02 abril 2024

As alterações climáticas e o movimento de rotação da Terra


As leis da Física em ação. Qualquer patinadora no gelo sabe que, para poder rodopiar mais depressa, tem que encolher os braços e juntar as pernas

Alguns órgãos de comunicação social deram a notícia de que o aquecimento global está a alterar a velocidade de rotação da Terra. Esta alteração será mínima, mas é detetável graças aos relógios atómicos, que são relógios tão rigorosos que só se atrasam ou adiantam um segundo em milhões de anos!

Os relógios atómicos (assim chamados porque são baseados em transições do estado de excitação de átomos de césio) fazem parte das nossas vidas mais do que possamos imaginar. São eles, por exemplo, que regulam o funcionamento das redes de telecomunicações e dos sistemas de geolocalização, como o GPS e outros. Sempre que vemos as horas no nosso telemóvel ou no nosso computador, são as horas vindas de um relógio atómico que vemos, as quais chegam até nós através da rede. Se a comunicação com a rede falhar, a contagem do tempo não se perde, porque os relógios de quartzo contidos nos próprios dispositivos ficam a funcionar autonomamente, até que uma nova sincronização volte a ser possível.

Cada operador de telecomunicações possui um ou mais relógios atómicos, que regulam o funcionamento das suas redes e que se encontram por sua vez sincronizados com o do Observatório Astronómico de Lisboa, no caso de Portugal, que é o responsável pela definição da hora legal no país. Já não precisamos, sequer, de adiantar ou atrasar os relógios dos nossos dispositivos sempre que há mudança da hora de inverno para a hora de verão ou vice-versa, porque o acerto é feito automaticamente através da rede.

Um dia na Terra tem 24 horas, que é o tempo que o planeta demora a dar uma volta completa sobre si mesmo; cada hora tem 60 minutos e cada minuto tem 60 segundos. Fazendo as contas, concluímos que um dia tem a duração de 86 400 segundos. Os relógios atómicos são tão rigorosos, que permitem descobrir o aparecimento de uma qualquer variação relativamente a este valor, por mais pequena que seja.

Com efeito, o movimento de rotação da Terra não é rigorosamente uniforme, porque sofre pequeníssimas variações. Estas variações têm diversas causas, algumas das quais podem não ser, sequer, do conhecimento da Ciência, porque podem corresponder, por exemplo, a movimentos ainda não conhecidos das massas ígneas no interior do planeta. As variações de densidade e de distribuição destas massas ao longo do tempo, nomeadamente, podem interferir no movimento de rotação da Terra e, portanto, na duração dos próprios dias. Não é nada de significativo para o quotidiano das nossas vidas; trata-se de variações de mais ou menos 1 ou 2 milésimos de segundo em cada 24 horas. Estas pequenas variações anulam-se umas às outras, se forem da mesma grandeza mas de sinais opostos. Mas se forem do mesmo sinal, elas somam-se e produzem uma variação total maior, que pode continuar a crescer ao longo do tempo.

Chega um momento em que o tempo que a Terra demora a dar uma volta completa em torno do seu eixo já não coincide com o tempo medido pelos relógios atómicos, que é sempre de 86 400 × 24 = 2 073 600 segundos por dia. Esta discrepância, por muito impercetível que nos pareça, pode começar a causar problemas, por exemplo, no encaminhamento dos "pacotes" de informação que circulam na internet e que precisam de chegar ao seu destino pela mesma ordem em que foram enviados, independentemente do caminho que eles tiverem tomado, que não é obrigatoriamente sempre o mesmo, porque depende da ocupação da rede a cada momento.

Antes que surjam quaisquer problemas no funcionamento das redes, torna-se necessário fazer um ajuste, para que o dia medido pelos relógios atómicos volte a ter exatamente a mesma duração do dia real, determinado pelo movimento de rotação da Terra. Este ajuste costuma fazer-se quando a diferença entre o dia medido e o dia real é de 1 segundo, e faz-se por ocasião da passagem de um ano para o ano seguinte. Adiciona-se 1 segundo ao último minuto do ano velho, que assim fica com 61 segundos em vez de 60, e só depois é que começa o ano novo. Nós não nos apercebemos deste ajuste, mas ele é feito e é importante. O último ano que teve 1 segundo a mais foi 2016.

Um dos principais fatores que causam variações no movimento de rotação do nosso planeta é a atração gravítica entre a Terra e a Lua e também entre a Terra e o Sol. Esta atração gravítica é a principal responsável pela existência das marés, por exemplo, mas também tem outra influência: ela provoca um atrito que tende a fazer diminuir cada vez mais a velocidade de rotação da Terra. Em consequência deste atrito, ao fim de um ano medido pelos relógios atómicos, a Terra ainda não concluiu uma volta rigorosamente completa em torno do seu eixo. É preciso que passem mais alguns milissegundos até que a volta completa se dê. Ao fim de vários anos, e quando a soma de vários atrasos chegar a ser de 1 segundo, é preciso acrescentar mais este segundo ao ano velho.

Assim sucederia ao longo dos anos e dos séculos, se entretanto não interviesse um fator que escapa ao conhecimento dos cientistas: o movimento de rotação da Terra tem vindo a acelerar nos últimos anos e não se sabe porquê! Suspeita-se que a causa esteja nos referidos movimentos das massas ígneas no interior do planeta, mas ninguém tem a certeza de nada. Esta aceleração foi tal, que os cientistas até já começaram a pensar em retirar 1 segundo ao fim de vários anos, em vez de acrescentar, como sempre tinham feito.

Esta história não acaba aqui. Desde cerca de 2020, o movimento de rotação da Terra parece ter abrandado outra vez! Afinal, parece que já não vai ser preciso acrescentar ou retirar segundos, pelo menos até ao ano 2029. Mas então em que é que ficamos?

Segundo o que o cientista norte-americano Duncan Agnew escreveu na revista Nature, este novo abrandamento do movimento de rotação da Terra deve-se ao degelo das calotes polares, resultante do aquecimento do planeta. A água que estava concentrada sob a forma de gelo na Antártida e na Groenlândia, sobretudo, está a derreter e a espalhar-se pelos oceanos sob a forma líquida. Portanto, a massa de água que estava concentrada junto ao eixo (imaginário) de rotação da Terra está a afastar-se deste eixo e a fazer baixar a velocidade de rotação do planeta, como faz uma patinadora, que abranda o seu rodopio quando abre os braços ou afasta uma perna.

Comentários: 0

Enviar um comentário