27 outubro 2021

A celebridade e os principiantes


Concerto para piano e orquestra em lá menor, op. 54, de Robert Schumann (1810–1856), pela pianista argentina Martha Argerich, acompanhada pela Orquestra NEOJIBA, uma orquestra sinfónica juvenil do estado da Baía, no Brasil, dirigida por Ricardo Castro. Como encore, a peça Le Jardin Féerique, da suite Ma Mère l'Oye, de Maurice Ravel (1875–1937), por Martha Argerich e Ricardo Castro, em piano a quatro mãos

22 outubro 2021

Nossa Senhora da Orada, Melgaço


Igreja de Nossa Senhora da Orada, Melgaço

Fica na antiga estrada nacional que liga Melgaço à fronteira de São Gregório e é uma das muitas joias arquitetónicas românicas que, felizmente, abundam no noroeste de Portugal e não só. Refiro-me à igreja de Nossa Senhora da Orada, um pequeno tesouro fora dos grandes roteiros turísticos. Não sei se a atração que aquela igreja exerce se deve às suas proporções harmoniosas; à simbologia, muita dela misteriosa, esculpida nas suas pedras; à doçura da paisagem que a envolve, banhada pelo rio Minho; ao delicioso almoço, regado com alvarinho, tomado anteriormente num restaurante de Melgaço. Talvez se deva a tudo isto e muito mais. Se achar que estou a exagerar, então leia o que sobre Nossa Senhora da Orada escreveu José Saramago, em "Viagem a Portugal":

Logo adiante de Melgaço está Nossa Senhora da Orada. Fica à beira do caminho, num plano ligeiramente elevado, e se o viajante vai depressa e desatento passa por ela, e ai minha Nossa Senhora, onde estás tu? Esta igreja está aqui desde 1245, estão feitos, e já muito ultrapassados, setecentos anos. O viajante tem o dever de medir as palavras. Não lhe fica bem desmandar-se em adjectivos, que são a peste do estilo, muito mais quando substantivo se quer, como neste caso. Mas a Igreja de Nossa Senhora da Orada, pequena construção decentemente restaurada, é tal obra-prima de escultura que as palavras são desgraçadamente de menos. Aqui pedem-se olhos, registos fotográficos que acompanhem o jogo da luz, a câmara de cinema, e também o tacto, os dedos sobre estes relevos para ensinar o que aos olhos falta. Dizer palavras é dizer capitéis, acantos, volutas, é dizer modilhões, tímpano, aduelas, e isto está sem dúvida certo, tão certo como declarar que o homem tem cabeça, tronco e membros, e ficar sem saber coisa nenhuma do que o homem é. O viajante pergunta aos ares onde estão os álbuns de arte que mostrem a quem vive longe esta Senhora da Orada e todas as Oradas que por esse país fora ainda resistem aos séculos e aos maus tratos da ignorância ou, pior ainda, ao gosto de destruir.(...)




(Foto: José Antonio Gil Martínez)

14 outubro 2021

Música de Angola em várias línguas


Uma canção em quimbundo. Muadiakimi (Ancião), por Rui Mingas


Uma canção em quicongo. Iambula tuá Kina Kuetu (Vem para a Nossa Dança (?)), por Alberto Teta Lando


Uma canção em umbundo. Talama handi (Espera ainda), por Nelo Carvalho, sobre um poema de Gociante Patissa


Uma canção em português. Pátria Querida, por Sam Mangwana, um dos intérpretes mais populares de rumba congolesa


Uma canção em quioco. Azulula, por Gabriel Tchiema

12 outubro 2021

Diogo Teixeira


Flagelação de S. Brás, de Diogo Teixeira (c. 1540–1612), óleo sobre madeira, Museu Municipal de Óbidos, Óbidos, Portugal

Diogo Teixeira foi um pintor maneirista português, e dos mais importantes. Já aqui afirmei, e reafirmo agora, que o maneirismo em Portugal foi uma corrente artística à qual faltaram alguns atributos do maneirismo europeu, nomeadamente o espírito imaginativo, rebelde e até iconoclasta de que ele foi expressão por essa Europa fora. O maneirismo em Portugal foi ferozmente controlado pela Inquisição, assim como pelo dominação filipina do país, sendo um maneirismo castrado e jesuítico. A obra de Diogo Teixeira não podia escapar a este destino.

