31 agosto 2021

A imóvel jornada


Os rastros que deixei
no chão petrificados
agora que tornei
estão em mim gravados.
Parti, por que não sei
se tudo ao meu redor
comigo era levado:
os sonhos, a paisagem,
o corpo atormentado,
esquinas dos encontros
por gaze separados,
as chamas sobre os dedos,
o peito apunhalado.
No círculo da estrada
eu sigo e estou parado,
não sei a quem procuro
(serei o procurado?).

Geraldo Falcão, poeta brasileiro


Pegada humana com cerca de doze mil anos, em lago seco do Novo México, Estados Unidos da América (Foto: M. Bennett, Universidade de Bournemouth)

24 agosto 2021

Música fresca para estes dias de calor


Nel blu dipinto di blu, por Domenico Modugno

Mambo italiano, do filme Pane, amore e… (não sei que título lhe puseram em português), de Dino Risi, com Sophia Loren e Vittorio de Sica

Tema musical de Mikis Theodorakis, do filme Zorba, o Grego, de Michael Cacoyannis, com Anthony Quinn e Alan Bates

La bohème, por Charles Aznavour

Savoy, por Caterina Valente

22 agosto 2021

Pas de deux


Pas de deux, um filme cheio de beleza e poesia do realizador canadiano Norman McLaren (1914–1987)

18 agosto 2021

Bancos artesanais dos índios do Brasil


O indígena brasileiro Yatapi Mehynaku mostra dois bancos de madeira feitos por si: um em forma de anta e outro em forma de onça

Quando alguém nos fala em artesanato dos índios brasileiros, vêm-nos à mente imagens de cocares de penas, redes de dormir, esteiras, cestos, cerâmicas, arcos, flechas e zarabatanas, colares e cintos de missangas, etc. Não costumamos lembrar-nos dos bancos de sentar, que são habitualmente zoomórficos, mas também podem tomar outras formas, e são pintados com grafismos tradicionais.


Banco em forma de onça (Foto: Pirathá Waurá)

A presente pandemia de covid-19 tem causado sérios constrangimentos à realização de exposições e feiras, o que provoca dificuldades aos artesãos, que se veem impossibilitados de dar a conhecer e de vender de forma presencial o fruto do seu trabalho. A internet é quase a única saída que lhes resta. Os artesãos do povo Mehinaku, no Parque Indígena do Xingu, nomeadamente, têm-se servido do Youtube, Instagram e outras redes sociais para tentarem vender os seus bancos tradicionais e conseguir algum rendimento para a sua comunidade.



Um museu norte-americano, The Fralin Museum of Art, pertencente à Universidade da Virgínia, tem patente na internet uma exposição virtual sobre bancos artesanais dos indígenas brasileiros, bancos estes que pertencem à Coleção BEĨ, de São Paulo, Brasil. Ela não só contempla bancos tradicionais feitos pelos Mehinaku, como também mostra bancos feitos por vários outros povos indígenas vivendo na Bacia Amazónica, com os estilos e os grafismos próprios de cada povo. A exposição é muito bela e aconselho a que seja "visitada" enquanto é tempo neste local.


Menino sentado num banco em forma de gavião de duas cabeças (Foto de autor desconhecido)

11 agosto 2021

O Inquisidor


O Inquisidor, óleo sobre madeira de Diogo de Macedo (1889–1959), 1922, Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, Portugal

O autor do quadro representado acima foi, sobretudo, um escultor, e dos maiores em Portugal: Diogo de Macedo.

Eu não sei o que é que há em Vila Nova de Gaia, que faça com que alguns dos maiores escultores portugueses tenham nascido lá. Diogo de Macedo também nasceu em Vila Nova de Gaia. Estudou escultura no Porto e também em Paris, onde viveu vários anos. Produziu muitas e diversificadas obras escultóricas, algumas das quais estão em museus, outras pertencem a coleções particulares e outras ainda estão em espaços públicos. As mais conhecidas das suas obras em espaços públicos talvez sejam as esculturas que se encontram na fonte luminosa da Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa.

