27 novembro 2013

Modinhas dos séc. XVIII e XIX

Entre 1792 e 1796, publicou-se em Lisboa um quinzenário chamado Jornal de Modinhas, especializado na divulgação de modinhas e lunduns

Na segunda metade do séc. XVIII desenvolveu-se, inicialmente em Portugal e posteriormente no Brasil, um estilo peculiar de canção camerística, que acabou sendo denominada modinha. A origem dessa designação está ligada à moda, que foi, em todo o séc. XVIII, palavra portuguesa para qualquer tipo de canção camerística a uma ou mais vozes, acompanhada por instrumentos.

A moda, em Portugal no séc. XVIII, foi um tipo genérico de canção séria de salão, que incluía cantigas, romances e outras formas poéticas, compostas por músicos de alta posição profissional. As modas foram tão comuns em Portugal no reinado de D. Maria I que popularizou-se o dito de que na corte dessa rainha “era moda cantar a moda” (ENCICLOPÉDIA, v.1, p.494).

A origem da modinha está relacionada um fenômeno europeu — e não apenas português — da segunda metade do século XVIII. Com a progressiva ascensão da burguesia e, consequentemente, com a mudança de hábitos da nobreza, surgiu uma prática musical doméstica ou de salão destinada a um entretenimento mais leve e menos erudito que aquele proporcionado pela ópera e pela música religiosa. Assim, a música doméstica urbana, praticada por amigos e familiares em festas ou momentos de lazer, privilegiou formas de pequeno número de intérpretes, de fácil execução técnica e de restrito apelo intelectual.

Nessa fase desempenharam especial função na música de salão as canções acompanhadas, que além dos requisitos acima, uniam a música à poesia, outra arte que conquistou os saraus domésticos setecentistas. Surgiam, então, canções a uma ou mais vozes, em idiomas locais e acompanhadas de instrumento harmônico. Na Itália apareceu a canzonetta, na Espanha a seguidilla, na França a ariette, na Áustria e Alemanha o Lied e em Portugal a modinha.

Todos esses gêneros de canções foram derivados de algum tipo de canto teatral. No caso português, existem razões suficientes para se crer que a estrutura melódica das modinhas foi uma derivação das melodias operísticas, apenas adaptadas ao idioma local e às particularidades da prática doméstica. Assim, estão presentes nas modinhas, como nas óperas daquele período, os duos em terças ou sextas paralelas, a ornamentação das linhas vocais e as melodias ricas em notas diminuídas ou passagens ágeis.

(...) a evolução da moda em Portugal recebeu importante contribuição de um brasileiro, o mulato Domingos Caldas Barbosa (Rio de Janeiro, c.1740 - Lisboa, 1800), residente em Portugal a partir de 1770 e introdutor nos salões lisboetas de um gênero particular de canção: a moda brasileira. Caldas Barbosa disfrutou de considerável ascensão social no Reino: recebeu ordens menores, tornou-se conhecido na corte e tomou parte na nova Arcádia de Lisboa, sob o pseudônimo de Lereno Selinuntino. Dividiu opiniões em Lisboa, depois da difusão das modas brasileiras, tendo a seu favor os marqueses de Castelo Melhor, mas como opositores Filinto Elísio, Antônio Ribeiro dos Santos e o conhecido Bocage.

(...) O musicólogo português Manuel MORAIS (2000a) questiona a versão corrente de que Caldas Barbosa seria compositor e tocador de viola, acreditando que sua participação na história da modinha teria sido principalmente a de letrista. De fato, não são conhecidas melodias seguramente compostas pelo mulato carioca, mas tão somente letras de modinhas. Assim, o adjetivo “brasileira” deve ser entendido, neste caso, como uma peculiaridade do texto e não exatamente das melodias, ainda que isso demandasse gestos e maneiras próprias de interpretação das canções.

