31 dezembro 2014

Música de Cabinda para a passagem de ano


Cabinda, pelos Super Renovação



Celestina, pelos Cabinda Ritmos



Massanga, pelos Super Coba



Sumba ba Sumba, pelos Kintueni Tunga Nzola

30 dezembro 2014

Aldeia Galega da Merceana

O largo principal de Aldeia Galega da Merceana, concelho de Alenquer (Foto: Patrícia Caldeira)

A mim, parece-me extraordinária a ignorância que as pessoas de Lisboa têm do norte do respetivo distrito. Quando muito, conhecem Torres Vedras, é claro, e eventualmente a Praia de Santa Cruz. Quanto ao resto, o desconhecimento é quase total. Cadaval, Alenquer, Merceana, Sobral de Monte Agraço ou mesmo Arruda dos Vinhos são nomes que para o lisboeta comum pouco ou nada dizem. São terras de gente saloia, pelas quais o alfacinha pouco se interessa.

Há no entanto muito para ver em toda aquela região, desde logo a paisagem, que é quase totalmente rural e de uma enorme beleza. É uma paisagem muito repousante, com os seus campos, hortas e pomares muito bem cuidados, estendendo-se por cabeços de vertentes suaves, exceto a imponente Serra do Montejunto. É uma paisagem de curvas férteis e femininas, direi mesmo sensuais.

É verdade que o inverno é uma estação que não convida a passeios, mas mesmo no inverno a região é de uma enorme beleza, embora não tanta como na primavera, naturalmente. A região a norte de Lisboa, no inverno, apresenta-se geralmente muito verde, muito fresca e muito tenra, porque chove com frequência e as geadas, se as há, não chegam a queimar as ervas.

Não é só a paisagem que há para ver na região saloia em apreço, pois também há monumentos. É verdade que não os há grandiosos e imponentes, salvo o convento de Mafra, mas há, por exemplo, um conjunto de igrejas manuelinas e renascentistas a merecerem a nossa visita, em Arruda dos Vinhos, em São Quintino (nos arredores de Sobral de Monte Agraço), em Espiçandeira (perto de Alenquer), etc.

E que dizer das aldeias, tão lindas e tão brancas? Destas, permito-me destacar Aldeia Galega da Merceana, no concelho de Alenquer, que possui um dos mais belos largos de aldeia que eu já vi. Ao centro, um pelourinho manuelino, a atestar a importância da aldeia no passado, como sede de concelho que foi. A um lado, a igreja matriz, com um portal também manuelino. Em frente a ela, a pequena igreja da Misericórdia. Um pouco mais para o lado, um chafariz com um painel de azulejos azuis e brancos. Em volta, várias casas antigas e muros brancos. Enfim, um conjunto arquitetónico harmonioso como poucos. Tudo isto, que é tão belo na sua simplicidade saloia, está a uns escassos cinquenta quilómetros de Lisboa, mais quilómetro, menos quilómetro. Quantas pessoas em Lisboa conhecem Aldeia Galega da Merceana?

25 dezembro 2014

Cantata nº 1 da Oratória de Natal, de Bach


Primeira parte da Oratória de Natal, BWV 248, de Johann Sebastian Bach (1685-1750), pelo ensemble Combattimento Consort Amsterdam, sob a direção de Jan Willem de Vriend, o coro de câmara Cappella Amsterdam e os cantores Andreas Weller (no papel do evangelista Lucas), Lenneke Ruiten (soprano), Cécile van de Sant (contralto), Alberto ter Doest (tenor) e Panajotis Iconomou (baixo)

24 dezembro 2014

Conto de Natal

A Natividade Mística, óleo sobre tela de Sandro Botticelli (1445-1510), National Gallery, Londres

