31 agosto 2019

Augusto Gomes


As Visitas, 1953, óleo sobre platex de Augusto Gomes (1910–1976). Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, Portugal

Augusto Gomes foi um eminente pintor e escultor português nascido em Matosinhos em 1910. Formou-se na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, da qual veio a ser professor. Embora seja frequentemente chamado escultor, Augusto Gomes dedicou-se a diversos ramos das artes plásticas além da escultura, nomeadamente pintura, cerâmica, gravura, cenografia para o Teatro Experimental do Porto, etc.

Augusto Gomes foi essencialmente um artista plástico neorrealista e deu um particular destaque à dura e difícil vida dos pescadores e das suas famílias, em obras cheias de dramatismo. Faleceu em Matosinhos, onde tinha nascido, em 1976.

29 agosto 2019

Canção tão simples

Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?

Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?

Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?

Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?

Manuel Alegre


Canção tão simples, por Adriano Correia de Oliveira, sobre um poema de Manuel Alegre musicado por António Portugal

24 agosto 2019

Amazónia em chamas


Discurso do líder indígena brasileiro Ailton Krenak perante o Congresso Nacional em 1988

O índio Ailton Krenak é um dos líderes indígenas mais respeitados do Brasil, apesar de pertencer a um povo com menos de 500 pessoas, que é o povo Krenak, que vive no estado de Minas Gerais. É hábito, entre os indígenas brasileiros, usarem o nome da sua etnia no final do seu próprio nome.

Ailton Krenak ganhou o respeito do Brasil e do mundo graças a uma intervenção sua perante o Congresso em Brasília, quando este discutia a nova Constituição do país em 1988. Nesta intervenção, Ailton Krenak pintou a cara de preto com tinta de jenipapo, que é tradicionalmente usada pelos índios nas suas pinturas corporais, enquanto discursava perante os deputados em defesa da causa dos indígenas do seu país. E venceu.

A tinta obtida a partir dos frutos verdes de jenipapo é tradicionalmente usada em pintura corporal, como o demonstram estas indígenas xinguanas (Foto: Renato Soares)

Ailton Krenak continua a ser uma voz ativa e respeitada aonde quer que vá em qualquer parte do mundo, a par de outros líderes indígenas brasileiros como Raoni Metuktire, do povo Kayapó, Davi Kopenawa, do povo Yanomami, ou Aritana Yawalapiti, do povo Yawalapiti. Há poucas semanas, Ailton Krenak esteve em Lisboa.

As palavras de Ailton Krenak perante a Assembleia Constituinte de 1988 conservam toda a sua atualidade, nesta hora trágica para a Amazónia, que arde por causa de um fogo posto por mãos criminosas. Os melhores defensores da floresta são aqueles que na floresta vivem há milhares de anos e que desde há milhares de anos têm sabido usá-la sem a destruir: os povos originários do Brasil.


Os melhores defensores da Amazónia são os seus habitantes originários (Foto de autor desconhecido)

Que os incêndios da Amazónia são de origem criminosa, não há qualquer sombra de dúvida. Nenhuma floresta tropical húmida se incendeia, esteja ela na Amazónia, em África, no Bornéu ou na Nova Guiné. A floresta tropical húmida é um tipo de floresta que tem demasiada água para que possa arder. A savana arde, o cerrado arde, a floresta tropical seca arde, a floresta das regiões temperadas arde, até a floresta do Ártico arde, mas a floresta tropical húmida não. Eu próprio testemunhei por diversas vezes este facto em África: o fogo, quando chega à orla de uma floresta tropical húmida, não se propaga mais e apaga-se espontaneamente; limita-se a chamuscar as folhas das plantas mais periféricas da floresta. Então, porque é que a floresta amazónica está a arder?