Paulo Castagna, in A Modinha e o Lundu nos Séculos XVIII e XIX



Duas modinhas cantadas pela soprano escocesa Lorna Anderson, acompanhada pelos Apollo Chamber Players: Nasce amor da simpatia, de Joseph Franchinetti, e Em qualquer parte que esteja, de autor anónimo



Onde vás linda negrinha, de António da Silva Leite (1759-1833), que foi compositor e mestre de capela da sé catedral do Porto, pelas sopranos Sandra Medeiros e Joana Seara, acompanhadas pelo agrupamento L'Avventura London, dirigido por Žak Ozmo

26 novembro 2013

A bomba

O primeiro sopro arrancou-lhe a roupa;
o imediato levou também a carne.
Ao longo da rua
durante alguns segundos correu o esqueleto.
Mas a rua já não estava,
estava toda no ar;
de lá caíam bocados de prédios, bocados
de crianças, restos de cadilaques...
O esqueleto não compreendia sozinho
aquela situação:
deixou-se tombar sobre algumas pedras radioactivas
e permitiu na queda o extravio de alguns ossos.

(Caso curioso: o coração
pulsou ainda três ou quatro vezes
entre o gradeamento das costelas.)
Egito Gonçalves (1920-2001)

(Foto de autor desconhecido)

25 novembro 2013

Em defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social


Comunicação de José Pacheco Pereira na conferência Em defesa da Constituição, da Democracia e do Estado Social, organizada por Mário Soares na Aula Magna da Universidade de Lisboa no dia 21 de novembro de 2013

22 novembro 2013

Benjamin Britten (1913-1976)


The Young Person's Guide to the Orchestra, pela Orquestra Sinfónica da Rádio do Oeste da Alemanha, de Colónia, dirigida pelo maestro finlandês Jukka Pekka Saraste. Esta obra, cujo subtítulo é Variações e Fuga sobre um Tema de Purcell, foi escrita pelo grande compositor inglês Benjamin Britten em 1946, para um filme documentário chamado Instruments of the Orchestra. Com base num conhecido tema do compositor inglês do séc. XVII Henry Purcell, esta obra pretende mostrar a um público juvenil os timbres e capacidades dos diferentes instrumentos que constituem uma orquestra sinfónica

20 novembro 2013

O planeta Terra visto do outro lado de Saturno


(Foto: NASA/JPL-Caltech/SSI)

A imagem que acima se vê é uma fotografia (melhor dizendo, é um mosaico de fotografias) do planeta Saturno, exibindo os seus espetaculares anéis. Ela foi feita a um milhão e duzentos mil quilómetros de distância da Terra, em 19 de julho de 2013, pela sonda espacial Cassini. Mas não é só Saturno que se vê nela. Vê-se o próprio planeta Terra, como um ponto azul situado em baixo e à direita de Saturno. Também se veem os planetas Vénus e Marte, acima e à esquerda, assim como sete satélites de Saturno e diversas estrelas.

É muito difícil conseguir fotografar a Terra de tão longe, porque para tal é preciso olhar na direção do Sol. O brilho do Sol ofusca e até danifica os sensores de imagem das câmaras fotográficas. Por isso, só bloqueando o brilho do Sol é que se consegue uma tal fotografia. Foi o que aconteceu no momento em que esta imagem foi obtida, um momento em que a sonda Cassini passou por trás de Saturno relativamente ao Sol. Saturno tapou o Sol e a sonda conseguiu fotografar a Terra, assim como Vénus e Marte.

Além da sua enorme beleza, esta fotografia tem um grande interesse para os cientistas, porque, quando a analisaram, eles descobriram pormenores nos anéis de Saturno que ainda não conheciam e que agora estão a ser objeto de estudo e de tentativas de interpretação.


(Clicar na imagem para se ver uma ampliação. Uma ampliação ainda maior pode ser vista em http://photojournal.jpl.nasa.gov/figures/PIA17172_fig3.jpg. Foto: NASA/JPL-Caltech/SSI)

15 novembro 2013

John Tavener (1944-2013)


Sir John Kenneth Tavener foi um compositor inglês agora falecido, que deixou uma obra notável, sobretudo no campo da música sacra. As suas composições revelam diversas influências, entre as quais se destaca a da tradição litúrgica ortodoxa, tanto russa como grega. As afinidades entre muita da sua música e a do compositor estónio Arvo Pärt são evidentes. Tavener também procurou inspiração noutras tradições religiosas, principalmente na hindu e na islâmica. Não confundir John Tavener com John Taverner (com um r no meio), que foi um outro importante compositor, também inglês, do séc. XVI.



