29 setembro 2012

Canções para a minha mãe



Padam Padam, por Edith Piaf


La Cumparsita, por Carlos Gardel


Domino, por André Claveau


Amapola, por Deanna Durbin


Rosinha e Recordações, por Corina Freire

28 setembro 2012

Um futuro para Portugal

Mapa do conhecimento

A regra de ouro de qualquer contrato social é a defesa dos mais desprotegidos. Penso nos outros, logo existo (José Gomes Ferreira). É o compromisso com os outros, com o bem de todos, que nos torna humanos.

Portugal conseguiu sair de um longo ciclo de pobreza, marcado pelo atraso e pela sobrevivência. Quando pensávamos que este passado não voltaria mais, eis que a pobreza regressa, agora, sem as redes das sociedades tradicionais.

Começa a haver demasiados “portugais” dentro de Portugal. Começa a haver demasiadas desigualdades. E uma sociedade fragmentada é facilmente vencida pelo medo e pela radicalização.

Façamos um armistício connosco, e com o país. Mas não façamos, uma vez mais, o erro de pensar que a tempestade é passageira e que logo virá a bonança. Não virá. Tudo está a mudar à nossa volta. E nós também.

Afinal, a História ainda não tinha acabado. Precisamos de ideias novas que nos deem um horizonte de futuro. Precisamos de alternativas. Há sempre alternativas.

A arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade. E nestes estranhos dias, duros e difíceis, podemos prescindir de tudo, mas não podemos prescindir nem da Liberdade nem do Futuro.

O futuro, Minhas Senhoras e Meus Senhores, está no reforço da sociedade e na valorização do conhecimento, está numa sociedade que se organiza com base no conhecimento.

Há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas esta só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social (Miguel Torga).

Gostaria de recordar o célebre discurso de Franklin D. Roosevelt, proferido num tempo ainda mais difícil do que o nosso, em 1941. A democracia funda-se em coisas básicas e simples: igualdade de oportunidades; emprego para os que podem trabalhar; segurança para os que dela necessitam; fim dos privilégios para poucos; preservação das liberdades para todos.

Numa situação de guerra, Roosevelt sabia que os sacrifícios têm de basear-se numa forte consciência do social, do interesse coletivo, uma consciência que fomos perdendo na vertigem do económico; pior ainda, que fomos perdendo para interesses e grupos, sem controlo, que concentram a riqueza no mundo e tomam decisões à margem de qualquer princípio ético ou democrático. É uma “realidade inaceitável”.

(...)

O heroísmo a que somos chamados é, hoje, o heroísmo das coisas básicas e simples — oportunidades, emprego, segurança, liberdade. O heroísmo de um país normal, assente no trabalho e no ensino.

Parece pouco, mas é muito, o muito que nos tem faltado ao longo da história.

Porque Portugal tem um problema de organização dentro de si:

— Num sistema político cada vez mais bloqueado;

— Numa sociedade com instituições enfraquecidas, sem independência, tomadas por uma burocracia e por uma promiscuidade que são fonte de corrupção e desperdício;

— Numa economia frágil e sem uma verdadeira cultura empresarial.

Estão a surgir, é certo, sinais de uma capacidade de adaptação e de resposta, de baixo para cima. Precisamos de transformar estes movimentos numa ação sobre o país, numa ação de reinvenção e de reforço da sociedade.

Chegou o tempo de dar um rumo novo à nossa história.

Portugal tem de se organizar dentro de si, não para se fechar, mas para se abrir, para alcançar uma presença forte fora de si.

Não conseguiremos ser alguém na Europa e no mundo, se formos ninguém em nós.

