27 fevereiro 2006

As Mãos

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema -- e são de terra.
Com mãos se faz a guerra -- e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

(Manuel Alegre, in O Canto e as Armas, 1967)

courtesy by Björn Roos

26 fevereiro 2006

A computação quântica já se adivinha no horizonte


A Mecânica Quântica é um dos ramos da Física mais difíceis de "engolir", porque está recheada de contradições e de impossibilidades aparentes, pelo menos para o nosso raciocínio e para a nossa percepção da realidade. Até Albert Einstein a estranhou.

E no entanto ela funciona mesmo e explica um sem-número de fenómenos físicos que, de outra forma, não teriam explicação. Tal como acontece com a Teoria da Relatividade (com a qual ela ainda não "encaixa" completamente, aliás), até hoje ainda não se observou nenhum fenómeno que estivesse em contradição com ela. Todos os fenómenos observados, sejam microscópicos (para os quais ela foi desenvolvida) ou macroscópicos (também chamados "newtonianos" e que são explicados pela Mecânica Clássica), são perfeitamente explicados pela Mecânica Quântica. Isto é, a Mecânica Clássica também cabe dentro da Mecânica Quântica, não entrando em contradição com ela.

Afinal, o que é a Mecância Quântica? Vejamos a definição dada pela Wikipedia:

A Mecânica Quântica é a parte da física (...) que estuda o movimento das partículas muito pequenas. O conceito de partícula "muito pequena" , mesmo que de limites muito imprecisos, relaciona-se com as dimensões nas quais começam-se a notar efeitos como a impossibilidade de conhecer com infinita acuidade e ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula (...), entre outras. A ditos efeitos chama-se "efeitos quânticos". Assim, a Mecânica Quântica é a que descreve o movimento de sistemas nos quais os efeitos quânticos são relevantes. Experimentos mostram que estes são relevantes em escalas de até 1000 átomos. Entretanto, existem situações onde mesmo em escalas macroscópicas, os efeitos quânticos se fazem sentir de forma manifestamente clara, como nos casos da supercondutividade e da superfluidez.

Enquanto que as grandezas de que nos apercebemos através dos nossos sentidos (grandezas macroscópicas) nos aparecem como tendo variações contínuas (diz-se, muitas vezes, que a Natureza é analógica e não digital), à escala microscópica essas grandezas variam por saltos.

Como eu disse no início, a Mecânica Quântica está recheada de aparentes impossibilidades e contradições. Uma delas é a chamada "sobreposição de estados", segundo a qual uma partícula pode estar num dado estado e no que lhe é oposto ao mesmo tempo. É como se um gato pudesse estar vivo e morto ao mesmo tempo. Este é o exemplo clássico que habitualmente se dá, o chamado "gato de Schrödinger". «Mas isso é impossível!», dizem as pessoas. Na Mecânica Quântica a sobreposição de estados é possível. Por isso é que eu disse que a Mecânica Quântica é difícil de aceitar, porque vai contra o senso comum.

Mas funciona, e de que maneira. Os lasers, que emitem radiações luminosas monocromáticas e coerentes, foram criados com base nos princípios da Mecânica Quântica e não se conseguem explicar fora dela. Quem duvida de que os lasers existem? Mesmo ao nosso lado ou à nossa frente há um laser dentro do leitor de DVD do nosso computador. Os próprios circuitos integrados que estão dentro do computador funcionam de acordo com a Física Quântica e não funcionariam se só fosse válida a Física Clássica.

Um dos campos de investigação que estão a decorrer neste momento em Física e Engenharia é o dos computadores quânticos, cuja unidade fundamental é uma partícula (fotão, electrão ou outra) a que se chama qubit (do inglês quantic bit, bit quântico) e que apresenta uma sobreposição de estados. Ela apresenta, por exemplo, um spin (rotação) num dado sentido e no sentido contrário ao mesmo tempo. Atribui-se arbitrariamente o valor "1" a um dos sentidos e o valor "0" ao outro.

Um qubit é, portanto, uma partícula que tem um "1" e um "0" ao mesmo tempo, correspodentes aos dois sentidos de spin. O que varia de um qubit para outro é a probabilidade de ocorrência do "1" e do "0", enquanto que num bit normal essa probabilidade é sempre de 100%. O bit normal ou é mesmo "0" ou é mesmo "1"; não há ambiguidades nem sobreposições.