Todos os anos, pelo Natal, eu ia a Belém. A viagem começava em Dezembro, no princípio das férias. Primeiro pela colheita do musgo, nos recantos mais húmidos do jardim. Cortava-se como um bolo, era bom sentir as grandes fatias despegarem-se da areia, dos muros ou dos troncos das árvores velhas, principalmente da ameixieira. Enchia-se a canastra devagar, enquanto a avó ia montando o que se chamaria hoje as estruturas, ou mesmo infraestruturas, junto da parede da sala de jantar que dava para o jardim. Eram caixotes, caixas de chapéus e de sapatos viradas do avesso, tábuas, que pouco a pouco ela ia cobrindo de musgo, ao mesmo tempo que fazia carreiros e caminhos com areia e areão. Mais tarde os rios e os lagos, com bocados de espelhos antigos, de vidros ou mesmo de travessas cheias de água. Até que todos os caixotes, caixas e tábuas desapareciam. Ficavam montanhas, planícies, rios, lagos. Era uma nova criação do mundo. Aqui e ali uma casinha ou um pastor com suas cabras. E todos os caminhos iam para Belém.

Não era como o presépio da Igreja que estava sempre todo pronto, mesmo antes de o Menino nascer. A cabana, a vaca, o burro, os três reis do Oriente. Maria, José, Jesus deitado nas palhinhas. Via-se logo que era a fingir. Não o da avó, que era mais do que um presépio, era uma peregrinação, uma jornada mágica ou, se quiserem, um milagre. Nós estávamos ali e não estávamos ali. De repente era a Judeia, passeávamos nas margens do Tiberíades, andávamos pelo Velho Testamento, João Baptista baptizava nas águas do Jordão e aquele monte, ao longe, podia ser o Sinai ou talvez o último lugar de onde Moisés, sem lá entrar, viu finalmente a terra onde corria o leite e o mel. Mas agora era o Novo Testamento. A avó ia buscar as figuras ao sótão, eram bonecos de barro comprados nas feiras, alguns mais antigos, de porcelana inglesa, como aquele caçador que a avó colocava à frente dizendo: Este é o pai. Seguia-se a mãe, de vestido comprido, dir-se-ia que ia para o baile, mas não, saía de cima de uma mesinha da sala de visitas e agora estava ao lado do pai, olhando levemente para trás onde, entretanto, a avó já tinha colocado figuras mais toscas, eu, a minha irmã, os primos, alguns amigos, todos a caminho de Belém.

— E a avó?, perguntava eu.

— Eu já estou velha para essas andanças.

De dia para dia mudávamos de lugar. E todas as manhãs deparávamos com novas casas, mais rebanhos, pastores, gente que descia das serras, atravessava os rios e os lagos. Os caminhos ficavam cada vez mais cheios. E todos iam para Belém. À noite tremulavam luzes. Acendiam e apagavam. Mas ainda não se via a cabana, nem Maria, nem José.

Então uma noite, entre as estrelas do céu, aparecia uma que brilhava mais que todas.

— Esta é a estrela, dizia a avó.

E era uma estrela que nos guiava. Na manhã seguinte lá estavam eles, os três reis do Oriente, Magos, explicava o pai, que também não dizia Pai Natal, dizia S. Nicolau, talvez por influência de uma misse de origem russa que em pequeno lhe falava de renas e trenós e de S. Nicolau atravessando as estepes.

Cheirava a musgo na sala de jantar. Cheirava a musgo e a lenha molhada que secava em frente do fogão. E os Magos lá vinham, a pé, de burro, de camelo. Traziam o oiro, o incenso, a mirra. Às vezes nós, os mais pequenos, juntávamo-nos e cantávamos: “Os três reis do Oriente / Já chegaram a Belém.”

— Não chegaram nada, atalhava a avó, ainda não.

Estávamos cada vez mais perto. E também nervosos. Confesso que às vezes fazia batota. Empurrava-nos um pouco mais para a frente, para mais perto de Belém e do lugar onde eu sabia que mais tarde ou mais cedo a avó ia pôr a cabana. Mas ela descobria.