Não é por sermos um país pequeno que devem ser pequenas as nossas ambições. O tamanho não conta; o que conta, e muito, é o conhecimento e a ciência.
(Passagens do discurso do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, Prof. Doutor António Sampaio da Nóvoa, em 10 de junho de 2012)

23 setembro 2012

Vozes e ritmos da floresta

Rio Mpivie, no Parque Nacional do Loango, Gabão (Foto: Rhett A. Butler)

Quando sobrevoamos uma floresta equatorial, que se parece com um imenso tapete verde estendendo-se diante de nós a perder de vista, perguntamo-nos se será possível alguém viver debaixo de uma tão compacta massa vegetal. A resposta é sim.

Quando abrimos penosamente caminho, a golpes de catana, através do incrível emaranhado de árvores, lianas, ramos e demais vegetação, característico deste tipo de floresta (que é tão densa que não se consegue ver uma pessoa que estiver a mais de um metro e meio de distância!), perguntamo-nos se é possível alguém conseguir arranjar espaço para viver num tal ambiente. A resposta é sim.

Na verdade, e muito embora ela seja um meio muito mais frágil do que a sua espantosa pujança possa sugerir, a floresta equatorial abriga e sustenta comunidades de seres humanos desde há muitos milhares de anos.

No caso da África central, as comunidades humanas mais antigas que vivem na floresta equatorial são compostas por pessoas de muito pequena estatura, que vivem tradicionalmente da caça e da recoleção e a que se dá o nome genérico de pigmeus. Além de, frequentemente, este nome ter uma conotação depreciativa, ele é enganador, pois abrange sob uma mesma designação comunidades humanas que apresentam uma enorme diversidade genética.

Entre estas comunidades de primeiros habitantes da floresta, ditos pigmeus, contam-se os Baka ou Bayaka, que vivem na República do Congo, Gabão, Camarões e República Centro-Africana. Apesar da sua reduzida estatura, os Baka são pessoas a 100%, cujo comportamento em nada difere do dos restantes seres humanos, como é por demais evidente no vídeo que se segue.



De entre as manifestações culturais dos Baka ou Bayaka, destaca-se uma forma de canto polifónico, que apresenta alternâncias entre a voz natural e o falsete, como no canto tirolês (yodel). O resultado é de uma grande complexidade e extraordinária beleza, como se pode ouvir a seguir.


Outra notável manifestação musical deste povo consiste no uso da água dos rios como tambores. Batendo na superfície da água com as mãos, os Baka conseguem produzir ritmos complexos e de belo efeito, a que se dá o nome de liquindi.






Curiosamente, a dezenas de milhares de quilómetros de distância, quase nos antípodas de África, há outras pessoas que também batucam na água de modo idêntico ao dos Baka. Vivem, nomeadamente, em Vanuatu e nas Ilhas Salomão, que são estados insulares independentes situados a norte da Nova Zelândia. O vídeo que se segue mostra uma batucada na água do Oceano Pacífico em Vanuatu.

18 setembro 2012

Início das aulas


O Caderno, por Toquinho

17 setembro 2012

Esta gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)


Avenida dos Aliados, Porto, 15 de setembro de 2012 (Foto: Lusa)

16 setembro 2012

Uma lição

(Foto: Joaquim Costa)

O caso que vou contar passou-se numa companhia do Exército Português colocada no norte de Angola durante a Guerra Colonial, companhia esta que era composta por militares portugueses, então chamados metropolitanos, e por militares angolanos, que eram ditos de incorporação da província. Era, portanto, uma companhia constituída por brancos, mestiços e negros.

O comandante dessa companhia era um capitão miliciano cujo comportamento era racista. Concretamente, quando algum dos seus subordinados brancos cometia o que ele considerava ser uma falta, lavrava a respetiva punição de acordo com as normas oficiais. Se o militar a castigar fosse de cor, além de receber a punição oficial referida, era chamado ao gabinete do comandante de companhia, onde este, com uma vergasta numa mão e uma pistola na outra (para que o agredido não se pudesse defender), vergastava o africano até que este necessitasse de receber tratamento na enfermaria da companhia.