Um outro fenómeno quântico que se pretende explorar, e do qual já se obtiveram resultados muito prometedores (nomeadamente na transmissão de dados imune a qualquer forma de espionagem), é o entrelaçamento ou emaranhamento (em inglês entanglement), também chamado correlação, entre duas partículas, como por exemplo dois electrões ou dois fotões. É possível estabelecer uma relação tão íntima (o tal entrelaçamento) entre duas partículas, que elas continuarão a manter essa relação, qualquer que seja a distância a que acabem por ficar uma da outra. Se observarmos o estado em que se encontra uma dessas partículas, ficaremos logo a saber o estado em que se encontra a outra partícula, mesmo que ela se encontre a milhares e milhares de anos-luz de distância.

Até agora, pensava-se que o entrelaçamento só poderia ocorrer a temperaturas muito próximas do zero absoluto (cerca de -273 graus centígrados), o que poderia limitar o uso dos futuros computadores quânticos. Um estudo agora revelado por um grupo de cientistas refere que os cálculos por si efectuados indicam que o entrelaçamento (ou emaranhamento ou correlação) poderá ocorrer a qualquer temperatura, o que facilitará o desenvolvimento dos futuros computadores quânticos. Os cientistas que realizaram este estudo pertencem à Universidade de Leeds, na Inglaterra, à Universidade de Viena, na Áustria, e à Universidade do Porto, não digo onde... A notícia do estudo está aqui.

25 fevereiro 2006

Reclamação



Clicar na imagem para ampliar.

Apaguei a identidade do remetente porque não é relevante. Recebido por email.

23 fevereiro 2006

Arte namban

Como é sabido, os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Japão. A imagem que se mostra acima, que é um pormenor de um biombo namban, mostra bem a estranheza e a curiosidade que a sua chegada ao Japão provocou.

As pessoas vinham à porta espreitar os estranhos "bárbaros do sul" (namban-jin) vindos do outro lado do mundo e que passavam na rua, vestindo as suas ridículas bombachas (nome dado às calças largas em forma de balão que os portugueses então usavam) e acompanhados de escravos negros. Nunca em terras nipónicas se tinham visto tão estranhas gentes: uns indivíduos eram pálidos e tinham uns grandes narizes, enquanto que outros eram negros e tinham os cabelos crespos.

Durante o período Monoyama, que ocorreu por volta do ano 1600 e seguintes, os artistas japoneses retrataram -- em biombos, peças de mobiliário ou caixas lacadas -- portugueses desembarcando das suas naus, vestindo as suas bombachas ou as roupas negras dos padres jesuítas, visitando os senhores feudais locais, fazendo comércio com mercadorias exóticas trazidas de longe, etc. À arte japonesa que faz esta representação foi dado o nome de Arte namban. Esta arte caracteriza-se, portanto, por mostrar europeus de uma forma genuinamente japonesa. É um encontro entre o Oriente e o Ocidente.

Em Lisboa, podem ser admirados, no Museu Nacional de Arte Antiga, três ou quatro preciosos biombos namban. Abaixo deste texto, vê-se a fotografia de um biombo namban, igualmente magnífico, que mostra o desembarque de portugueses num porto nipónico (talvez Nagasaki) e também uma caixinha lacada, em que um português se encontra representado.


Foto: Museu da cidade de Kobe

A Lenda de Gaia


Foto: bao666

...e igualmente lenda da origem do nome do Rio Âncora, que desagua no Atlântico entre Caminha e Viana do Castelo. Segundo a lenda, teria sido em frente à embocadura do rio que a rainha ficou "ancorada" com uma mó atada ao pescoço.

A fotografia acima mostrada, que parece ter sido tirada do Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira portuense, mostra o local onde teriam ocorrido os supostos acontecimentos narrados pela lenda: o morro do Castelo, em Gaia.

Como se vê, praticamente nada resta do castelo propriamente dito. O local, no entanto, continua a ser chamado Castelo e a rua que serpenteia pelo morro acima, a partir da beira-rio, tem o nome do Rei Ramiro, de Leão (o reino de Portugal só viria a surgir dois a três séculos mais tarde), que é o principal protagonista da lenda.

