25 abril 2021

Alvorar

era quase alvor a liberdade
era quase a vida quase a voz
era um rio em cheia quase foz
brandos ventos feitos tempestade

e foi alevantado este meu povo
gente viva, erguida, agigantada
era um tempo velho feito novo
tempo aceso luz na alvorada

assim nasceu esta ânsia de nascer
de novo neste chão por amanhar
chão regado a pranto e a sofrer
chão de medos, chão de tanto esperar

e das noites algemadas de morrer
e das horas avisadas de acordar
que eu sou do povo que então quis saber
quanto de si o povo sabe dar

e sou também desta terra feita
de cravos de soldados e canções
da pátria onde me deito e onde se deita
a gesta que moldou mil gerações

e sou o filho e sou também irmão
dessa gente que já vive na memória
sou da noite de escrever libertação
com a pena do poeta coração
e as musas de inventar a nova história

e era assim o dia a madrugar
no sangue e no fio de uma espada
esperança tanto sonho embainhada
olhos tanta noite a vigiar

e as lágrimas que correram tanto mar
e as vozes que rasgaram tanta estrada
e as armas onde a flor se viu plantada
não eram já as armas de matar
que o povo tem no peito e na raiz
a seiva da floresta libertada

aqui e era Abril e era amar
estava a renascer o meu país
quando se alvorou a madrugada
25–4–1999

António Lúcio Vieira (1942–2020)


A poesia está na rua, cartaz de Maria Helena Vieira da Silva (1908–1992)

Comentários: 4

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

Não conhecia este poema, nem conheço a obra do poeta que o escreveu, mas é um belo poema.

Quanto ao fabuloso cartaz de MHVS, quem o não conhece?

Abraço, Fernando

26 abril, 2021 12:19  
Blogger Ricardo Santos escreveu...

Lindíssimas palavras do poeta António Lúcio Vieira e um cartaz muito elucidativo do 25 de Abril de Maria Helena Vieira da Silva.
Muito boa publicação !!!

26 abril, 2021 21:26  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Sei muito pouco sobre o poeta António Lúcio Vieira. Parece ter estado ligado à imprensa regional de Torres Novas e de Alcanena; talvez tenha dirigido algum semanário local. Parece, também, que nasceu em Alcanena, mas passou grande parte da sua vida em Torres Novas, onde faleceu num lar de idosos. Não sei se morreu de covid-19 ou não. O que sei de certeza absoluta, é que, a avaliar pela qualidade deste seu poema, a sua obra merecia ser muito mais conhecida.

A grande pintora Vieira da Silva, por seu lado, não precisa de apresentações. Do que precisará, talvez, é que se faça uma visita ao museu que lhe é dedicado (assim como ao seu marido), o Museu Árpád Szenes - Vieira da Silva, instalado na antiga Fábrica das Sedas de Lisboa, no Jardim das Amoreiras. O Árpád Szenes foi um bom pintor, sem dúvida, mas a Vieira da Silva foi-lhe imensamente superior. Vale a pena admirar os quadros dela. São sublimes.

Fernando Ribeiro

P.S. - O nome "Árpád" pode parecer estar mal escrito, com dois acentos agudos, mas não está. Em húngaro e outras línguas da Europa Central, o acento agudo não assinala a sílaba tónica; antes serve para indicar que a vogal sobre a qual está colocada é uma vogal longa. A acentuação da palavra é feita na primeira sílaba, como em quase todas as palavras em húngaro.

27 abril, 2021 02:59  
Blogger Ricardo Santos escreveu...

Conheço alguma pintura da Vieira da Silva, mas na realidade tenho de ir ver o Museu Árpád Szenes. Obrigado

27 abril, 2021 12:40  

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