Song of Athene, de John Tavener, pelo Coro Filarmónico do Kosovo, dirigido por Rafet Rudi


Prayer of the Heart, de John Tavener, por Björk

12 novembro 2013

Episódio de guerra

(Foto: mcbastos)

O CANCIONEIRO DO NIASSA

O alferes Gonçalves vai molhando a garganta entre as estrofes da canção, levando à boca a garrafa de litro da cerveja, sem deixar de balançar o corpo ao ritmo da guitarra manhosa do cabo Rosmaninho, dando a impressão que acompanha a canção com um instrumento de sopro, donde afinal só saem uns gorgolões sonoros de Cuca mal confeccionada.

A verdade é que nem o alferes tem uma boa voz, nem o cabo grandes unhas para a guitarra e aquela canção do Bob Dylan no português alfacinha do Gonçalves, ganha requebros de faduncho canalha; mas é o que temos de mais aparentado com a música.

Cada um de nós tem uma “bazuca” de Cuca à frente e a servir de bucha, um casqueiro e manteiga surripiados à dispensa do rancho geral.

O furriel vagomestre tem aqui, a difícil missão de não deixar morrer à fome os soldados, com os géneros que conseguirem sobreviver à rapacidade de todos os responsáveis pelo seu transporte, desde Lourenço Marques até lhe chegarem às mãos, em Mueda; não sem antes ele próprio retirar a sua maquia que, claro está, lhe cabe por direito, pois que se há alguma coisa que se aprende depressa na tropa, é que se formos tão escrupulosos que não nos apropriemos de nada que não nos seja devido, mas que nos esteja à mercê, é porque somos tansos, dado que somos os únicos a fazê-lo – num código de conduta a que damos o nome de desenrascanço.

O alferes Gonçalves e o cabo Rosmaninho desfiaram, pela ordem habitual, como se fosse um rosário, quase todas as canções do Cancioneiro do Niassa, essas canções populares com letras adaptadas, que vão do brejeiro ao revolucionário e onde se carpem as dores e se faz a catarse da raiva contida dos combatentes, sob a complacência magnânima dos comandos militares, que por vezes até assistem divertidos aos serões e tainadas. Complacência que a mim me sabe a uma espécie de concessão da última vontade aos condenados à morte. Quando a miséria não é extrema, o vagomestre ainda arranja algo de mais substancial, mas hoje temos que nos sentir felizes por aquele casqueiro cheio de gorgulho e larvas cozidas, que, aqui em Mueda, à medida que o tempo vai passando e a nossa repugnância vai diminuindo, vão perdendo a reputação de porcaria para ganharem o estatuto de recheio, em jeito de boroa merendeira da minha aldeia.

O meu analfabetismo musical só me permite abanar a cabeça e bater umas palmadas nas coxas a dar a ideia que comungo do espírito de grupo, mas não me atrevo a engrossar o coro que diz “Estou farto deles, estou farto deles; só mandam vir e não fazem nada”, com a minha voz que levou o padre de canto coral do colégio de Anadia, num acto desesperado de impotência, a propor-me fazer, pelo menos de vez em quando, gazeta às aulas.

Quando a música das diferentes canções já nos parece a todos a mesma e a guitarra do cabo Rosmaninho não consegue ir além de um doloroso latir de animal ferido, está na hora da cachaça da sossega. A garrafa da cirrose a haver, aparece repentinamente em cima da mesa, pronta para uma geral com despudores convidativos de prostituta.

Ou é do álcool ou a Lua está linda hoje e surpreendentemente a minha voz de falsete esganiçado parece até nem destoar muito das outras. De repente a noite ganha encantos boémios de fim de festa, enquanto gritamos a plenos pulmões: “Estou farto deles, estou farto deles; só mandam vir e não fazem nada”, dado que a versão original, “Eles comem tudo e não deixam nada”, seria aqui, em bom rigor, até um pouco injusta.

Separamo-nos à saída da arrecadação, onde decorreu o nosso banquete de casqueiro, manteiga, cerveja e cachaça. Os outros vão-se calando à medida que se encontram sozinhos na noite, mas eu sinto-me inesperadamente confiante nos meus dotes canoros e continuo a repetir o estribilho vezes sem conta.