O desprezo a que o morro do Castelo se encontra votado é verdadeiramente confrangedor. Em qualquer cidade, um miradouro como este seria arranjado com todo o cuidado e estaria sempre cheio de visitantes, que não se cansariam de fotografar a estupenda vista que dele se tem. Mas em Gaia, não. Apesar dos inúmeros turistas que enxameiam a Ribeira de Gaia e que visitam as muitas caves de vinho do Porto que a cidade tem (incluindo as caves do Porto Fonseca que são visíveis na foto), ninguém os leva ao morro do Castelo, ninguém vai lá acima respirar a brisa fresca que sopra lá no alto, ninguém estende a vista pelo lindíssimo panorama que de lá de cima se pode disfrutar. Como é possível?!

A lenda de Gaia é um texto medieval que pertence ao segundo dos quatro Livros de Linhagens, os quais descrevem a genealogia das principais famílias do reino de Portugal na Idade Média. Alexandre Herculano publicou-os no séc. XIX, na sua obra "Portugaliae Monumenta Historica". Ei-la:

Este he o linhagem dos mui nobres e muy honrados ricos-homens, e filhos-dalgo da Maya, em como elles vem direitamente do muito alto e mui nobre rey D. Ramiro; e este rey D. Ramiro seve casado com huma rainha, e fege nella rey D. Ordonho; e pois lha filhou rey Abencadão que era mouro, e foilha filhar em Salvaterra no logo que chamão Myer: entom era rey Ramiro nas Asturias: e quando Abencadão tornou adusea para Gaya, que era seu castello, e quando veo rey Ramiro não achou a sa molher e pesoulhe ende muito, e enviou por seu filho D. Ordonho e por seus vassallos, e fretou saas naves, e meteuce em ellas, e veyo aportar a Sanhoane da Furada; e pois que a nave entrou pela foz cobrioa de panos verdes, em tal guiza que cuidassem que erão ramos, ca entonce Douro era cuberto de huma parte e da outra darvores; e esse rey Ramiro vestiosse em panos de veleto, e levou consigo sa espada, e seu corno, e falou com seu filho e com os seus vassalos que quando ouvissem o seu corno que todos lhe acorressem, e que todos jovecem pela ribeira per antre as arvores, fora poucos que ficassem na nave para mantela, e el foice estar a huma fonte que estava perto do castello; e Abencadão era fora do castello, e fora correr seu monte contra Alfão; e huma donzella que servia a rainha levantouce pela menhã que lhe fosse pela agoa para as mãos; e aquella donzella havia nome Ortiga; e ella na fonte achou iazendo rey Ramiro, e nom o conheceo, e el pediolhe dagoa pela aravia e ella deulha por hum autre, e el meteo hum camafeo na boca, o qual camafeo havia partido eom sa molher a rainha pela meadade; el deuse a beber, e deitou o anel no autre, e a donzella foice, e deo agoa a rainha, e cahio-lhe o anel na mão, e conheceoo ela logo: a rainha perguntou quem achara na fonte: ella respondeu que não era hi ninguem: ella dice que mentia, e que lhe nom negace, ca lhe faria por ende bem, e merce; e a donzela lhe disse entom que achara hum mouro doente e lazarado, e que lhe pedira d'agoa que bebece, e ella que lha dera; e entonce lhe disse a rainha que lhe fosse por el, e se hi o achasse que lho adusese. A donzela foi por el, e dicelhe ca lhe mandava dizer a rainha que fosse a ella; e entonces rey Ramiro foise com ella; e el entrando pela porta do paço conheceo-o a rainha, e dicelhe -- «Rey Ramiro quem te aduse aqui?» -- E el lhe respondeu -- «ca o teu amor» --: e ella lhe dice que vinha a morrer, e elle lhe respondeu, ca pequena maravilha; e ella dice a donzela que o metese na camara, e que lhe não dese que comese nem que bebece; e a donzela pensou del sem mandado da rainha; e el jazendo na camara chegou Abencadão e derãolhe