Depois que a sua primeira esposa faleceu, Diogo de Macedo deixou de esculpir, mas continuou sempre a promover a arte na organização de exposições, publicação de livros, escrita de artigos em jornais e revistas, realização de conferências, etc. Foi também diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, Lisboa, até à sua morte.

06 agosto 2021

Três poemas de Namibiano Ferreira


Recebi notícias frescas de Namibiano Ferreira, pseudónimo literário de um poeta angolano vivendo na diáspora. A falta de saúde fê-lo passar por maus momentos, mas Namibiano Ferreira "renasceu" para anunciar que lançou (finalmente!) um livro de sua autoria. O livro chama-se "Ondjira — A Rota do Sul" (a palavra
Ondjira significa "Caminho" na língua herero) e acaba de ser publicado pela Chiado Books. Custa 12 Euros em papel e pode ser adquirido online em https://www.chiadobooks.com/livraria/ondjira-a-rota-do-sul.

Para se fazer uma ideia da qualidade da obra poética de Namibiano Ferreira e avaliar o seu mérito, seguem-se três criações suas, extraídas do seu blog Ondjira Sul.



ONDE O VENTO PASSA

A minha pátria é onde o vento passa
onde o vento manso ou furioso traça
serpentes de mar sobre o areal e a duna.
A rosa-dos-ventos florindo, afortuna
o chão árido, ouro do sul inteiro
silvando um grito hirto, certeiro
para na minha sede a saudade matar
nesse grito alto: meu Namibe,
eterno deserto que ainda não sei cantar.


O PERFUME DAS CHUVAS

Para Midori, a minha neta!

Que faz hoje 4 anos.


Quase no final das chuvas e eu choro os desbarulhos da saudade das chuvas futuras que hão-de vir depois do comprido cacimbo.

Em África, as chuvas recriam a vida como se caissem no primeiro dia do Génesis. A cada ano, quando tamborilam as primeiras chuvas, há uma musicalidade mística que habita a alma das gentes. As chuvas trazem um sentido virgem e puro como se o Mundo acabasse de ser inventado.

Aqui, na Europa, as chuvas são simplesmente chuvas, água sem alma, caindo morta e sem um sentido profético de renovação. Não há aquele odor vivo, incaracterístico das chuvas a beijar o chão seco e quente no início de cada estação. A chuva não casa com a terra.

Em África, quando o sémen dos Deuses chove sobre a terra, liberta-se um perfume fresco e telúrico de fartura cozinhada que se come, que se bebe e se respira como se cada pessoa fosse moldada no barro húmido da terra.


MARIA GRAZIELA

Para a minha irmã de criação que não sei viva ou morta.

Lembro o crespo sentir
da tua carapinha dura,
os teus olhos doces de gazela
o teu nome Maria Graziela,
os lábios pequenos, pétalas
suaves de uma flor inominável
e a tua pele, ébano-cetim
onde o sol deixava indelével
beijos cegos de luminosas esferas
sobre o relevo macio do teu rosto.

Maria, tu foste tu és tu serás
a minha irmã, a mana mais velha
a irmã que nunca tive tenho terei...

Foi logo no burburinho inicial
dos ferros e das armas de fogo
quando nos perdemos um do outro.
Disseram-me tinhas ido no Huambo
seguindo a militância dos dias
eu fiquei no Namibe... esperando
vi os karkamanos chegar e partir
porém, só tu nunca vieste...
se por acaso fores viva, ainda,
que o sol te beije por mim
todos os dias a todas as horas;
se já viveste teu komba, então
que os anjos celestes te beijem
e ponham por mim pequeninas
esferas de luz divina em teu rosto.

Tu és a mana mais velha...
a irmã que eu queria voltar a ter.

cacimbo — estação seca

karkamanos
— militares do regime racista da África do Sul que invadiram Angola em 1975

komba — em sentido lato, óbito


No Curoca Norte, Namibe, Angola (Composição de fotos: Pedro Klecius)

01 agosto 2021

Morreu uma grande pianista: Olga Prats


Otoño Porteño, de Astor Piazzolla (1921–1992), pela pianista portuguesa Olga Prats (1938–2021)

Balada (para uma criança que vai nascer), de António Victorino d'Almeida, pelos pianistas portugueses Olga Prats (1938–2021) e Artur Pizarro