28 março 2006

Kianda


Durante a convivência que tive em Angola com pessoas pertencentes às classes populares, foram-me contadas diversas lendas e contos tradicionais daquele país. Além de uma ou outra fábula com animais, a maior parte das narrativas que ouvi envolveu a figura mítica da sereia.

As gentes do povo, em Angola, acreditam convictamente na existência de sereias, que dizem ser dotadas de poderes sobrenaturais. Em quimbundo, as sereias são chamadas ianda, no singular kianda. Cada meio aquático tem uma sereia, isto é, cada rio, cada lagoa, quase cada charco tem a sua kianda, que toma o nome do rio, lagoa ou cacimba. De certa forma, ela é a encarnação do próprio meio aquático.

As histórias de sereias que ouvi mais frequentemente relatavam o aparecimento de uma sereia a um homem pobre, a quem ela revelava a existência de um tesouro. Subitamente enriquecido, o homem passava a comportar-se de modo egoísta, gastando toda a riqueza em seu proveito pessoal e não em benefício da comunidade. Como castigo, a sereia acabava por fazer desaparecer o tesouro, ficando o homem na mais completa miséria. Por vezes, o castigo era mais duro e o homem ficava para sempre encantado no fundo do rio ou da lagoa.

Há histórias de sereias em que é toda a aldeia que se comporta de modo egoísta ou avarento, sendo neste caso o castigo aplicado a toda a comunidade, que fica então encantada no fundo do lago ou do rio. Há angolanos que juram mesmo, pelo «sangue de Cristo», que ouviram o som de mulheres a pilar, de cães a ladrar ou de galos a cantar vindo de uma aldeia condenada a viver para sempre no fundo da lagoa ou do rio.

O mar também tem a sua sereia, como não podia deixar de ser. Em quimbundo, o mar chama-se kalunga, mas a sereia não se chama Kalunga. Este nome é aplicado a um outro ser sobrenatural, chamado Kalunga Ngombe ou Kalunga Ngumba consoante as regiões, que é o espírito que preside ao reino dos mortos. Por vezes, em vez de se dizer que alguém morreu (uafu) diz-se que o falecido foi levado por Kalunga (Kalunga ua mu ambata). Este nome kalunga está portanto associado a algo que é eterno, como a morte, ou imenso, como o mar. Em umbundo, Kalunga significa Deus.

A sereia do mar, por conseguinte, não tem nome próprio. Pelo menos, eu nunca o ouvi. Ela é simplesmente chamada kianda. É a Kianda por excelência, escrita com K maiúsculo, a Sereia das sereias. Quando em Angola se fala na Kianda, sem se especificar de qual delas se trata, é à sereia do mar que as pessoas se referem. Ela é a mais poderosa de todas as sereias, cujos caprichos os pescadores procuram aplacar com oferendas. A Kianda em Angola e Iemanjá no Brasil são uma e a mesma sereia.

Comentários: 14

Blogger Terra escreveu...

Amigo Denudado:
Sobre o tema das Yianda (sing. Kyanda) existem algumas controvérsias. Há quem, de facto, lhes chame sereias, mas alguns antropólogos angolanos não fazem uso desta denominação.
Para Virgílio Coelho, Kyanda, Kituta e Kiximbi são espíritos da natureza criados por Nzambi (Deus), mas ele rejeita em absoluto este paralelo com o mito da sereia.
Ruy Duarte de Carvalho, o nosso antropólogo cineasta, diz que a Kyanda pertence ao mar, mas também à terra, sendo o imbondeiro a sua árvore de eleição.

Neste texto e neste tens alguma informação sobre este assunto, a propósito da presença da Kyanda na literatura e artes plásticas angolanas.
Um beijinho.

29 março, 2006 10:58  
Blogger Terra escreveu...

Em relação ao termo Kalunga, em Cokwe também é usado para designar Deus, mas com o sentido de algo que ultrapassa o conhecimento humano (algumas doenças, por exemplo)e o próprio mar que, em princípio (dada a sua situação geográfica interior - leste de Angola, Zaire e Zâmbia), eles sabem imenso mas desconhecem.
Para Deus, os Tucokwe usam o termo Zambi e um mais velho cokwe disse-me que também utilizavam o termo Sakatanga, mas num sentido mais amplo; Criador.