que jantace, e depois de jantar foise para a rainha; e desque fizerão seu plazer, disse a rainha -- «se tu aqui tivesses rei Ramiro, que lhe farias?» -- O mouro então respondeu -- «o que el a mi faria: matalo.» -- Então a rainha chamou Ortiga que o adusese da camara, e ella assim o fez, e aduseo ante o mouro, e o mouro lhe disse -- «es tu rey Ramiro?» -- e elle respondeu -- «eu sou» -- e o mouro lhe perguntou -- «a que vieste aqui?» -- elrey Ramiro lhe disse entom -- «vim ver minha molher que me filhaste a torto; ca tu havias comigo tregoas, e nom me catava de ti:» -- e o mouro lhe disse -- «vieste a morrer; mas querote perguntar: se me tiveces em Mier que morte me darias?» -- Elrey Ramiro era muito faminto e respondeolhe assim -- «eu te daria um capão assado e huma regueifa, e fariate tudo comer, e dartehia em cima en sa çapa chea de vinho que bebesses: em cima abrira partas do meu curral, e faria chamar todas as minhas gentes, que viessem ver como morrias, e fariate sobir a um padrão, e fariate tanger o corno, ate que te hi sahice o folego.» -- Então respondeo Abencadão -- «essa morte te quero eu dar.» -- E fez abrir os currais, e fezeo sobir em hum padrão que hi entom estava; e começou rey Ramiro enton em seu corno tanger, e começou chamar sua gente pelo corno que lhe acorressem, ca agora havia tempo; e o filho como ouvio, acorreolhe com seus vassallos, e meterão-se pela porta do castello, e el deceuse do padrom adonde estava, e veyo contra elles, e tirou sa espada da bainha, e descabeçando ata o menor mouro que havia em toda Gaya, andarão todos a espada, e nom ficou em essa villa de Gaya pedra sobre pedra que tudo não fosse em terra; e filhou rey Ramiro sa molher com sas donzellas, e quanto haver ahi achou, e meteu na nave, e quando forão a foz d'Ancora amarrarão as barcas, e comerão hi e folgarão, e D. Ramyro deitouce a dormir no regaço da rainha, e a rainha filhouce a chorar, e as lagrimas della caerão a D. Ramiro pelo rostro, e el espertouse, e diselhe, porque chorava, e ella diselhe -- «choro por o mui bom mouro que mataste» -- e então o filho que andava hi na nave ouvio aquella palavra que sa madre dissera, e disse ao padre -- «padre não levemos comnosco mais o demo.» -- Entom rey Ramiro filhou uma mo que trazia na nave, e ligoulha na garganta, e anchorouha no mar, e des aquella hora chamarão hi Foz d'Ancora. Este Ramiro foice a Myer e fez sa corte, e contoulhe tudo como lhe acaecera, e entom baptisou Ortiga, e casou com ella, e louvoulho toda sa corte muito, e poslhe nome D. Aldara, e fege nella hum filho, e quando naceo poslhe o padre o nome Albozar, e disse entom o padre, que lhe punha este nome porque seria padre e senhor de muito boa fidalguia; e morreo rey D. Ramiro. Deos lhe aya saude a alma, requiescat in pace.

(in Portugaliae Monumenta Historica, Scriptores, pp. 180-181; transcrito do Projecto Vercial)

21 fevereiro 2006

Lalibela, Etiópia

Foto: jonslupek


Diante destas imagens, um amigo meu abriu a boca de espanto e exclamou: «Eu pensava que na Etiópia só havia crianças a morrer de fome!» Mas não, na Etiópia não há só crianças a morrer de fome.

Com efeito, estas imagens referem-se a Lalibela, um santuário cristão copta situado no planalto etíope, a 2700 metros de altitude. O santuário é constituído por 11 igrejas do séc. XIII que foram esculpidas na rocha vulcânica e não construídas com blocos de pedra. Cada uma das igrejas é, portanto, inteiriça; é a rocha local talhada pela mão do homem. Já houve quem chamasse a Lalibela a 8ª maravilha do mundo. Está classificada pela UNESCO como Património da Humanidade.