De cada vez que aconteciam estas agressões por parte do capitão sobre os soldados e primeiros-cabos negros e mestiços, mais crescia o sentimento de injustiça e de revolta entre estes. Até que um dia...

De madrugada, ainda antes de o dia começar a nascer, uns vultos silenciosos, devidamente fardados e armados, saíram das casernas e, em fila indiana, encaminharam-se para a porta de armas daquele quartel do mato. O soldado que estava de sentinela à porta de armas, que era branco, abriu-lhes a passagem e deixou-os sair, pensando que se tratava de uma coluna que partia para uma operação militar. À medida que os vultos que saíam iam passando por si, o soldado de sentinela ia ficando cada vez mais intrigado, porque só via militares africanos na coluna; não havia um só cabo ou um só soldado branco, como não havia um só alferes ou um só furriel. O soldado de sentinela acabou por chamar o furriel que estava de serviço e perguntou-lhe se estava programada alguma operação só com africanos.

— Não, que eu saiba, não. Nunca se fez uma operação assim — respondeu o furriel. — Porquê?

O soldado contou-lhe o que tinha acabado de testemunhar. Alarmado, o furriel foi acordar o capitão, contando-lhe o sucedido. O capitão deu um salto da cama, exclamando:

— O quê?! Não é possível! Querem ver que eles desertaram e se passaram para a UPA [FNLA]?

Saiu do quarto a correr e foi às casernas ver quem lá estava. Apenas viu soldados e cabos brancos. Nem um só angolano, negro ou mestiço, tinha ficado.

— Desertaram! Está visto que desertaram! E levaram armas, munições e tudo! E agora? O que vai ser de mim? Estou desgraçado! O que vai ser de mim quando se souber que eles se passaram todos para a UPA, com armas e munições? Como é que eu vou justificar uma tal deserção em massa de elementos da minha companhia?!

Mandou imediatamente que se formassem patrulhas que pesquisassem as redondezas, a fim de se saber que destino levaram os africanos. As patrulhas regressaram de mãos vazias, comunicando ao capitão que o rasto deles penetrava numa mata próxima e desaparecia no seu interior. Não era possível saber para onde é que eles tinham ido. Mais do que nunca o capitão se convenceu de que os seus subordinados angolanos tinham desertado.

— Estou desgraçado! O que vai ser de mim? Tenho a minha vida arruinada! — dizia o capitão, desesperado.

As horas foram-se passando sem que surgisse qualquer outra notícia sobre os africanos. Por volta do meio-dia, o capitão resolveu comunicar via rádio com a sede do batalhão e contar ao respetivo comandante o que se passava. O tenente-coronel ficou tão assustado como ele.

— Isto é o fim da minha carreira militar! O nosso brigadeiro até me mata quando souber! Ó Fulano, tens mesmo a certeza de que os gajos desertaram? — perguntou o tenente-coronel ao capitão.

— Tenho, meu comandante — respondeu o capitão. — Passou-se isto assim e assim; portanto, só podem ter desertado! E agora, o que vai ser de nós?!

— Ó Fulano, tem calma, tem calma. Pode ser que ainda aconteça algum milagre e eles voltem. Vamos esperar até logo à noite, antes de comunicarmos o caso ao nosso brigadeiro. Pode ser que eles entretanto apareçam. Se não aparecerem, então não teremos outro remédio senão comunicar o sucedido para Santa Eulália, e seja o que Deus quiser. O nosso brigadeiro, mais tarde ou mais cedo, vai ter que saber. Isto é demasiado grave para que ele não fique a par do que se passou. E reza, reza para que tudo acabe bem. Esperemos até logo à noite, a ver o que é que acontece.

