30 outubro 2013

A invasão dos marcianos

Orson Welles lendo The War of the Worlds ao microfone da cadeia de rádio CBS

Em 30 de outubro de 1938, ou seja, há precisamente 75 anos, uma emissão de rádio assustou Nova Iorque e outras cidades dos Estados Unidos. Nesse dia, o ator Orson Welles (que mais tarde viria a ser também um notável cineasta) realizou e apresentou na cadeia de rádio CBS uma peça de teatro baseada no romance A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells.

Com a duração de uma hora, a emissão consistiu numa série de notícias e de reportagens simuladas, que davam a entender que o planeta Terra estava a ser invadido por extraterrestres vindos de Marte. Muitas pessoas que só sintonizaram a CBS quando a emissão já ia a meio, desconheciam que aquilo que estavam a ouvir não passava de uma peça de teatro radiofónico e entraram em pânico, julgando que era a sério. O jornal New York Times, no dia seguinte, noticiou que milhares de pessoas foram tomadas de histeria, houve engarrafamentos de trânsito e as centrais telefónicas foram submersas por chamadas em Nova Iorque, Princeton, Dayton e até mesmo em Los Angeles e São Francisco.

A emissão realizada e apresentada por Orson Welles pode ser escutada aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=W6YNHq1qc44.

Posteriormente, em Portugal, o radialista Matos Maia resolveu repetir a façanha de Orson Welles, realizando uma emissão intitulada A Invasão dos Marcianos, que foi transmitida pela Rádio Renascença em 25 de junho de 1958. O efeito que esta outra emissão provocou foi descrito no dia seguinte pelo Diário de Lisboa, nos termos que se seguem.

UM PROGRAMA QUE FEZ ALARME

ATÉ MADRUGADA ALTA FOI GENTE A CARCAVELOS PARA ASSISTIR AO DESEMBARQUE DOS COMBATENTES VINDOS DE MARTE!

Terminara o breve noticiário das 20 horas e, com voz calma, o locutor de serviço anunciara: «amáveis radiouvintes, vamos agora transmitir uma adaptação radiofónica do famoso romance «A Guerra dos Mundos», do não menos famoso romancista inglês Herbert George Wells. Pedimos calma, atenção, compreensão…»

E às 20 e 40, o programa começou. O primeiro foguetão não havia descido em 1894, na pacata Inglaterra, perto de Woking, na charneca do Horsell, mas naquele mesmo instante, para os lados de Cascais, segundo informava o dr. Manuel Franco, director do observatório astronómico daquela vila. O director do observatório de Braga enviava também mensagens, assinalando a descida de outros marcianos… O Ministério das Relações do Interior ia tomar providências. De Londres, numa mensagem redigida em inglês, transmitida pela B.C.C. informavam que também na Inglaterra e em vários pontos do Globo se anunciava a invasão em massa.

Aqui, em Portugal, numa reportagem directamente transmitida do local de operações, falava-se de engenhos infernais, ouvia-se o ranger e o tinir terrível dos metais, o estampido das deflagrações…

O Português pacato, ainda empanturrado do jantar e disposto a passar um não menos pacato serão familiar, ligou a telefonia. Que era aquilo? Rádio Renascença transmitia Apocalipse, com cenas de terror e monstruosas visões?

Não, a coisa era muito pior. A emissora católica portuguesa transmitia uma desgraça terrível que estava a suceder aqui, no meio de nós, com sons estranhos e atroadores, vozes de homens embargadas pela emoção…

— Rebentou a revolução! — dizia o emocionado e pálido burguês.

— Não, é uma coisa mais terrível, o fim do Mundo, o fim de tudo e de todos. A Terra está a ser invadida pelos Marcianos.

Ninguém sabia o que era isso de Marcianos. Sabia-se apenas que era algo que invadia a pacatez dos burgos e dos lares portugueses. As mães corriam a tomar os filhos nos braços, homens dignos e corajosos correram a oferecer os seus préstimos às formações sanitárias da Cruz Vermelha. Os mais obtusos, porém — e foram pelos vistos os de maior número — ouviam e não compreendiam. E para que lhes explicassem o que estavam a ouvir, telefonavam para o Governo Civil, para os bombeiros, para os jornais, enquanto os mais humanitários, telefonavam para o banco de S. José, a saber dos feridos. Outros, decididos, lançavam-se em direcção a Carcavelos, onde — tudo parecia indicar — se desenrolavam os grandes acontecimentos.

Uma voz informa:

— Há 35 anos que sou «permanente» dos bombeiros e nunca vi tanta gente no Largo 5 de Outubro nem tantos automóveis, motos, camionetas e bicicletas na Estrada marginal! E, até às 3 da madrugada, telefonaram a perguntar se era verdade!

Era gente de Lisboa e arredores que se precipitava na pista do grande acontecimento, pretendendo desfrutá-lo, se possível…

O mais curioso é que, tendo chegado a notícia telefónica aos Bombeiros Voluntários de Carcavelos, o «permanente» partira de moto, pois, pelos vistos, a coisa devia passar-se para S. Julião da Barra. Mas, ali, nem o luar, escondido para lá dos castelos de nuvens, deambulava sobre as quietas areias e as vagas buliçosas. O «permanente» regressou a casa e foi ouvir o resto da emissão.