Lalibela, antes de ter este nome, chamava-se Roha. Era a capital da Etiópia no séc. XIII e tomou o seu actual nome do soberano que mandou fazer o santuário, o qual se chamou Lalibela. Diz a lenda que foi Deus que lhe ordenou que construísse 10 igrejas monolíticas, a fim de servirem de ponto de peregrinação para os cristãos, em substituição de Jerusalém que tinha sido conquistada pelos muçulmanos.

O estilo das igrejas de Lalibela não se encontra em mais nenhum país do mundo. É etíope. Africano, portanto. Quem disse que em África só há crianças a morrer de fome?


Foto: jonslupek

19 fevereiro 2006

Canções do Zeca



A luminosidade da música de Zeca Afonso é insuperável. A cristalinidade da sua voz também. Aqui estão vinte e sete canções de Zeca Afonso prontas a serem ouvidas, juntamente com as suas letras.

Shalom, Rua da Judiaria



É com o maior gosto que anuncio o regresso do judeu português Nuno Guerreiro ao ciberespaço. O seu blog, chamado Rua da Judiaria, é das coisas mais preciosas que existem em toda a blogosfera, aliando uma cuidada apresentação gráfica a um conteúdo de excepcional qualidade.

Mesmo eu, que simpatizo muito mais com a causa palestiniana (mas não com o Hamas) do que com aquilo que Israel tem sido e tem feito até agora, não consigo deixar de me alegrar sempre que o serviço Bloglines me informa que há um artigo novo na Rua da Judiaria para eu consultar. Apresso-me logo a abrir o blog e a ler, ver e ouvir aquilo que Nuno Guerreiro tem para nos oferecer. Este judeu nunca me desiludiu.

Shalom, Nuno Guerreiro (que não conheço pessoalmente). Bom regresso ao espaço virtual e os meus mais sinceros desejos de uma total recuperação da saúde da sua mãe.

18 fevereiro 2006

Um penteado muito prático

( Recebido por email)

16 fevereiro 2006

O Homem da Maça


Não, não falta nenhum acento. É mesmo maça e não maçã.

Realizaram-se há dias em Santa Cruz do Bispo, no concelho de Matosinhos, as festas anuais em honra de S. Brás. O local da realização das festas é um monte muito aprazível (mais no Verão do que agora no Inverno, é claro!), chamado Monte de S. Brás, onde existem duas capelas: a capela de S. Brás propriamente dita e a capela de Nossa Senhora do Livramento, mais pequena do que a outra e separada dela por uma ponte que passa sobre a estrada.

A capela de S. Brás propriamente dita não tem nada de especial. É uma capela igual a muitas outras espalhadas por este Entre-Douro-e-Minho fora. A outra capela é mais interessante e possui no seu interior um belo conjunto de ex-votos, isto é, pinturas ingénuas que o povo pintou em honra do santo ou de Nossa Senhora, descrevendo e agradecendo milagres. Vale a pena ver os ex-votos. O problema é que a capela está sempre fechada e praticamente só abre uma vez por ano, por ocasião das festas.

Além das duas capelas, estão no Monte de São Brás as duas esculturas de granito que se vêem na foto acima: um animal parecido com um leão e um homem, a que o povo chama "O homem da Maça".

(...)É a ele que as raparigas casadoiras vão para lhe pedir um rápido casamento e os casais que a sua união seja abençoada com um rebento. Caso as pretensões sejam atendidas, no ano seguinte vai-se ao Homem da Maça e parte-se uma garrafa cheia de vinho na cabeça da estátua. Ainda agora, no domingo de festa, estes rituais são repetidos. No entanto, o vinho é muitas vezes substituído pela cerveja. A poupança assim o obriga.

(in Matosinhos Hoje)

"Antigamente é que era", repetem ainda hoje as pessoas que marcam encontro com a romaria. No tempo que em tudo se processava a pé, vinha-se até S. Brás em rusgas e grupos de algazarra, para fazer, sobretudo a juventude, a tradicional romaria a S. Brás e ao "Homem da Maça", que para o povo tudo era o mesmo. E cantava-se:

Meu rico S. Brás da Maça
A vós me vou abraçar.
Arranjai-me um namorado;
Solteira, quero casar.

Mandaste-me esperar
Na capela de S. Brás;
Esperei e não vieste,
Tens palavra de rapaz!"

