30 abril 2013

O edifício do Café Águias d'Ouro


Antes

Depois (Foto: quadrogiz)

De maneira nenhuma eu sou uma pessoa indicada para falar de Estremoz, a não ser para dizer que me sinto fascinado por esta bela cidade do Alentejo. Não faltam motivos para este fascínio. Um deles é o facto de Estremoz ser uma cidade feita de mármore. Desde o complexo monumental da Alcáçova, lá no alto, do qual se destaca uma imponente torre de menagem, até às portas na muralha da cidade, às igrejas e demais monumentos, aos lancis dos passeios e à cantaria das casas, mesmo das mais modestas, tudo é de mármore em Estremoz. Que luxo!

Outro motivo de fascínio que encontro em Estremoz é um curiosíssimo edifício em estilo Arte Nova, em cujo rés-do-chão funciona o café e restaurante Águias d'Ouro (passe a publicidade), situado no vasto Rossio do Marquês de Pombal, que é o centro cívico da cidade. Não acho que o edifício, como um todo, seja bonito (antigamente era muito mais bonito), mas se fixar o olhar apenas em cada uma das janelas e varandas do 1º e 2º andares, abstraindo do resto, não posso deixar de sentir um intenso prazer estético. Estilo Arte Nova com aquela qualidade, ali em pleno Alentejo, não seria de esperar. E no entanto lá está, à vista de todos. Em Estremoz.

Sobre este edifício, pode-se ler o seguinte na página que a ele dedica a Câmara Municipal de Estremoz:

Edifício construído entre 1908 e 1909, foi inaugurado como café a 4 de Abril de 1909. O seu proprietário inicial era Francisco Rosado, da firma Rosado & Carreço e o estabelecimento funcionava também como buffet e sala de bilhar. Entre 1937 e 1939 tiveram lugar algumas obras a cargo do arquitecto Jorge Santos Costa, cujas principais alterações foram a transformação de uma das portas exteriores numa montra-janela e a remodelação da fachada térrea, ao gosto modernista da altura. Em 1964, sob responsabilidade de José Manuel Pinheiro Rocha, transformou-se o primeiro piso em restaurante, destituindo o edifício de alguns elementos originais. Após um abaixo-assinado de moradores de Estremoz, é classificado como Imóvel de Interesse Público em 1997.

A sua arquitectura ecléctica, especialmente visível na linguagem decorativa da fachada, torna-o num dos melhores exemplares do património edificado do concelho de Estremoz. É notória a sua influência da Arte Nova (movimento artístico ocidental iniciado em finais da década de 1880 e que entra em Portugal a partir de 1905), nomeadamente no seu exterior a nível dos primeiro e segundo pisos, como o provam a platibanda decorada com flores-de-lis ou a propositada diferença dos sete vãos. É também visível a utilização de vários materiais diferentes (cantaria, vitral, ferro forjado e azulejos) e a decoração com motivos geométricos, naturalistas e exóticos.

25 abril 2013

O dia da libertação


Colagem de noticiários que a RTP transmitiu no dia 25 de abril de 1974 

24 abril 2013

Peregrino e hóspede sobre a Terra

Meu único país é sempre onde estou bem
é onde pago o bem com sofrimento
é onde num momento tudo tenho
O meu país agora são os mesmos campos verdes
que no outono vi tristes e desolados
e onde nem me pedem passaporte
pois neles nasci e morro a cada instante
que a paz não é palavra para mim
O malmequer a erva o pessegueiro em flor
asseguram o mínimo de dor indispensável
a quem na felicidade que tivesse
veria uma reforma e um insulto
A vida recomeça e o sol brilha
a tudo isto chamam primavera
mas nada disto cabe numa só palavra
abstracta quando tudo é tão concreto e vário
O meu país são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
Os meus amigos são os mais recentes
os dos demais países os que mal conheço e
tenho de abandonar porque me vou embora
porque eu nunca estou bem aonde estou
nem mesmo estou sequer aonde estou
Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez

Ruy Belo (1933-1978), in Transporte no Tempo, 1973


Mural dedicado a Ruy Belo, no Jardim Municipal de Rio Maior, feito por Artur Ribeiro para assinalar o 80º aniversário do nascimento do poeta (Foto: Revista É Ribatejo)