A floresta amazónica não arde espontaneamente (Foto de autor desconhecido)

Para que uma floresta tropical húmida possa arder, é preciso secá-la primeiro, e para que isso se possa fazer, começa-se por desmatá-la, cortando a vegetação que se encontra próxima do solo e deixando somente de pé as árvores de grande porte. É junto ao solo que tende a concentrar-se a humidade da floresta, por ação da gravidade. Cortam-se, portanto, as ervas, os arbustos, as lianas (chamadas cipós no Brasil), as plantas parasitas de diversas espécies, enfim, corta-se tudo o que se puder cortar, com a ajuda de poderosas máquinas. Só ficam de pé, como disse, as árvores de grande porte, enquanto o resto da vegetação morre e seca. A humidade da antiga floresta evapora-se e possibilita a ação do fogo, que só então consegue progredir e consumir o que foi em tempos uma sumptuosa catedral vegetal. A antiga vegetação fica reduzida a cinzas e carvão, abrindo caminho às máquinas que vão finalmente cortar as árvores maiores que, mesmo que tivessem sido queimadas no todo ou em parte, permanecem de pé. Cortadas estas, fica consumada a destruição da floresta.


Quantos tucanos morreram e vão continuar a morrer nos incêndios da Amazónia? (Foto de autor desconhecido)

O apocalipse que está a acontecer na Amazónia neste momento não é, de maneira nenhuma, espontâneo nem fruto do acaso. Foi premeditado. Foi preparado ao longo de meses e meses, primeiro através de um desmatamento feito a uma escala nunca até agora atingida em toda a história da humanidade, até que se esperou pela chegada da estação seca para que o fogo pudesse entrar em ação e consumar a destruição que já tinha sido iniciada. Foi tudo combinado e criminosamente preparado, a um ponto tal que nas redes sociais se anunciou a marcação do dia em que a Amazónia iria arder: o "Dia do Fogo". Foi assim mesmo que este dia foi chamado. Com a chegada do dia marcado, milhares e milhares de incêndios se acenderam simultaneamente ao longo de toda a Amazónia brasileira, num fogaréu tal que o fumo chegou a tapar o sol em São Paulo! E a Amazónia continua a arder no exato momento em que escrevo estas linhas, não só no Brasil, onde tudo começou, mas também no Equador, na Colômbia, no Peru, na Bolívia, etc. E não, não é só a floresta tropical húmida desbastada que arde, mas também e sobretudo o cerrado e outros tipos de vegetação que lhe são contíguos e a prolongam. E isto assusta ainda mais.


(Foto: Barbara Brändli)

19 agosto 2019

Sou negra mas formosa


Nigra sum sed formosa, de Andreas de Silva, pelo agrupamento vocal australiano The Song Company, dirigido por Roland Peelman. As palavras iniciais deste cântico (Nigra sum sed formosa) são bíblicas e constam do capítulo 1, versículo 4, do Cântico dos Cânticos, do rei Salomão, um dos livros do Velho Testamento

Quase nada se sabe sobre um compositor renascentista conhecido pelo nome de Andreas de Silva. Seria português, caso em que se chamaria André da Silva? Seria espanhol, caso em que se chamaria Andrés de Silva ou Andrés da Silva (se fosse galego)? Seria italiano, caso em que se chamaria Andrea de Silva? Seria de outra nacionalidade? Não se sabe. O que se sabe é que ele esteve ativo como compositor entre 1510 e 1530, tendo trabalhado nas cortes do papa Leão X (João de Lourenço de Medici) e do primeiro duque de Mântua (Frederico II Gonzaga).

17 agosto 2019

Dá-me o meu meio-tostão


Meio-tostão do reinado de D. Luís (Foto: Miguel Costa)


Um compadre perseguia outro por uma dívida; todas as vezes que lhe passava pela porta dizia:

— Dá-me o meu meio-tostão.

O devedor, vexado, disse para a mulher que se ia fingir morto, e que ela o carpisse muito, para ver se quando o compadre passasse lhe perdoava pela sua alma o meio-tostão. Assim fez; a mulher pranteou e depenou-se, mas o compadre veio ao acompanhamento do enterro, e quando o corpo se depositou na igreja deixou-se ficar escondido debaixo da essa. De noite os ladrões entraram na igreja, e como viram a luz das tochas alumiando o morto, entenderam que ali era lugar seguro para repartirem o dinheiro e fazerem os quinhões do que tinham roubado. Quando estavam nisto, desavieram-se, porque todos queriam umas certas joias que o capitão dos ladrões reservava para si. Faziam muita bulha, mas o que se fingia morto na essa, e o compadre que estava escondido, passaram sustos medonhos e não se mexiam. Por fim disse o capitão dos ladrões:

— Eu cá não faço questão deste quinhão; mas quem o quiser há de ir espetar esta faca no morto que está ali naquela essa.