(in Extractos de "Monografia de Santa Cruz do Bispo")

Cegarrega

Minha mãe teve dez filhos
todos dez dentro de um pote:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão nove

Desses nove que ficaram
foram amassar biscoito:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão oito.

Desses oito que ficaram
foram pentear o tapete:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão sete.

Desses sete que ficaram
foram esperar os reis:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão seis.

Desses seis que ficaram
foram depenar um pinto:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão cinco.

Desses cinco que ficaram
foram depenar um pato:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão quatro.

Desses quatro que ficaram
foram matar uma rês:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão três.

Desses três que ficaram
foram dar comida aos bois:
deu o tranglomanglo neles,
não ficaram senão dois.

Desses dois que ficaram
foram matar um peru:
deu o tranglomanglo neles,
e não ficou senão um.

E esse um que ficou
foi ver amassar o pão:
deu o tranglomanglo nele,
e acabou-se a geração.

(in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa)

14 fevereiro 2006

Ícone ucraniano


Virgem Platytera (Orans), séc. XII, Museus do Vaticano.

13 fevereiro 2006

Agostinho da Silva

Neste dia em que se completam 100 anos sobre o nascimento de Agostinho da Silva, eu não podia deixar de evocar o Mestre e Pensador.


Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros, se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu, do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus.

Se o Criador o tivesse querido juntar a mim, não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence.

São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.

(Agostinho da Silva)

12 fevereiro 2006

Assim dá gosto ser tripeiro


O meu orgulho tripeiro ficou ainda mais inchado quando deparou com um novo fotoblog sobre o Porto (e não só). De seu nome Não sei pra mais, o blog já tem algumas belas fotografias desta cidade, como a que se reproduz aqui ao lado, que é da autoria de JC e mostra pombas sobrevoando o telhado do mercado do Bolhão.

Soube da sua existência através de um outro blog, chamado Akiagato, onde o Porto também ocupa um lugar preponderante, nomeadamente através de uma galeria de portuenses ilustres já bastante extensa, que o seu autor dedicadamente vai mantendo e acrescentando.

Com blogs como estes, e ainda como o Cidade Surprendente, já aqui referenciado, e como o Dias com Árvores, em que o Porto ocupa também um lugar de destaque, a minha cidade está bem representada, em termos de qualidade, na blogosfera.

Assim dá gosto ser tripeiro.

11 fevereiro 2006

Cidade

Foto: garciaa100

Em 1960, o Rotary Clube de Luanda publicou um opúsculo com um longo poema chamado "Cidade", da autoria do poeta e médico angolano Cochat Osório.

Nesse poema, o autor imagina-se à janela da sua casa de Luanda, desde antes do amanhecer até depois de o sol raiar, observando a cidade que acorda e vai saindo para a rua. Ele vê o operário a caminho da oficina, vê o polícia, vê a quitandeira, vê as crianças a dirigirem-se para a escola e, por fim, já com o sol alto, vê chegar a casa, depois de uma noite inteira de farra, os membros da classe mais privilegiada, parasitária e ociosa. O poema acaba da seguinte maneira:

(...)

26

Há um sabor gostoso da manhã
nesta mancha da gente que procura
animar a cidade que a não vê.
A cidade que pensa que a cidade
é só daqueles que nunca acordam cedo
e alugando um polícia para cada medo
conseguem saturar esta cidade imensa
da sua vadiagem tola e vã.

27

Mas eu sei que não é!

Esta cidade,
a terra desta gente,
a terra do trabalho que consome
e que contenta
e mata a fome;
esta cidade de calor,
com sangue
e carne
e fel
e amor
e corpo de cidade;

que é cheia de trabalho e de suor
e força
e dignidade;
cidade com as cores do arco-íris,
que o sol acorda e pinta
com as tintas de sangue da paleta inquieta
dum pintor
que além de ser pintor inda é poeta;

a cidade que vibra intensamente
e grita
essa mensagem quente de vigor
e de ansiedade
que é o sangue da gente misturado à cor
da cor
duma cidade;

esta cidade quente
fantasiada com a luz potente
do sol
e da manhã;
cidade que recebe do trabalho
a condição humana;

terra que o sol queimou para a tornar mais sã;

é feita com a força consciente
da luta continuada desta gente
que vive
e sofre
e ri
e canta
e sente
e encharca de suor os dias da semana!

