 setembro 2013

Igreja do Salvador de Paço de Sousa

Fachada principal da igreja do Mosteiro do Salvador, em Paço de Sousa, Penafiel (Foto: Fmars)

Há quem pense que tem mil anos o edifício do Mosteiro do Salvador de Paço de Sousa, cuja igreja se vê nesta imagem. Mas não tem. O que aqui se vê, é uma obra em estilo românico, com alguns elementos góticos, que os frades beneditinos ergueram no séc. XIII, em substituição de uma outra edificação que, esta sim, datava do séc. X. O mosteiro original foi, de facto, construído há mil anos, mas depois foi substituído por um outro edifício, cuja igreja é esta que aqui se vê.

A primitiva construção, suponho eu, deveria ser pequena e rude, refletindo a dureza que a vida teria nesta região há mil anos. Nesse tempo, os mouros andavam por perto e lançavam frequentes ataques. Era o tempo do temível Almançor. Por certo que a vida por estas paragens devia então ser muito difícíl, pontuada por batalhas, pilhagens, fomes, doenças, etc. A arquitetura da época não podia, por isso, deixar de ser pobre e tosca.

Nos séc. XII e XIII, a ameaça dos mouros estava afastada para terras do atual Alentejo e a vida por aqui já deveria ser bastante melhor. Talvez se possa, mesmo, falar em alguma prosperidade. Havendo paz e uma maior abundância, foi então possível fazer uma edificação mais imponente, que substituísse a anterior.


(Foto: Fmars)

Paço de Sousa é uma freguesia do concelho de Penafiel situada a cerca de 30 km desta cidade do Porto. No seu livro "Viagem a Portugal", José Saramago escreveu o seguinte:

(...) todo este sítio, sem particulares grandezas, é dos mais belos lugares que o viajante [isto é, o próprio Saramago] tem visto. Aqui gostaria ele de viver, nesta mesma casa onde lhe deram a chave com muito bons modos (...)

Referindo-se à fachada principal da igreja, Saramago escreveu também:

Abre o viajante por sua mão a igreja, mas antes reencontrou o Sol e a Lua românicos, e o boi interrogativo em grande conversa com uma figura humana que, com a mão no queixo, se vê mesmo que não sabe responder. Por cima e aos lados, arquivoltas e colunelos são góticos, e a grande rosácea, bela e atrevida no seu lançamento.

(Foto: Pedras com Memória)

Ao longo dos séculos foram sendo feitos acrescentos e modificações ao templo, que muito o alteraram. Um grande incêndio ocorrido em 1927, que afetou sobretudo o mosteiro propriamente dito, obrigou a grandes obras de restauro, durante as quais se aproveitou a oportunidade para se eliminarem muitos dos acrescentos que tinham sido feitos e se devolver à igreja a sua traça (quase) original.

No interior do templo está um dos mais notáveis túmulos românicos que existem em Portugal: o túmulo de Egas Moniz, o tutor de D. Afonso Henriques. A respeito deste túmulo, subscrevo por completo as palavras de Saramago, que sobre ele escreveu:

(...) obra é certo que rústica, mas de um vigor, de uma força muscular, assim apetece ao viajante exprimir-se, que vencem as requintadas e minuciosas esculturas do gótico avançado e do manuelino. Outro viajante terá outra opinião. A este toca-o muito mais a rudeza de um cinzel que tem de começar por lutar consigo próprio antes de conseguir vencer a resistência da pedra. E é bom que nesta luta se veja que a pedra não foi inteiramente dominada.

Túmulo de Egas Moniz, no interior da igreja de Paço de Sousa (Foto: Mário Novais)