— Não lucras nada com isso, podes apressar toda a gente, não podes apressar o tempo.

Cada vez havia mais luzes na Judeia. Por vezes surgiam novos lagos, eram mistérios da minha avó. E a estrela lá estava, a grande estrela de prata que brilhava mais do que todas as outras, às vezes eu ia à janela e via a projecção daquela estrela, ficava confuso, já não sabia se era a estrela da sala ou uma estrela do céu, era uma estrela nova, uma estrela de prata, era uma estrela que nos guiava. No céu, na sala, na Judeia, talvez dentro de nós.

Até que chegava o primeiro dos grandes momentos solenes. A avó chamava-nos ao sótão ( nós dizíamos forro ), abria uma velha arca e desempacotava a cabana. Depois, muito comovida, quase sempre com lágrimas nos olhos, as figuras de Maria e José.

— Não há nada tão antigo nesta casa, já eram dos avós dos meus avós.

Impressionava-me sobretudo o manto muito azul de Maria e o rosto magro, quase assustado, de José. A avó limpava-os com muito cuidado e mandava-nos sair. Nunca nos deixou ver o resto.

À noite, quando regressávamos da missa do galo, a que a avó não ia, chegávamos a casa e finalmente estávamos em Belém. A estrela brilhava intensamente sobre a cabana, Maria e José debruçavam-se sobre o berço, onde Jesus, todo rosado, deitado nas palhinhas, agitava os braços e as pernas, envolvido pelo bafo quente dos animais, enquanto os três reis do Oriente, agora sim, chegavam a Belém para depositar aos pés do Menino o oiro, o incenso, a mirra. E vinham os pastores, e vinha o pai, de caçador, a mãe, de vestido de baile, e vínhamos nós, eu, a minha irmã, os primos, não éramos de porcelana nem de barro, estávamos ali em carne e osso, era noite de Natal, uma estrela nos guiava, brilhava sobre a Judeia e sobre o presépio, brilhava cá fora entre as estrelas, brilhava dentro de nós. Naquela noite, naquele momento, nós não estávamos na sala de jantar em frente do presépio, tínhamos chegado finalmente a Belém para adorar o Menino ao lado de Maria e José e dos três reis do Oriente, Magos, não conseguia deixar de corrigir o meu pai. Mas mágica, verdadeiramente mágica era a avó. Era ela que fazia o milagre da transfiguração, trazia o Natal para dentro de casa e levava-nos a todos até Belém. O cheiro a musgo e a lenha. Os montes, os vales, os rios, os lagos. Caminhos e caminhos que iam para Belém. E a estrela de prata, a estrela que nos guiava. Era uma estrela no céu, dentro de casa, dentro de nós. Pela mão da avó ela brilhava. Pela sua magia Belém estava dentro de casa. E a casa também ia até Belém.

Mais tarde, muito mais tarde, eu estava no exílio. Na noite de Natal os revolucionários ficavam tristes e nostálgicos. Talvez recordassem outras avós, outros presépios, outros lugares. Reuniam-se em casa deste ou daquele, improvisava-se uma árvore de Natal, trocavam-se presentes. Mas ninguém, nem mesmo os mais duros, os que faziam gala em dizer que o Natal para eles não significava nada, nem mesmo esses conseguiam disfarçar uma sombra no olhar. Saudade, dir-se-á. Mas talvez fosse mais do que saudade e solidão e o pior de todos os exílios que é o de se sentir estrangeiro no mundo. Talvez fosse a consciência de que, para lá de todas as crenças ou não crenças, havia um irremediável sentimento de perda. Muitas vezes me perguntei o que seria. Mas não conseguia responder. Sentia o mesmo aperto, o mesmo buraco por dentro, o mesmo sentimento de algo para sempre perdido.