(Cochat Osório, in "Cidade", Luanda 1960)

Foto: trent_gtp

10 fevereiro 2006

Pegadas de dinossauro


Estas pegadas estão a norte do Cabo Espichel, no concelho de Sesimbra, entre o cabo e a pequena Praia dos Lagosteiros. Não são muito fáceis de encontrar, embora possa parecer o contrário. Podemos passear por cima delas e verificar que elas estão mesmo impressas na rocha dura. Cada uma das pegadas é bastante maior do que um pé humano.

Vendo assim as pegadas com o mar ao fundo, temos a impressão de que o bicharoco foi dar um mergulho e que poderá regressar a qualquer momento. A solidão que se sente na zona reforça esta sensação.

08 fevereiro 2006

"Lavradores ricos" de Gondomar



Em finais do séc. XIX, era assim que os casais abastados de lavradores de Gondomar se vestiam nos domingos e dias de festa.

Estes trajes são autênticos e pertencem ao espólio do Orfeão Universitário do Porto, instituição académica de que fiz parte.

07 fevereiro 2006

A matéria escura



O Sol -- e nós com ele -- encontra-se situado num dos ramos da Via Láctea, que é a galáxia a que nós pertencemos e cuja configuração aproximada, em espiral, se encontra esquematizada na figura que acima se apresenta.

Acontece que a Via Láctea roda em torno do seu centro com uma velocidade tal que o Sol deveria ser "cuspido" dela por acção da força centrífuga, apesar da atracção feita por toda a matéria de que a galáxia é constituída: milhões e milhões de estrelas, planetas, cometas, gases, poeiras, pedregulhos e tudo o mais. Por outras palavras, a atracção gravitacional exercida por toda a matéria que constitui a Via Láctea não é suficiente para que o Sol não lhe fuja.

Mas o Sol não lhe foge, continua preso a ela. O que será que o prende? Além da matéria comum referida, o que prende o Sol à Via Láctea deverá ser uma espécie de matéria, que também deve existir mas que não se consegue ver, nem com os mais poderosos telescópios de que dispomos, qualquer que seja a faixa do espectro electromagnético em que eles observem: ondas de rádio, micro-ondas, infravermelhos, luz visível, ultravioletas, raios X ou raios gama.

O que prende o Sol à Via Láctea, além da matéria comum referida, deverá ser uma espécie de matéria, que também deve ser transparente, pois não nos impede de ver as incontáveis galáxias que se estendem pelo espaço fora.

É realmente muito estranho que os nossos telescópios consigam ver galáxias e enxames de galáxias que estão situados a centenas de milhões de anos-luz de distância de nós, mas não consigam ver a matéria que, aqui "à mão de semear", nos prende à nossa própria galáxia. A esta matéria, que é invisível e transparente, que não brilha nem tem carga eléctrica, os astrónomos deram o nome de "matéria escura" ou "matéria negra".

Agora, um grupo de investigadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que tem observado o movimento de 12 galáxias anãs que orbitam em torno da Via Láctea, conseguiu deduzir algumas propriedades de tão estranha matéria. Segundo eles, a matéria escura existente no espaço encontra-se agregada em blocos. Cada um dos blocos tem uma extensão que não poderá ser inferior a 1000 anos-luz, possui uma massa equivalente a 30 milhões de vezes a massa do Sol e encontra-se a uma temperatura de 10.000 graus centígrados. A notícia em inglês desta descoberta pode ser lida aqui e aqui.

(1 ano-luz = 9.460.800.000.000 quilómetros, aproximadamente)

06 fevereiro 2006

Reza, Maria

Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!

Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos, Maria!

Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras, são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos, Maria!

Crias morrem á míngua de pão
vermes na rua estendem a mão à caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!

Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos os que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança

Ah! Maria
põe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
põe as mãos
e reza, Maria!

(José Craveirinha, poeta moçambicano, sobre cuja morte se completam hoje três anos)

05 fevereiro 2006

Amadeo de Souza-Cardoso



Esta magnífica pintura e colagem, que aos nossos olhos parece tão actual, foi afinal feita há cerca de 90 anos!