À imagem e semelhança de outros pintores seus contemporâneos, pouco se sabe sobre a biografia de Diogo Teixeira. Os trabalhos mais importantes que ele nos deixou talvez estejam em Lisboa, no retábulo do altar-mor da igreja de Nossa Senhora da Luz de Carnide, que foi pintado por ele e por Francisco Venegas. A igreja da Luz dos nossos dias não é mais do que a capela-mor de um grandioso templo cuja nave principal foi destruida pelo terramoto de 1755. Só sobreviveu a capela-mor, com o seu retábulo e algumas outras pinturas, igualmente maneiristas.


Incredulidade de S.Tomé, de Diogo Teixeira (c. 1540–1612), óleo sobre madeira, Museu de Arte Sacra do Mosteiro de Santa Mafalda, Arouca, Portugal

05 outubro 2021

Grito

De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a côncava do medo
à hora entre cão e lobo
à hora entre lobo e cão.

De ti que em cada ano
cada dia cada mês
não paraste de acender
uma e outra vez
a flor eléctrica
do mais desvairado
coração.

De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmão.

De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.

De ti que domaste
o cavalo e os neutrões
e conquistaste
o lírico tropel
das águas e do vento.

De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abóboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.

De ti que levaste
a volupta da ambição
a trepar erecta
contra as leis do firmamento.

De ti que deixaste um dia
que o teu corpo se cansassse
desta terra de amargura e alegria
e se espalhasse aos quatro cantos
diluido lentamente
no mais plácido
silente
e negro breu.

De ti
meu irmão
ainda ouço
o grito que deixaste
encerrado
em cada pétala do céu
cada pedra
cada flor.
O grito de revolta
que largaste à solta
e que ficou para sempre
em cada grão de areia
a ressoar
como um pálido rumor.
O grito que não cansa
de implorar
por amor
e mais amor
e mais amor.

José Fanha


Placa dourada enviada para o espaço em 1972, a bordo da sonda Pioneer 10

01 outubro 2021

Três múmias


(Imagem: Parabon NanoLabs)

Os três homens no apogeu da sua juventude que se veem nesta imagem são, na verdade, três múmias do Egito com mais de dois mil anos! Pois é. As múmias não foram sempre encarquilhadas e não estiveram sempre encerradas em sarcófagos. Foram pessoas que nasceram, cresceram, viveram, amaram, sofreram e morreram.

As imagens que acima se reproduzem são reconstruções digitais dos rostos de três múmias do Egito e foram obtidas a partir da análise do respetivo ADN. A recuperação do ADN destes três homens foi feita em 2017 pelo Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, em Tübingen, Alemanha, tendo sido esta a primeira vez que se conseguiu sequenciar totalmente o genoma de antigas múmias. A seguir, a empresa Parabon NanoLabs, de Reston, Virgínia, Estados Unidos, usou os dados obtidos para conseguir chegar ao aspeto que teriam os seus rostos e os seus corpos. Às imagens resultantes foi dado o aspeto que estes homens teriam aos 25 anos de idade. Estas imagens foram reveladas pela Parabon NanoLabs em 15 de setembro passado, em Orlando, Florida, Estados Unidos.

A conclusão a que se chegou depois de todo este processo é que os três homens tinham pele morena, cabelo escuro e olhos escuros, apresentando um aspeto que se assemelha mais ao dos povos que habitam atualmente a região do Mediterrâneo e do Próximo Oriente, do que ao dos egípcios modernos. Estes últimos terão sido o resultado da mistura dos antigos egípcios com gentes vindas ao longo dos séculos de outras paragens, como por exemplo o Sudão.