21 abril 2013

Hereros


Embora possa ser acusado de explorar o exotismo aqui no blog, muito provavelmente com razão, não resisto a partilhar este vídeo. É o trailer de um filme chamado Hereros Angola, do fotógrafo e cineasta brasileiro residente em Angola Sérgio Guerra, sobre o grupo etno-linguístico Herero, que vive repartido entre Angola, a Namíbia e o Botswana. Em Angola, este conjunto de etnias pastoris habita, sobretudo, na província do Namibe, no sudoeste do país. A tribo mais conhecida deste grupo etno-linguístico é a dos Mucubais ou Kuvales, pela qual o antropólogo Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010) se apaixonou, mas há outras mais: Himbas, Hakaonas, Dimbas, etc. Numa galeria de Lisboa, já se realizou, há perto de três anos, uma exposição fotográfica sobre estas comunidades, também com imagens de Sérgio Guerra

18 abril 2013

A guerra civil portuguesa e o Porto

Obelisco no Alto da Memória, Angra do Heroísmo (Foto: Carlos Luis M C da Cruz)

No Alto da Memória, sobranceiro à cidade de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, Açores, existe um obelisco. Na Praia da Memória, em Pampelido, Matosinhos, existe um obelisco. Que relação existe entre estes dois obeliscos e que memória é que eles pretendem assinalar? Estes obeliscos evocam a guerra civil portuguesa de 1828-1834, que opôs liberais, encabeçados por D. Pedro IV (que abdicou do trono de Portugal em favor da sua filha Maria da Glória, quando se tornou imperador do Brasil, cuja independência proclamou), e absolutistas, apoiantes do seu irmão D. Miguel, que se tinha feito aclamar rei de Portugal.

O obelisco de Angra do Heroísmo evoca a vitória dos liberais sobre os absolutistas na Ilha Terceira, após duríssimos combates. A valentia demonstrada pelos habitantes da cidade, que até então se chamava apenas Angra, levou D. Pedro IV a acrescentar a palavra Heroísmo ao nome desta. A partir de então a cidade passou a chamar-se Angra do Heroísmo.

O obelisco que está em Pampelido, por seu lado, assinala o local onde se fez o desembarque de D. Pedro e das suas tropas, vindos dos Açores. O local deste desembarque não foi a praia do Mindelo, como muitas vezes se diz, mas sim uma praia situada vários quilómetros mais a sul, que agora se chama Praia da Memória e que naquele tempo se chamava Praia dos Ladrões...

Obelisco existente na Praia da Memória, Pampelido, Matosinhos em Vila do Conde, que assinala o local de uma primeira tentativa, falhada, de desembarque das tropas liberais (Foto: Joseolgon). O obelisco que está na Praia da Memória, e que é muito mais imponente do que este, pode ser visto, por exemplo, na foto que tem o seguinte endereço: http://ipt.olhares.com/data/big/348/3486854.jpg. Agradeço ao visitante Maciel Pinto a correção do erro que imperdoavelmente cometi ao confundir este obelisco com o da Praia da Memória

Após o desembarque, as tropas liberais dirigiram-se para a cidade do Porto, cuja população as acolheu e lhes deu o seu total apoio. As forças miguelistas puseram então cerco à cidade, o qual se estendeu desde julho de 1832 até agosto de 1833. Este cerco foi devastador para o povo do Porto e para as forças liberais sitiadas, mas estas acabaram por sair vitoriosas, após duríssimos e sangrentos combates, no decurso dos quais se cometeram os mais extraordinários atos de valentia. Depois de os absolutistas terem levantado o cerco, D. Pedro IV logo avançou para Lisboa, triunfante. D. Miguel acabou por reconhecer a sua derrota e por assinar a sua capitulação em Évora Monte, no Alentejo, em maio de 1834.

É completamente impossível falar da história do Porto sem fazer uma longa referência a este cerco, que foi certamente o acontecimento mais marcante que esta cidade viveu ao longo da sua história milenar. As provações e os combates então vividos estão pormenorizadamente descritos na História do Cerco do Porto, de Luz Soriano (1802-1891).

Na toponímia do Porto não faltam referências diretas e indiretas ao cerco. Alguns exemplos: Bairro do Cerco do Porto, Rua do Heroísmo, Rua da Firmeza, Praça do Exército Libertador, Rua da Bataria (corruptela de bateria), etc. Alguns destes nomes foram atribuídos pelo próprio D. Pedro, assim como foi dado pelo próprio D. Pedro o título de Cidade Invicta ao Porto, título que esta cidade orgulhosamente ostenta no seu brasão: «Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto».