Dizia um: «Vou eu»! Outro também queria ir; mas o que se fingia defunto, sem saber como se havia de ver livre da situação desesperada, senta-se no caixão, e diz e com terror:

Acudam-me aqui os defuntos
E venham já todos juntos.

Os ladrões fugiram todos espavoridos e deixaram o dinheiro ao pé da essa; o compadre que se fingia morto desceu para baixo, e começou a ajuntar o dinheiro espalhado pelo chão. Quando estava nisto sai-lhe debaixo da essa o credor, que nem à borda da cova o largava, e começa a repetir-lhe sem parar:

— Dá-me o meu meio-tostão! Dá-me o meu meio-tostão.

E não se tirava disto. Os ladrões por fim envergonharam-se da sua covardia, e mandaram um mais valente à igreja ver o que por lá havia, e se podiam ir buscar o seu dinheiro. O ladrão veio sorrateiro, escondeu-se detrás de uma porta a escutar, e ouvia só:

— Dá-me o meu meio-tostão!

Desatou a fugir, e foi dizer aos companheiros:

— Está tudo perdido; andam lá tantos defuntos, que não cabe meio-tostão a cada um. Os ladrões conformaram-se com esta desgraça, e o compadre assim é que pagou a sua dívida e ficou rico.


Conto popular recolhido no Porto.

Contos Tradicionais do Povo Português, por Teófilo Braga

15 agosto 2019

Artur Loureiro


Campina Romana, 1879, óleo sobre tela de Artur Loureiro (1853–1932), Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa, Portugal

Artur Loureiro foi um pintor português nascido no Porto em 1853. Depois de frequentar a Academia Portuense de Belas Artes, Artur Loureiro viveu em Roma, entre 1875 e 1879, e em Paris, entre 1879 e 1884. Em 1884 emigrou para Melbourne, na Austrália, onde obteve reconhecimento internacional. No início do séc. XX regressou ao Porto, onde montou um atelier-escola numa ala do então existente Palácio de Cristal. Morreu em Terras de Bouro, para onde se tinha dirigido com o objetivo de pintar, em 7 de julho de 1932. A sua obra, de pendor naturalista e em que sobressaem a paisagem, o retrato e a representação animalista, está espalhada por diversos museus e instituições de Portugal e do estrangeiro.


Autorretrato, 1925, óleo sobre madeira de Artur Loureiro (1853–1932), Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, Portugal

10 agosto 2019

O Paço de Giela


O Paço de Giela, Giela, Arcos de Valdevez (Foto: Câmara Municipal de Arcos de Valdevez)

O Paço de Giela é uma antiga residência senhorial existente em Giela, no concelho de Arcos de Valdevez. Na sua origem esteve um castelo anterior ao séc. XI, ao qual se foram acrescentando outros elementos arquitetónicos ao longo dos tempos, nomeadamente a torre atualmente existente, que data do séc. XIV, e o paço propriamente dito, cujas janelas manuelinas, abertas na muralha do antigo castelo, indicam ter sido edificado no séc. XVI.

O Paço de Giela esteve completamente abandonado e em ruínas durante muitos anos, apesar de ter sido classificado como monumento nacional em 1910. Eu mesmo ainda o vi cheio de silvas e de lixo, o que contrastava de forma chocante com a linda e suavíssima paisagem envolvente. Foi adquirido em 1999 pelo município local, que o recuperou e dele fez um polo de atração, incluindo um centro interpretativo sobre a história do concelho, nomeadamente o Torneio de Valdevez, que foi da maior importância para a independência de Portugal. Frequentemente, também se realizam diversos eventos de índole cultural no Paço de Giela.


Janela manuelina no Paço de Giela, Giela, Arcos de Valdevez (Foto: Mário Rolo)

03 agosto 2019

Zeca Afonso, intemporal


Os Eunucos (no Reina da Etiópia), por José Afonso

01 agosto 2019

Fados humorísticos (e também ié-ié)


O Parentesco, por Neca Rafael

Fingi que Morri, por Neca Rafael

Chunga Chunga, por Hermínia Silva

Orquestra Barulheira, por Neca Rafael

Ó Tempo, Faz Marcha-Atrás, por Adelina Silva e Neca Rafael