31 maio 2014

«Vai no Batalha»

Baixo-relevo de Américo Soares Braga (1909-1991) na fachada do Cinema Batalha, Porto. A figura feminina que se encontra de pé em baixo, à esquerda, representa uma ceifeira empunhando uma foice; à sua direita, com uma corrente ao ombro, está representado um operário, que tinha na sua mão um martelo. Antes da inauguração do cinema em 1947, o martelo teve que ser retirado, porque a representação de uma camponesa e de um operário, com uma foice e um martelo nas mãos, fazia com que este baixo-relevo fosse "subversivo"... (Foto: Teo Dias)

26 maio 2014

Adeus, mãe



PARA SEMPRE

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade


21 maio 2014

Oh amor!


O Caritas, cantada em latim e inglês por Cat Stevens

Hunc ornatum mundi nolo perdere
Video flagrare omnia res
Audio clamare homines
Nunc extinguitur mundi et astrorum lumen
Nunc concipitur mali hominis crimen
Tristitate et lacrimis gravis est dolor
De terraque maribus magnus est clamor
O caritas, o caritas nobis semper sit amor
Nos perituri mortem salutamus
Sola resurgit vita.

Ah, this world is burning fast
Oh, the world will never last
I don't want to lose it here in my time
Give me time forever here in my time.

18 maio 2014

Um rosto com 25 000 anos

(Foto: Jean-Gilles Berizzi)

Quando esta cabeça foi esculpida, nem sequer existiam ainda gravuras rupestres no Vale do Coa. Ela data de há cerca de 25 mil anos, mais milénio, menos milénio. É uma das mais antigas representações de um rosto humano que se conhecem. Sendo apenas um fragmento de uma estatueta feminina de que não se conhece o resto, ela é mais ou menos contemporânea de várias outras estatuetas paleolíticas que têm sido descobertas na Europa e que representam mulheres sem rosto, como a famosa Vénus de Willendorf.

Chamada Vénus de Brassempouy, Busto de Brassempouy ou Dama de Brassempouy, esta cabeça do paleolítico superior, de 3,65 cm de altura, foi esculpida em marfim de dente de mamute. Brassempouy é o nome de uma aldeia do sudoeste de França em cujas proximidades ela foi descoberta nos finais do séc. XIX. Esta cabeça encontra-se atualmente no Museu de Arqueologia Nacional francês, em Saint-Germain-en-Laye, França.

12 maio 2014

Comunicação por assobios

Em primeiro plano, uma povoação da ilha de La Gomera; em último plano, o vulcão Teide, da ilha de Tenerife (Foto: Getty)


As crianças em idade escolar da ilha de La Gomera, no arquipélago espanhol das Canárias, são umas felizardas. Não só podem assobiar nas aulas, mas também são ensinadas a assobiar nas aulas!

Com uma população de cerca de 22 mil habitantes, a ilha de La Gomera é a segunda ilha mais pequena, das sete que compõem as Canárias. Tem uma forma aproximadamente circular, com um diâmetro de cerca de 22 km, e é cheia de picos e ravinas.

O acidentado do terreno de La Gomera dificulta a deslocação das pessoas. Com frequência é preciso comunicar com alguém que está num outro monte ou no fundo de um vale. As pessoas podem falar gritando, é claro, mas o esforço exigido para que a voz vença uma distância considerável torna penosa a comunicação gritada. O assobio, pelo contrário, quando for bem colocado e bem modulado, consegue atingir distâncias muito maiores e com muito menor esforço.

Antes da chegada dos espanhóis, as ilhas Canárias já eram habitadas por um povo oriundo do Norte de África e aparentado aos berberes: os guanches. Presentemente, já não existem guanches nas Canárias, isto é, os atuais habitantes do arquipélago são o resultado do cruzamento dos antigos guanches com imigrantes vindos da Espanha continental. Mas algumas características da cultura guanche conservaram-se até hoje. A comunicação por assobios de La Gomera, herdada dos guanches, é uma delas.

O silbo gomero, como o assobio de La Gomera é chamado localmente, não é o único que existe no mundo. Há também comunicação por assobios em comunidades da Grécia, Turquia, México e em algumas regiões de África. Nas próprias Canárias, também existem vestígios da existência no passado desta forma de comunicação nas ilhas de El Hierro e de Tenerife, nas quais ela está agora praticamente extinta. Mesmo em La Gomera, as pessoas não passam o tempo a assobiar umas para as outras. De maneira nenhuma. O silbo gomero quase só se usa como atração turística. Mas, na década de 90 do século passado, o governo regional das Canárias determinou que esta forma de comunicação fosse ensinada nas escolas da ilha e em 2009 a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) classificou o silbo gomero como Património Imaterial da Humanidade.

O silbo gomero procura imitar, tanto quanto possível, a entoação da língua espanhola e até a pronúncia de algumas vogais e consoantes, mas é evidente que ele não consegue reproduzir com exatidão a língua falada. Há bastante lugar para a ambiguidade. No entanto, as pessoas conseguem perceber os assobios, tirando o sentido do que lhes é "dito" em função do contexto. A comunicação realiza-se.



Vídeo de apresentação, em espanhol, do silbo gomero


Demonstração, na qual o texto que passa em rodapé é "traduzido" para silbo gomero

03 maio 2014

Dois poemas de Namibiano Ferreira


OUTRO POEMA PARA FOTO DE TONSPI

(Foto: Tonspi)

alegras-me
a alma macerada
e retenho
eternamente
o teu sorriso
luminiscente
no ondular carinho
de um rio
prata de nascente
e infinita beleza...
crescem trancinhas
e welwitschias
na negritude
iluminada
dos teus olhos infinitos
molhados e traçados
a tinta da china
negra-negrinha
a noite parda
sem luar
sobre a selva do Maiombe
e no entanto
ofereces-me prata
no teu sorriso
pura inocência.


ADULTERANDO ÁLVARO DE CAMPOS

(Foto de autor desconhecido)

Uma mulher Mukubal é tão bela como a Vénus de Milo
o que há é pouca gente para dar por isso.
Depois de onze girassóis florindo Novembro
ainda há pouca gente para dar por isso
e uma mulher Mukubal é mais bela que a Vénus de Milo.

ÓOOO - ÓOOOOOO - ÓOOOOOOOOOOOOOOO

(o vento no deserto.)

Namibiano Ferreira

01 maio 2014

E assim se faz Portugal


Uns vão bem e outros mal, por Fausto