O dia passou-se sem que houvesse qualquer sinal dos africanos. Quando começou a anoitecer, uns vultos emergiram da mata próxima e, silenciosamente e em fila indiana, dirigiram-se para o quartel. Eram os africanos que voltavam. Passaram a porta de armas e encaminharam-se para as casernas, de onde não saíram para jantar. Passaram o dia inteiro sem comer. No dia seguinte, retomaram a sua atividade normal, como se nada tivesse acontecido. O capitão desde esse dia nunca mais levantou sequer um dedo contra um negro ou um mestiço.

Como facilmente se calcula, o capitão não descansou enquanto não descobriu quem foi o líder do movimento dos africanos. Alguém deve ter tomado a iniciativa, decidido o que fazer e deve ter orientado os seus camaradas durante a execução. O capitão acabou por descobrir o líder: foi um certo primeiro-cabo angolano.

O capitão apressou-se a puni-lo, aplicando-lhe a pena máxima que lhe era possível aplicar. O texto da punição, a cujo teor tive acesso, dizia que o referido primeiro-cabo era castigado «por ter sido encontrado a dormir no posto de sentinela»! Numa zona considerada de guerra, como era aquela em que eles se encontravam, esta era uma falta tida como gravíssima, passível de uma sanção muito pesada. Por isso é que o capitão a invocou, a fim de que o punido acabasse por receber uma pena bem grande.

O comandante do batalhão, por seu lado, quando recebeu o documento da punição aplicada pelo capitão, agravou a pena, aplicando também o máximo da sua competência: um mês de prisão simples.

Em seguida, o processo subiu até ao brigadeiro comandante da Área Militar Nº 1 (AM1), de que o batalhão dependia, o qual não procedeu a qualquer agravamento da pena, para grande surpresa do tenente-coronel e do capitão. O primeiro-cabo angolano acabou, portanto, por cumprir um mês de prisão simples, o que também implicou a sua despromoção. Foi despromovido para soldado raso e, depois de ter cumprido a pena, foi transferido para outra companhia.

Foi transferido para a minha companhia, onde eu próprio prestava serviço militar obrigatório como alferes miliciano. Eu já estava a par do que tinha acontecido. Por isso, no exato momento em que soube que o antigo primeiro-cabo vinha para a minha companhia, manifestei ao meu capitão o desejo de que ele ficasse no meu pelotão. Depois de ouvir a opinião dos outros alferes, o capitão anuiu. Portanto e por minha vontade, o líder da contestação dos angolanos da outra companhia acabou por ficar comigo até ao fim do nosso serviço militar.

Posso garantir que nunca, nem por um só momento, me arrependi de ter querido ficar com ele. Foi um soldado em quem sempre depositei a maior confiança (tal como nos restantes, é importante que se diga) e que nunca traiu esta minha confiança, fosse em que momento fosse. Sinto-me profundamente honrado por ter podido contar com um tal homem a meu lado.

14 setembro 2012

Soneto

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.

José Carlos Ary dos Santos (1937-1984)


06 setembro 2012

Um pequeno conto em quimbundo e sua tradução para português

Homem subindo a uma palmeira para colher seiva (vinho de palma) (Foto: Victor Sotero)

KUTUTUNDA NI KUTUYA

Mala ayadi akexile mu kwenda mu njila. Abixila mu kaxi ka njila; asange ngemi ya maluvu; exi: «Tu bane maluvu!»

Ngemi uxi: «Ha ngi mi bana maluvu, ngi tangelyenu majin' enu!» Wadyanga uxi: «Eme Kututunda.» Waxalele ku ema uxi: «Eme Kutuya.» Ngemi ya maluvu uxi: «Eye, Kututunda, wala ni jina dya mbote; eye, Kutuya, wazwela waku. Ngwami ku ku bana maluvu.»

A di kwatele jimvunda; aya mu funda. Asange nganji; afundu. Nganji uxi: «Kutuya walungu, ngemi yabele; mukonda ku twatundu kya, ki tutena kumona-ku dingi kima. O kima, tu ki sanga, kyala ku twala mu iya.»

Mahezu.