O resto, não. O resto não chegou. O reboliço e a inquietação cresceram por esse País fora e arredores. Os telefones de Rádio Renascença não paravam. O panico crescia. Havia semidelíquos, vozes angustiadas, passos correndo pela escada abaixo, começos de digestão perturbada.

— É o fim do Mundo!

— Não é! O locutor está a dizer que é fantasia!

— Não está tal, não pode ser fantasia, é o fim do Mundo!

O oficial de serviço na P. S. P. telefonou para Rádio Renascença, a saber o que era aquilo. De Rádio Renascença informaram.

Diabo, «A Guerra dos Mundos» estava a perturbar a opinião privada. Havia alteração de ordem espiritual. O locutor de Rádio Renascença, porém, continuava impávido, no seu posto, metralhando a imaginação do burguês. Delirava-se de panico, por mais que o microfone anunciasse:

— Isto é fantasia!

Mas a maioria não queria que aquilo fosse fantasia. Só podia aceitar a realidade que lhe entrava pela imaginação…

Por fim, do Governo Civil telefonaram de novo: que tivessem paciência os senhores de Rádio Renascença. Tinham de cortar o programa. E o programa, que devia findar ás 22 e 15, terminou de repente, ás 21 e 45. A máquina infernal calou-se, o burguês desapertou o colarinho e caiu para o lado, vencedor da sua própria emoção…

Hoje, de manhã, os jornais ainda davam conta do «fait-divers» da sociedade portuguesa. Muitos comentando o sucedido, correram ao noticiário, a ver se houve mortos ou feridos, Mas não, felizmente, não houvera. Os que mais se haviam excitado ontem á noite, sossegaram. Sorriram, até do sucedido.

De Rádio Renascença, porém lamenta-se o incidente provocado com as melhores intenções.

Aqui há uns doze anos, Orson Wells, ao microfone da N. B. C., de Nova York, pusera em pânico o buliçoso e ingénuo povo americano. Morrera gente de susto mas, aqui em Portugal, a coisa fora feita menos ao vivo. Além da explicação preliminar, de tantos em tanos minutos, a gravação era suspensa e o locutor prevenia que aquilo era tudo a brincar…

Depois, se as imaginações estivessem menos incendiadas, teriam dado conta de que em Portugal não há Ministério das Relações do Interior, que não há observatórios nem em Braga nem em Cascais. Tão-pouco lhes passaria despercebido que ás 21 horas se anunciavam factos passados às 21 e tal…

Mas o burguês não estava em condições de pensar, de raciocinar. Sabia apenas uma verdade que lhe entrava pelos ouvidos, dementando-lhe a imaginação: ele e a pátria estavam em perigo.

— Lamentamos sinceramente os efeitos! — disseram-nos de Rádio Renascença — Mas o mal-estar era tão injustificado como imprevisível…

Perderam-se trinta minutos de um programa feito e pensado com larga antecedência. Fora proposto por Matos Maia locutor de Rádio Renascença que fizera a própria adaptação radiofónica. Mais de vinte pessoas figuravam na ficha do programa, realizado com efeitos sonoros obtidos nos próprios estudios daquele posto emissor e, sobretudo, com outros cedidos pela Paramount, extraídos do filme já apresentado em Portugal, «A guerra dos mundos».

Estava pronto para ir para o ar havia muito. Mas, por circunstâncias várias, considerara-se que só ontem chegara a sua oportunidade.

— Fatalidade! — insistem de Rádio Renascença.

— Não pensam noutro programa, do mesmo género?

— De modo nenhum! E olhe que, no meio desta hecatombe de telefonemas, não faltou quem nos felicitasse pelo êxito!

A gravação da Invasão dos Marcianos, de Matos Maia, incluindo a parte final que não foi emitida, está na internet e pode ser ouvida no seguinte endereço do sítio Clássicos da Rádio, juntamente com uma explicação do próprio Matos Maia:

http://www.classicosdaradio.com/InvasaoMarcianos.htm.

27 outubro 2013

Música de Constança Capdeville

A compositora portuguesa Constança Capdeville (1937-1992) (Foto de autor desconhecido)

No campo da música dita erudita (que mais frequentemente é chamada música clássica, mas a que alguns preferem chamar grande música), mais de 99,9999% das obras que são tocadas e cantadas foram compostas por homens. Só por um verdadeiro milagre é que se consegue ouvir, num concerto ou num recital, alguma obra de Clara Schumann, Alma Mahler ou outra compositora. As mulheres só estão presentes na música como intérpretes, nunca como autoras. No entanto, a criatividade das mulheres não é inferior à dos homens, nem pouco mais ou menos. Porquê, então, uma tão grande desproporção entre homens e mulheres, no que à criação musical dita erudita diz respeito? A resposta talvez deva ser procurada no papel secundário e desprezado que tradicionalmente tem sido atribuído às mulheres na sociedade europeia e na sociedade ocidental em geral.