Entro assim na flat, fazendo as despesas da festa sozinho e os olhares dos meus companheiros de quarto pousam em mim com um ar de desgosto que eu atribuo à minha crónica inaptidão musical; mas quando repito – O que foi? O que foi? ofendido com tanta insensibilidade, as três palavras que me atiram como resposta, dão-me volta ao estômago e fazem-me cair de joelhos num vómito de enjoo, raiva e dor: – O furriel Camões.

Estas frases não precisam de verbos, aqui, quando se diz o nome de alguém entre dois silêncios só perguntamos “Uma mina?”, “Um tiro?” – Foi um fornilho.

Acabo de curtir a bebedeira aos pontapés a um bidão, enquanto grito a plenos pulmões que “estou farto deles, estou farto deles” já sem qualquer vestígio da música do Zeca Afonso.

mcbastos, associado n.º 1312 da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, in Jornal ELO, abril de 2006


NOTAS

 1 — Na terminologia militar, um fornilho é uma mina terrestre reforçada. A mina tanto pode ser antipessoal como anticarro. O reforço, destinado a aumentar o poder letal da mina, pode ser constituído por granadas (de mão, de morteiro, de obus, granadas-foguete, etc.), cacos de vidro, fragmentos de metal, cordão detonante envolvendo conjuntamente a mina e as granadas, etc.

2 — A expressão Estou farto deles era uma frase muito corrente no seio da tropa portuguesa e referia-se aos militares do quadro permanente, em geral, e às chefias militares, em particular.



Explosão de um fornilho (Foto de autor desconhecido, encontrada em CCAV 2415)

10 novembro 2013

Há cem anos nasceu Álvaro Cunhal

Desenho feito na prisão por Álvaro Cunhal (1913-2005), que, tendo sido secretário-geral do Partido Comunista Português, é uma personalidade incontornável da história recente de Portugal

08 novembro 2013

Uma peça de música tradicional de Angola


Ngi Tabule, por Kituxi e Seus Acompanhantes

05 novembro 2013

Quadras populares de Olivença


Igreja de Santa Maria Madalena, Olivença (Foto: xuaxo)


Quadras recolhidas pelo oliventino Ventura Ledesma Abrantes em 1930-1940
O meu coração é teu,
o teu é de quem tu queres.
Uma troca faria eu,
lindo amor, se tu quiseres.

Se eu tivesse não pedia
coisa nenhuma a ninguém.
Mas, como não tenho, peço
uma filha a quem a tem.

Na vila de Olivença
não se pode namorar!
As velhas saem ao sol
e põem-se a criticar!

Tenho corrido mil terras,
cidades mais de quarenta,
tenho visto caras lindas,
só a tua me contenta.

Abalei da minha terra,
olhei para trás chorando.
Adeus terra da minha alma,
que longe me vais ficando.

Ó minha mãe, minha mãe,
companheira de meu pai!
Eu também sou companheira
daquele cravo que ali vai!

Quando eu principiei a amar
de amores não entendia;
agora já fiquei mestre
daquilo que não sabia.

Toda a vida fui pastor,
toda a vida guardei gado;
tenho uma chaga no peito
de me encostar ao cajado.

Teu pai e tua mãe não querem
lindo amor que eu te logre;
queiras tu e queira eu,
que com amor ninguém pode!

Minha mãe ouviu lá fora
tu jurares devagarinho,
dizer-me que me querias
e roubares-me um beijinho!

Anda cá para os meus braços
se tu vida queres ter,
que os meus braços dão saúde
a quem está para morrer!

Quadras recolhidas pelo prof. Hernâni Cidade em 1950-1960
Falei contigo uma noite
e não sei como te via,
os teus olhos tinham luz
e a noite parecia dia.

Vamos cantar os Reis
à porta do lavrador,
que tem a mulher bonita
e a filha que é uma flor.

Vi-te à janela uma noite
chorando penas, aflita.
A Lua batia no rosto
mostrando a tua desdita.

Meu coração chora sempre
as lágrimas de uma santa;
são queixumes portugueses
que se ouvem na barranca.

Estas e outras quadras encontram-se no seguinte fórum: http://www.foro-ciudad.com/badajoz/olivenza.

Portal dos Paços do Concelho de Olivença (Foto de autor desconhecido)