O seu autor foi Amadeo de Souza-Cardoso, um pintor modernista português que morreu em 1918 com apenas 31 anos de idade, vítima de pneumonia, quando ainda havia tanto a esperar da sua arte. Almada Negreiros e Vieira da Silva que me perdoem mas, para mim, Amadeo é que foi o maior pintor português do séc. XX.

Esta tela que eu aqui mostro, juntamente com mais três ou quatro outras obras de Amadeo, pode ser admirada no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, mas muitas mais podem e devem ser admiradas em Amarante, no museu que tem o nome do artista. O museu ocupa uma parte das instalações do antigo convento de S. Gonçalo.

A respeito das obras que estão em Amarante, José Saramago escreveu, em "Viagem a Portugal", que elas são «como se o pintor, acabada a obra, tivesse saído agora mesmo para a sua casa de Manhufe onde a vindima o estava esperando». Realmente, vendo-as, temos a sensação de que elas foram pintadas hoje mesmo de manhã, e que estão ali dependuradas para secarem a tinta. Ninguém diria que elas foram pintadas há noventa a cem anos.

Se outras razões não houvesse para se visitar Amarante (e há muitas e boas), o Museu Amadeo de Souza-Cardoso, por si só, justificaria plenamente uma deslocação propositada àquela bela cidade.

04 fevereiro 2006

Um trava-línguas

Dizer tão depressa quanto possível sem se atrapalhar:

As pedras do meu balcão
Não estão bem desentrambiquadrilhadas.
Vou chamar o mestre desentrambiquadrilhador
Para as desentrambiquadrilhar melhor.

03 fevereiro 2006

Música moçambicana


Hoje de manhã, ouvi no programa Network Africa, da BBC, esta marrabenta.

02 fevereiro 2006

Imagens e sons da Guiné-Bissau


... e também imagens de Évora coberta de neve.

Jorge Neto, que se encontra na Guiné-Bissau, edita um excelente blog para onde debita aquilo que vê, ouve e sente naquele país irmão.

Além dos textos que redige, Jorge Neto inclui no seu blog várias fotografias (uma das quais está aqui em cima) e agora, também, sons por si gravados.

O seu artigo sobre os chimpanzés do sul da Guiné, nomeadamente, é acompanhado por uma autêntica reportagem radiofónica feita com grande profissionalismo.

Um blog a merecer atentas visitas frequentes, este Africanidades.

01 fevereiro 2006

"Simulador de voo" no Excel


O programa Microsoft Excel dispensa apresentações. É uma ferramenta de trabalho indispensável em muitas actividades e profissões. «É uma ferramenta de trabalho», disse eu? É, de facto é uma ferramenta de trabalho... mas não só. Também pode servir para brincar, graças a uma espécie de simulador de voo que traz incorporado em si mesmo, de uma forma bastante encapotada.

Então, para se poder voar com o "simulador de voo" devem seguir-se os seguintes passos:

1. Abrir uma folha em branco no Excel;

2. Carregar na tecla F5 ou seleccionar Edit -> Go To, que dá o mesmo resultado;

3. Na pequena janela Go To que aparece, escrever, no campo Reference, L97:X97;

4. Carregar na tecla Enter ou, se se preferir, seleccionar o botão OK com o rato; se surgir uma mensagem de erro, repetir o passo 2, escrever R97C12:R97C24 no campo Reference da pequena janela Go To e carregar em Enter ou em OK;

5. Carregar na tecla Tab (tabulação) uma vez;

6. Carregar simultaneamente nas teclas Control e Shift;

7. Mantendo estas teclas carregadas, seleccionar com o rato o ícone Chart Wizard;

8. Et voilà!!! O "avião" é controlado pelo rato;

9. Sai-se do "simulador de voo" carregando na tecla Escape;

10. Para se voltar ao "simulador" é preciso fechar o Excel, voltar a abri-lo e repetir os passos 2 a 7.

Aposto que o pessoal da Microsoft que fez o Excel introduziu este "simulador" no programa à sucapa, sem o Bill Gates saber... Agora de certeza que ele já sabe, é claro!