Há mais de dois anos, eu já chamei a atenção aqui neste blog para alguma música que foi composta por mulheres turcas. Venho agora chamar a atenção para uma compositora portuguesa, que muito justamente deve ser considerada uma das personalidades mais importantes da música feita em Portugal no séc. XX. Esta notável compositora, que também foi pianista, percussionista e pedagoga, chama-se Constança Capdeville (1937-1992). Para dá-la a ouvir, selecionei as três seguintes peças que ela compôs, das que estão disponíveis no Youtube: Caixinha de Música, Amen para uma Ausência e Momento I.






22 outubro 2013

As mãos dos pretos

(Foto de autor desconhecido)

Ler o conto As mãos dos pretos, do escritor moçambicano Luis Bernardo Honwana, aqui: http://pt.scribd.com/doc/174655217/HONWANA-Maos-Pretos.

19 outubro 2013

Vinícius




SONETO DE FIDELIDADE
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinícius de Moraes (1913-1980)



16 outubro 2013

A Senhora de Aires, de ao pé de Viana

Igreja do santuário de Nossa Senhora de Aires (Foto: Gastão de Brito e Silva)

A cerca de 5 km de Viana do Alentejo situa-se um dos mais importantes santuários do sul do país: o santuário de Nossa Senhora de Aires. Todos os anos tem lugar uma romaria a este santuário, que costuma realizar-se no quarto domingo de setembro. O santuário encontra-se num local situado junto à antiga estrada romana que ligava Ebora (Évora) a Pax Julia (Beja). Por este motivo, têm-se encontrado numerosos vestígios romanos nas suas imediações.

A imponente igreja do santuário, em estilo barroco, foi construída no séc. XVIII, em substituição de um outro templo do séc. XVI, que foi demolido. O autor do projeto foi o padre João Baptista, sendo o portal, em estilo rococó, da autoria de Manuel Antunes, de Estremoz. A construção esteve a cargo de Manuel Gomes.

Na página http://www.pontosdevista.net/expoi.php?id=108 pode ler-se o seguinte, a respeito das lendas que o povo conta sobre o santuário:

(…)
Existem duas lendas contadas pelo povo. Uma que relata que naquela herdade, chamada dos Vaqueiros, morava um lavrador rico, supõe-se que Martim Vaqueiro, que possuía uma manada de bois. Na herdade existia um curral onde todas as noites os bois eram recolhidos. A certa altura os empregados do lavrador repararam que durante a noite os bois saiam do curral para irem pastar, mas que no outro dia de manhã estavam todos lá dentro, com a porta fechada. Foram então contar o mistério ao patrão que se dispôs a ir dormir uma noite à porta do curral. Nessa noite apareceu-lhe em sonhos Nª Senhora, que lhe disse que era Ela que abria a porta aos bois e que era de Sua vontade que fizessem naquele local uma casa de Deus e que para isso Ela própria o ajudaria. O lavrador tratou logo de juntar os materiais necessários para dar início à igreja e como era preciso muito dinheiro vendeu alguns dos seus bois. Porém, quando os voltou a contar, após a venda, tinha na manada a mesma conta, tendo sido um milagre de Nª Senhora.

O aparecimento da imagem da Senhora d'Aires também tem uma lenda, e encontra-se expressa numa inscrição na portada do Santuário. É um verso em latim, que relata que após a expulsão dos mouros destas terras, um lavrador arava o campo quando encontrou dentro de um pote de barro a imagem que se vê no altar. Sobre esta lenda, diz-se que a imagem foi descoberta por Martim Vaqueiro quando este lavrava o campo.
(…)

Nesta outra página, do Município de Viana do Alentejo, pode ler-se uma descrição bastante pormenorizada do santuário: http://www.cm-vianadoalentejo.pt/pt/conteudos/o%20concelho/historia/santuario%20n%20s%20aires.htm.


As paredes da Casa dos Milagres do santuário encontram-se cobertas de incontáveis fotografias e ex-votos, que o povo ali tem vindo a colocar ao longo dos tempos, como forma de agradecimento a Nossa Senhora de Aires pelas graças e milagres concedidos (Foto: Aninhas; gosto de gostar e não gosto de não gostar)

10 outubro 2013

Va, pensiero


Coro dos Escravos (Va, pensiero, sull'ali dorate), do terceiro ato da ópera Nabucco, do compositor italiano Giuseppe Verdi (1813-1901), que nasceu há precisamente 200 anos. Esta peça tornou-se um símbolo do patriotismo italiano, tendo sido escrita numa época em que o norte de Itália estava sob ocupação austríaca. Neste vídeo, a interpretação é da Staatskapelle de Dresden, dirigida pelo maestro italiano Giuseppe Sinopoli

08 outubro 2013

Tortura do sono


Quem é Ricardo?, um filme de José Barahona, com base num argumento de Mário de Carvalho. Este filme retrata um dos métodos de tortura que eram usados pela PIDE, a polícia política da ditadura fascista: a tortura do sono. O escritor Mário de Carvalho, que foi homenageado no festival literário Escritaria de 2013, que acabou de se realizar em Penafiel, foi ele mesmo submetido a esta forma de tortura às mãos da PIDE