Uma noite de Natal, em Paris, eu estava sozinho. Comprei uma garrafa de vinho do Porto, mas não fui capaz de bebê-la assim, completamente só, num quarto de criada de um sexto andar numa velha rua do Quartier Latin. Peguei na garrafa e fui até aos Halles. Procurei o bistrot onde costumava comer uma omelete de fiambre. Felizmente estava aberto. Pedi a omelete e abri a garrafa. Havia mais três solitários no bistrot, um velho de grandes barbas, um tipo com cara de eslavo, um africano. Convidei-os para partilharem comigo a garrafa de Porto, que não resistiu muito tempo. Encomendámos outras bebidas.

— Conta uma história de Natal do teu país, pediu o velho.

— Só se for a do presépio da minha avó.

— Então conta.

Eu contei. Era já muito tarde e o patrão disse-nos que queria fechar. Chegados à rua o africano apontou o céu e disse-me: Olha.

E eu vi. Uma estrela que brilhava mais que as outras estrelas. Era uma estrela de prata. A estrela da avó. Brilhava no céu, brilhava outra vez dentro de mim, quase posso jurar que brilhava dentro dos outros três.

Então eu perguntei ao africano como se chamava. E ele respondeu:

— Baltazar.

Perguntei ao velho e ele disse:

— Melchior.

E sem que sequer eu lhe perguntasse o eslavo disse:

— O meu nome é Gaspar.

Era noite de Natal e talvez ainda por magia da avó eu estava na rua, em Les Halles, com os três reis do Oriente, Magos, diria o meu pai.

— E agora? perguntei a Baltazar.

— Agora, respondeu o africano apontando a estrela, agora vamos para Belém.


Manuel Alegre

21 dezembro 2014

Timbuktu


Trailer do filme Timbuktu, do cineasta mauritano Abderrahmane Sissako, selecionado para o Festival de Cinema de Cannes e atualmente em exibição em França

Na sequência de uma revolta saparatista tuaregue, foi proclamada, no dia 6 de abril de 2012, a independência da chamada República de Azawad, na região envolvendo as cidades de Tombuctu, Gao e Kidal, no norte do Mali, e ainda parte da região de Mopti, no centro do país. Contudo, um grupo fundamentalista árabe com ligações à Al Qaeda do Magrebe Islâmico, chamado Ansar Dine, invadiu a região e impôs-se pela força, derrotando o movimento independentista tuaregue. Em vista do sucedido, em 14 de fevereiro de 2013 este último movimento entrou em negociações com o governo maliano. A seguir, os fundamentalistas acabaram por ser expulsos da região, por tropas malianas e francesas, e a região encontra-se atualmente sob controle do governo do Mali. Mas o desejo de independência dos tuaregues não desapareceu.

O resumo do filme Timbuktu, que se baseia em casos que aconteceram na realidade, diz o seguinte:
Não longe da cidade de Tombuctu, no norte do Mali, caída nas mãos de extremistas religiosos, Kidane tem uma vida simples e pacífica nas dunas, rodeado pela sua esposa Satima, a sua filha Toya e Issan, o seu pequeno pastor de 12 anos de idade. Na cidade, os habitantes sofrem, impotentes, o regime de terror dos jiadistas que tomaram a sua fé como refém. Proibiram a música e o riso, os cigarros e até o futebol... As mulheres tornaram-se sombras que tentam resistir com dignidade. Tribunais improvisados proferem todos os dias as suas sentenças absurdas e trágicas. Kidane e os seus próximos parecem poupados ao caos de Tombuctu. Mas o seu destino muda no dia em que Kidane mata acidentalmente Amadou, o pescador que se apoderou de GPS, a sua vaca preferida. Deve então enfrentar as novas leis destes ocupantes vindos de fora...

14 dezembro 2014

A rainha de Kachmir

O vestido de noivado
da rainha de Kachmir
era a diamantes bordado,
como luar num terrado!...
Parecia o Céu estrelado,
ou a visão de um faquir,
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.

Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhuma
jurará se é neve ou pluma,
se é leite, ou astro, ou espuma,
nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!

Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo...
Oh! que mãozinhas... delícias
para amimar com blandícias,
para beijar com carícias,
que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo.

Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
não rojava nos caminhos,
pois sua cauda, aos saltinhos,
levava-a um núbio muleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!

Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...

Pegou no copo, com graça,
e brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
como a um punhal que a trespassa,
encheu de prantos a taça,
e o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
esse brinde, em língua estranha!

Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
chorou, num pranto sumido,
o seu passado perdido,
os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis.

Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
tão leal e tão constante,
que, do seu reino distante,
brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
que fez turbar a rainha.

Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
ficou de pranto alagado
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!...

Gomes Leal (1848-1921)


(Foto: NovaHaat.com)

10 dezembro 2014

A Declaração Universal dos Direitos Humanos contada às crianças



07 dezembro 2014

Um instrumento musical chamado hang



Um hang, sendo tocado por Francesco Agnello


Parece um ovni ou uma cataplana com mossas, mas é um instrumento musical. Parece um instrumento asiático, mas é europeu. Parece ter um nome oriental, mas o seu nome é ocidental.

O hang é um instrumento inventado no ano 2000 por Felix Rohner e Sabina Schärer, na cidade de Berna, Suíça. O seu nome, hang, significa "mão" no dialeto de Berna. Com efeito, este instrumento é tocado à mão e também é fabricado à mão, por uma empresa criada pelos seus inventores. As maiores dificuldades que impedem uma automatização do fabrico deste instrumento reside na afinação e na qualidade do timbre, que têm que ser muito rigorosas. Por esta razão, há no mundo poucos instrumentos destes e a lista de espera por novos instrumentos é muito longa, tanto no número de candidatos a felizes possuidores de um hang, como no tempo que estes têm que aguardar, o qual é da ordem de vários anos.



James Winstanley e Daniel James Waples tocando hang em Arambol, Goa

04 dezembro 2014

Adeganha


Igreja de Santiago Maior, matriz de Adeganha, no concelho de Moncorvo (Foto: Direção Geral do Património Cultural)

Adeganha é uma aldeia pertencente ao concelho de Moncorvo, com uma população que não chega aos 350 habitantes. Foi sede de freguesia até muito recentemente, fazendo atualmente parte da União de Freguesias de Adeganha e Cardanha.

Tal como a sua vizinha Cardanha, a aldeia de Adeganha fica num sítio elevado, sobranceiro ao fertilíssimo vale da Vilariça. Eu só fui uma vez a Adeganha, e era verão. Mas julgo que no fim do inverno deve valer a pena arrostar com os ventos gelados que certamente varrem a elevada planura onde se encontram as aldeias, para admirar, lá do alto, todo o vale e encostas envolventes cobertos de amendoeiras em flor.

Adeganha tem uma pequena igreja que, só por si, pode justificar uma visita à aldeia: a igreja de Santiago Maior, construída no séc. XIII. Não é só uma dessas igrejas românicas em que a região de Trás-os-Montes é fértil, cuja beleza simples e ingénua comovem o visitante. É um Monumento Nacional e tem razões para isso.

Chamo a atenção, em particular, para os dois baixos-relevos que estão na fachada principal da igreja, acima e à esquerda do portal. O baixo-relevo mais à esquerda, a que o povo chama "três Marias", representa um parto. O da direita, mais pequeno, mostra um homem de pernas abertas e tendo nas mãos o que se supõe serem dois pergaminhos. Desconheço a razão da existência destes baixos-relevos naquele local e o que pretendem, no fundo, simbolizar. Apenas registo a bela ingenuidade das figuras, penosamente esculpidas no duro granito.


Baixos-relevos na fachada principal da igreja de Adeganha (Foto: Direção Geral do Património Cultural)