Como se tudo isto não bastasse, D. Pedro legou ainda o seu próprio coração à cidade. Está devidamente conservado e guardado na Igreja da Lapa, à qual o rei-soldado costumava ir para assistir à missa dominical.

Memorial onde está guardado o coração de D. Pedro IV de Portugal e D. Pedro I do Brasil, situado numa parede da capela-mor da Igreja da Lapa, Porto (Foto: Luiz Ferraz Cebola)

11 abril 2013

Crianças da Papua Nova Guiné


04 abril 2013

A Inês Negra

Monumento à Inês Negra, em Melgaço, do escultor José Rodrigues (Foto: Joseolgon)

Melgaço é uma bonita vila do extremo norte de Portugal, paredes meias com as terras irmãs da Galiza. Não há outra vila portuguesa mais a norte do que esta.

Há muito que ver e saborear em Melgaço. Em finais deste mês deverão realizar-se as Festas do Vinho Alvarinho e do Fumeiro. Só isto justifica uma ida a Melgaço. E depois (ou antes) das festas, poder-se-á apreciar o muito que há para ver na vila e no seu concelho. Por exemplo: o castelo, a igreja matriz, as termas do Peso, a localidade fronteiriça de São Gregório, a igreja de Nossa Senhora da Orada, a igreja de Paderne (não é só no Algarve que existe uma povoação chamada Paderne; Melgaço também tem a sua), etc. E, como não podia deixar de ser, é "obrigatório" visitar a lindíssima região serrana, com destaque para as aldeias de Lamas de Mouro e de Castro Laboreiro. Agora na primavera, então, é "pecado" não subir à serra.

Associada a Melgaço, existe uma lenda que remonta ao séc. XIV, uma lenda que fala de uma luta entre duas mulheres: a Inês Negra e a Arrenegada. Transcrevo a seguir o texto que, a respeito desta luta, está publicado no Arquivo Português de Lendas:

Os Castelhanos tinham-nos tomado a maior parte das povoações fortificadas do Alto Minho; porém, o valor dos Portugueses os tinha feito capitular a quase todos e só Melgaço estava a favor de Castela. Era seu governador ou alcaide-mor Álvaro Pais Sotto-Maior, castelhano, o qual, tendo de guarnição trezentos infantes e trezentos cavalos, porfiava na resistência. D. João I pôs cerco a Melgaço e havia 10 dias que o assédio durava sem outra consequência mais do que escaramuças, que nada decidiam. Então o rei português mandou edificar um castelo de madeira, que ficasse a cavaleiro das muralhas, cuja construção levou 20 dias. Os cercados, receando o assalto, deram sinal de armistício e foi à praça João Fernandes Pacheco; porém, Álvaro Pais propunha tais condições que nada conseguiu. O rei mandou activar os preparativos do assalto, jurando que ele próprio o comandaria.

Dentro da praça havia uma mulher muito valente, parcial dos Castelhanos, que renegara sua pátria, pois era daqui mesmo natural.

Sabendo ela que no arraial dos Portugueses estava uma sua conterrânea, ousada e valorosa como ela, a mandou desafiar a um combate singular.

Inês Negra (a desafiada) aceitou o repto e dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a meia distância do arraial da vila. Já lá estava a arrenegada, (como então se dizia) e o combate começou encarniçado, terrível e desesperado, como duas viragos, ferindo-se com as mãos, unhas e dentes, depois de partirem as armas de que vieram munidas (ignorando-se que armas fossem). A agressora ficou debaixo e teve de retirar para a vila, corrida, ferida e quase sem cabelo, «levando nos focinhos muitas nódoas das punhadas da de fora», que ficou vitoriosa. Os Portugueses fizeram grande algazarra aos Castelhanos. No dia seguinte era a praça dos Portugueses e Inês Negra, cercada de besteiros, estava no alto da plataforma, onde o pendão das Quinas ondeava ovante, no mastro em que na véspera se ostentava orgulhosa a bandeira dos leões e torres de Castela, e dizia no seu transporte de alegria:

— Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do Rei de Portugal.

Em 1807 repetiram-se as brilhantes acções dos habitantes de Melgaço, e desta vez sem que houvesse mulher ou homem que atraiçoasse a honra pátria.

Desta antiga vila já hoje quase nada resta, porque Melgaço possui muitas edificações modernas, largos, algumas ruas, um magnífico hospital, casa de escola, etc..


Fonte Biblio: VASCONCELLOS, J. Leite de, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966, p. 687-688

Ano: 1899

Portal românico da igreja de São Salvador de Paderne, Melgaço