29 março, 2006 11:18  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Amiga Pwo

Muito obrigado pela tua contribuição para este tema que, para ser sincero, não domino completamente. O que escrevi, resultou da minha convivência com angolanos de várias origens geográficas e étnicas. Destes angolanos, os mais cultos (no sentido europeu do termo) eram oriundos de Luanda e arredores. Eram estes que, por vezes, teorizavam um pouco sobre os assuntos abordados nas conversas e me ensinavam um pouco do quimbundo correspondente.

As conversas que tive com todos eram feitas em português. A palavra que todos usavam para a kianda era, por isso, "sereia". Todos eles sem excepção, fossem do Norte ou do Sul, do Leste ou do Oeste, descreviam as sereias como seres que apareciam sob a forma de mulheres com rabo de peixe. Influência europeia? Talvez, mas não deixo de lembrar o facto de não ter encontrado ninguém que mas descrevesse com outro aspecto. Não quero com isto contradizer o Ruy Duarte de Carvalho (de quem li um livro maravilhoso chamado "Como Se o Mundo Não Tivesse Leste"), que em conhecimentos etnológicos e experiência no terreno está a anos-luz da minha pessoa. Constato apenas um facto que me ocorreu.

Quanto à associação dos imbondeiros às ianda, confirmo que cheguei a ouvir um ou outro relato que fazia esta associação, mas já não me lembro dos pormenores.

Fico-te muito agradecido pelos textos que apontas. Não me vou estender sobre algumas contradições e incorrecções que encontrei neles. Por exemplo, a referência às ianda como sendo deusas do mar. Na verdade, não existem só ianda no mar, também existem nos rios e lagoas. Sobre este aspecto não tenho dúvidas nenhumas. Por outro lado, se uma kianda é uma deusa, então que nome é que havemos de pôr a Nzambi?

29 março, 2006 15:37  
Blogger Terra escreveu...

Denudado:
Também eu percebi alguns "problemas" nos artigos, mas infelizmente não encontrei o texto do Virgílio Coelho para to enviar. No entanto, talvez consigas encontrar em Portugal o livro "Ana a Manda: os filhos da rede", de Ruy Duarte de Carvalho.
Sendo a maioria (senão a totalidade) das religiões tradicionais angolanas monoteístas, então Nzambi, Kalunga ou Sakatanga, só existe um.
Nota: Gostaria que reparasses que a autora é brasileira ;-)
[oupss!]

29 março, 2006 19:37  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Estou completamente de acordo em como as religiões tradicionais angolanas são monoteístas. Há quem lhes chame animistas, mas não são. O animismo é a adoração das forças da Natureza. Ora os povos angolanos não adoram o deus Sol, nem a deusa Lua, nem o deus Trovão. O que eles adoram é um único Deus, o Criador, o Todo-Poderoso. a quem chamam Nzambi, Kalunga, Sakatanga ou outro nome, consoante as línguas. Quando desembarcaram em Angola, os missionários europeus não tiveram que introduzir o nome "Deus" no léxico local.

Então -- poder-se-á perguntar -- como é que iremos classificar as ianda, Kalunga Ngombe, os akixi e outras entidades sobrenaturais angolanas? Na minha modesta opinião, estas entidades são comparáveis aos anjos e aos demónios da religião católica, na medida em que são seres sobrenaturais, dotados de poderes sobrenaturais também, mas que não se podem comparar minimamente a Deus. Se ninguém se lembra de chamar deus ao arcanjo Gabriel nem a Satanás, também não se deve chamar deusa a uma kianda.

30 março, 2006 23:51  
Blogger Terra escreveu...

Denudado:
Sobre os missionários, uma achega: eles não só não tiveram de introduzir o nome de "Deus", como aproveitaram o facto do povos locais venerarem apenas um "ser superior" para melhor se insinuarem e proporem/imporem a "troca".
Uma observação: estes povos não possuem uma representação material para a encarnação de Nzambi (Deus), embora possuam intermediários.

