22 outubro 2021

Nossa Senhora da Orada, Melgaço


Igreja de Nossa Senhora da Orada, Melgaço

Fica na antiga estrada nacional que liga Melgaço à fronteira de São Gregório e é uma das muitas joias arquitetónicas românicas que, felizmente, abundam no noroeste de Portugal e não só. Refiro-me à igreja de Nossa Senhora da Orada, um pequeno tesouro fora dos grandes roteiros turísticos. Não sei se a atração que aquela igreja exerce se deve às suas proporções harmoniosas; à simbologia, muita dela misteriosa, esculpida nas suas pedras; à doçura da paisagem que a envolve, banhada pelo rio Minho; ao delicioso almoço, regado com alvarinho, tomado anteriormente num restaurante de Melgaço. Talvez se deva a tudo isto e muito mais. Se achar que estou a exagerar, então leia o que sobre Nossa Senhora da Orada escreveu José Saramago, em "Viagem a Portugal":

Logo adiante de Melgaço está Nossa Senhora da Orada. Fica à beira do caminho, num plano ligeiramente elevado, e se o viajante vai depressa e desatento passa por ela, e ai minha Nossa Senhora, onde estás tu? Esta igreja está aqui desde 1245, estão feitos, e já muito ultrapassados, setecentos anos. O viajante tem o dever de medir as palavras. Não lhe fica bem desmandar-se em adjectivos, que são a peste do estilo, muito mais quando substantivo se quer, como neste caso. Mas a Igreja de Nossa Senhora da Orada, pequena construção decentemente restaurada, é tal obra-prima de escultura que as palavras são desgraçadamente de menos. Aqui pedem-se olhos, registos fotográficos que acompanhem o jogo da luz, a câmara de cinema, e também o tacto, os dedos sobre estes relevos para ensinar o que aos olhos falta. Dizer palavras é dizer capitéis, acantos, volutas, é dizer modilhões, tímpano, aduelas, e isto está sem dúvida certo, tão certo como declarar que o homem tem cabeça, tronco e membros, e ficar sem saber coisa nenhuma do que o homem é. O viajante pergunta aos ares onde estão os álbuns de arte que mostrem a quem vive longe esta Senhora da Orada e todas as Oradas que por esse país fora ainda resistem aos séculos e aos maus tratos da ignorância ou, pior ainda, ao gosto de destruir.(...)




(Foto: José Antonio Gil Martínez)

Comentários: 6

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

Uma pequena pérola da arquitectura que, de todo, desconhecia.

Obrigada e um abraço, Fernando!

22 outubro, 2021 10:03  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Maria João,
Tal como Saramago, eu sou um grande admirador da arte românica. Ao contrário dele, tenho a sorte de viver perto de muitas pérolas românicas, que na verdade são medievais e não romanas, apesar do nome. Há nesta região de Entre-Douro-e-Minho uma mão-cheia de maravilhosas capelas e igrejas deste estilo, que são fruto da devoção ingénua e supersticiosa das gentes que viveram na Idade Média, cheias de medo de Deus e do diabo. Assim de repente, estou a lembrar-me da igreja de Paço de Sousa, por exemplo, no concelho de Paredes, que já tem mais de mil anos e no interior da qual está o túmulo de Egas Moniz, o aio de D. Afonso Henriques; a igreja de Bravães, no concelho de Ponte da Barca; a de Fonte Arcada, terra da Maria da Fonte, no concelho de Póvoa de Lanhoso; a de S. Pedro de Rates, no concelho da Póvoa de Varzim; a Ermida do Paiva, no concelho de Castro Daire; a fabulosa igrejinha de S. Pedro das Águias, no concelho de Tabuaço; e tantas, tantas outras. Eu sou um sortudo, eis o que eu sou, por ter todas estas maravilhas arquitetónicas aqui "ao alcance da mão".

24 outubro, 2021 01:50  
Blogger Ricardo Santos escreveu...

Muito bonita a Igreja que não conheço e as fotos são boas, com bons pormenores !
Obrigado Fernando

24 outubro, 2021 21:34  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Ricardo,
Há mais igrejas românicas no concelho de Melgaço além desta, de entre as quais se destaca a de Paderne. «Paderne?!», perguntarás, admirado. «Mas Paderne fica no Algarve!» Na verdade, existem duas Padernes, pelo menos: uma no Algarve e outra no Minho.

Esta Paderne minhota tem uma igreja que também é românica, mas que não se manteve tão pura de formas como a de Nossa Senhora da Orada. O janelão retangular que a igreja de Paderne ostenta na sua fachada principal, por exemplo, é muito mais recente e deve ter substituído uma antiga rosácea, semelhante às de muitas outras igrejas românicas. De qualquer modo, vale a pena visitar Paderne quando se viajar de Melgaço para Castro Laboreiro, a Senhora da Peneda e o Parque Nacional da Peneda-Gerês em geral, que é um passeio que recomendo muitíssimo.

A igreja de Paderne, no concelho de Melgaço, é esta:

https://www.cm-melgaco.pt/visitar/o-que-fazer/pontos-de-interesse/igreja-convento-de-paderne/#toggle-id-1

26 outubro, 2021 18:42  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Uma correção se me impõe fazer a respeito do comentário que fiz acima, em que afirmei que a igreja de Paço de Sousa tem mais de mil anos. Tal não é verdade, apesar de ser voz comum dizer-se que tem. Também não é correto afirmar-se que a localidade de Paço de Sousa (onde fica a Casa do Gaiato) pertence ao concelho de Paredes; de facto, pertence ao de Penafiel.

Do concelho de Paredes e com mais de mil anos de existência é a igreja do mosteiro cisterciense de Cete, que fica próxima da de Paço de Sousa. A igreja de Cete não é tão imponente como a de Paço de Sousa, mas merece igualmente uma visita muito atenta, apesar das reconstruções e acrescentos a que foi submetida ao longo dos séculos, mas que não lhe alteraram grandemente o caráter. Tanto a igreja de Paço de Sousa como a de Cete são monumentos nacionais, e com toda a justiça.

28 outubro, 2021 02:32  
Blogger Ricardo Santos escreveu...

Muito obrigado Fernando
Abraço

28 outubro, 2021 21:51  

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