(Jelemia dia Sabatelu. Dialeto mbaka.)
In Folk-Tales of Angola, de Héli Chatelain. A ortografia foi atualizada por mim.

O PASSADO E O FUTURO

Dois homens caminhavam numa estrada quando encontraram um vendedor de vinho de palma. Os viajantes pediram-lhe vinho e o homem prometeu satisfazê-los mas com uma condição: de lhe dizerem os seus nomes. Um deles falou: Chamo-me – De onde venho. O outro – Para onde vou. O homem aplaudiu o primeiro nome e reprovou o segundo, negando a Para onde vou o vinho de palma. Começou uma discussão e dali saíram à procura do juiz, que ditou logo a sentença: O vendedor de vinho de palma perdeu. «Para onde vou» é quem tinha razão, porque de onde viemos já nada se pode obter e, pelo contrário, o que se puder encontrar está para onde vou.
Tradução livre, in A Milenar Arte da Oratura Angolana e Moçambicana, de Susana Dolores Machado Nunes

DE ONDE VIMOS E PARA ONDE VAMOS

Dois homens seguiam por um caminho. Chegados a meio do caminho, encontraram um colhedor de vinho de palma; disseram-lhe: «Dá-nos vinho de palma!»

O colhedor disse: «Para que vos dê vinho de palma, tendes que dizer-me os vossos nomes!» O primeiro disse: «Eu sou De Onde Vimos.» O outro disse: «Eu sou Para Onde Vamos.» O colhedor de vinho de palma disse: «Tu, De Onde Vimos, tens um nome bonito; tu, Para Onde Vamos, disseste um nome feio. Não quero dar-te vinho de palma.»

Brigaram; foram à procura de um tribunal. Encontraram um juiz; expuseram as suas razões. O juiz disse: «Para Onde Vamos ganhou, o colhedor não tem razão; porque de onde nós vimos, não se pode ver nada outra vez. Aquilo que procuramos, está para onde vamos.»

Tenho dito.
(Tentativa de tradução da minha lavra)

04 setembro 2012

Emmanuel Nunes (1941-2012)



Durante a minha adolescência e juventude, fui sócio da Juventude Musical Portuguesa. Sinto-me muito grato a esta instituição, porque ela me abriu os ouvidos para géneros musicais que, só por mim, eu não seria capaz de ouvir e de gostar.

Nomeadamente no campo da música de vanguarda, a Juventude Musical teve um papel de extraordinário relevo, pois trouxe ao Porto alguns dos autores e intérpretes da maior importância que havia nesse tempo. Até trouxe a esta cidade o norte-americano John Cage, acompanhado por Merce Cunningham e a sua companhia de bailado!

Quanto à música portuguesa contemporânea, a Juventude Musical deu-me a conhecer o trabalho que então vinha sendo desenvolvido por Jorge Peixinho, Cândido Lima, Filipe Pires, Manuel Faria e outros. Deu-me a conhecer, também, a música de Emmanuel Nunes, um compositor que então começava a ser falado e que faleceu no passado dia 2 de setembro.

Não é fácil gostar-se de música contemporânea. Nada fácil. Exige de nós um desprendimento muito grande e requer uma atenção muito concentrada. Se nós não fizermos um esforço para ouvi-la como se tivéssemos acabado de nascer, deixando que cada som penetre até ao fundo de nós mesmos; se não deixarmos que esse som provoque dentro de nós sentimentos e emoções, como alegria, tristeza, amor, raiva, etc.; se não permitirmos que esse som nos faça "ver" cores, formas, linhas, volumes, gentes, objetos, clarões, figuras geométricas, etc.; se não deixarmos que esse som suscite em nós estímulos nos outros sentidos também, como cheiros, sabores, carícias, arrepios e outros, então a música contemporânea será para nós uma mera cacofonia sem sentido.

03 setembro 2012

Não posso adiar o amor

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa


(Foto de autor desconhecido)