Assim, e sobre as outras "divindades" há um aspecto que me parece interessante destacar: Não existe uma figura corpórea para a Kyanda, como existe para a sereia (metade peixe e metade mulher).

Acho que concordo contigo quando comparas (embora as comparações sejam, muitas vezes falaciosas) estas entidades aos anjos, mas temos sempre esta questão da materialização numa figura.

Quanto aos akixi, e precisamente porque eles possuem uma forma visível e que as distingue umas das outras e às suas funções e características, talvez não devam estar na mesma categoria dos outros "seres".
Os akixi representam os antepassados e validam os seus poderes perante a comunidade. Eles existem, não se imaginam.

Hoje estou um pouco a correr e, por isso, talvez não tenha sido suficientemente clara na minha intervenção. Por outro lado, esta matéria é bastante complexa para se "resolver" assim. As minhas desculpas.
Um beijinho

01 abril, 2006 08:51  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Na província do Uíge existe um rio, que corre de sul para norte e é afluente do Zaire, chamado Inkisi, embora ele seja mais frequentemente chamado Nzadi, palavra que significa "rio" em kikongo (o nome Zaire tem esta mesma origem etimológica). É o maior e mais caudaloso rio da região, além de ser o único que tem jacarés. Também tem moscas tsé-tsé.

Eu já não me lembro bem do significado do nome Inkisi. Julgo que significa "espíritos", mas não tenho a certeza. Se não for, é pelo menos um nome que se refere a espíritos. Facilmente se verifica que a raíz deste nome é a mesma de mukixi/akixi em idioma cokwe.

Explicaram-me no local que, no passado, tinham existido nas margens deste rio sociedades secretas de homens, que realizavam determinados rituais mágico-religiosos, nem sempre benfazejos, onde intervinham máscaras.

Provavelmente não por acaso, a cerca de 150 km para leste do rio Inkisi começa o território de um dos povos mais famosos do Congo e de Angola pelas suas máscaras, os Yaka.

Dito isto, julgo poder deduzir que as máscaras são indissociáveis dos espíritos na religião tradicional dos povos de Angola. As máscaras serão um meio utilizado por certos espíritos para interagirem com os vivos. Fiquei também com a sensação de que os espíritos das máscaras poderão não ser necessariamente espíritos de antepassados. Isto é, até poderão ser, mas serão espíritos dotados de poderes que ultrapassarão os de um espírito de antepassado comum.

Como sabes infinitamente melhor do que eu, cada tipo de máscara tem a sua personalidade própria. Os poderes de que estão imbuídos os espíritos que habitam um ou outro tipo de máscara também serão diferentes.

Sempre que alguém colocar uma máscara e vestir o fato correspondente, ficará possuído pelo espírito. A partir desse momento, tudo o que o mascarado fizer, não será ele que o faz, mas sim o espírito por seu intermédio.

Sendo assim, um mukixi será essencialmente um espírito, mais do que uma máscara apenas. A máscara será unicamente um suporte para o espírito se manifestar e comunicar com os humanos.

Posso estar muito errado, mas a impressão que tenho é a de que os akixi fazem parte das tais entidades sobrenaturais intermédias, como as ianda, que não são deuses nem homens e que eu comparei aos anjos e aos demónios talvez incorrectamente.

03 abril, 2006 10:32  
Anonymous Anónimo escreveu...

Olá.
Sou Francisco Ngunz'tala, do Brasil. Aqui ainda resistem várias tradições religiosas trazidas pelos nossos antepassados bantu. Entre elas está o culto aos Jinkisi (Nkisi/Mukixi). Nós os concebemos como seres divinos, como ministros de Nzambi Mpungu, ligados a uma força da natureza, como aos rios (ai entra o culto das Kiandas, que no Brasil prevaleceu sobre os nomes de Mam'etu Kissimbi, Mam'etu Nda nda Lunda, Mam'etu Kaiala e Mam'etu Nzumbà) todas ligadas as aguas doces, ao mar e aos charcos. Também temos Jinkisi (plural de Nkisi) guerreiros como Tat'etu Nkosi Mukumbe, Temos caçadores das matas e dos rios, como Tat'etu Mutakalambô e Nkongombila; Temos a Senhora dos mortos, das ventanias, da beleza, que é Mam'etu Mbulu Sena/Matamba; temos o Senhor dos Raios e da justiça, ligado ao elemento fogo, como Tat'etu Nzazi; temos o Senhor do arco iris, ligado também ao tradicional culto as serpentes, simbolos de sabedoris e riqueza, como Tat'etu Hongolo; temos o Sr. das doenças e da terra,ligado aos antepassados (Wumbe) como Tat'etu Nsumbo/Kaviungo; temos o Sr. do tempo cronológico e mitológico, que serve de guia ao povo, com sua bandeira branca, que é Tat'etu Kidembu, e o Sr. do Branco, da doçura que é Tat'etu Lembá, ou Lembarenganga.
Nossos rituais são em Kimbundo e Kicongo, todos cantados e dançados... apesar de tantos anos de escravização e de tentativa de fazer uma cultura européia hengemônica, nossos cultos, nossas dinvidades e maneiras de falar prevaleceram.
Agradeço a todos que tiver algo a colaborar sobre os assuntos em pauta, pois literatura aqui, sobre este assunto não é muito fácil. Meu e-mail é francgunzo@yahoo.com.br.
Nzambi ua Kuatensa

22 maio, 2006 21:49  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Olá Francisco Ngunz'tala. Que bom você ter aparecido por aqui, mostrando-nos um pouco da sua mitologia, cuja raíz é inquestionavelmente angolana e congolesa.

Sim, você deve sentir orgulho na sua cultura, como deve sentir orgulho no povo de que descende: um povo maravilhoso que eu tive o enorme privilégio de conhecer em Angola. Não há outro povo assim, pois conseguiu sobreviver a séculos de escravatura sem se deixar dobrar.

Eu sou português e, por isso, a mitologia bantu não faze parte das minhas raízes culturais. Os pouquíssimos conhecimentos que tenho sobre o assunto resultaram da convivência que tive com as gentes de Angola, assim como de uma ou outra leitura ocasional, pois também não sou antropólogo nem etnólogo.

As considerações que fiz acerca das ianda e dos akixi (em quimbundo chamam-se makixi, sing. dikixi) podem não estar correctas, pelo menos em parte. Por favor, não as tome como verdades definitivas, porque não são.

Esta mesma tarde encontrei dois pequenos contos em quimbundo em que os makixi surgiam, não como espíritos, mas como comedores de gente! Um desses contos termina desta maneira:

Dikixi anga ubokola mu o'nzo; usanga o muhatu uazeka, anga u mu dia ni mon'ê, kiiadi kiâ. O inzo anga ibiluka inzo ia makixi.

Tradução:

O dikixi entrou na casa; encontrou a mulher a dormir, e comeu ambos, ela e o seu fiho. A casa tornou-se casa de makixi.

No caso destes dois contos, que nome poderemos chamar em português aos makixi? Monstros? Papões? Espíritos é que não, pois nos contos eles aparecem como seres palpáveis, de carne e osso e antropófagos ainda por cima.

Como vê, tenho muitas dúvidas sobre estes assuntos e, por isso, não posso dar lições a ninguém, muito menos a um afro-brasileiro como você.

Faleceu há três ou quatro anos um escritor angolano que fez muita investigação na área da mitologia luandense. Creio que publicou vários livros sobre o assunto. O nome dele é Óscar Ribas mas, provavelmente, nenhuma das suas obras foi publicada no Brasil.

Você já procurou contactar as universidades aí no Brasil? Concerteza que muitas delas possuem departamentos dedicados à cultura afro-brasileira, onde existem pessoas que poderão ajudá-lo.

Aqui em Portugal, existem também alguns departamentos de estudos africanos em universidades. O Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (http://www.letras.up.pt/ceaup/) é um deles. O email deles é ceaup@letras.up.pt. Porque não os contacta? Não tem nada a perder.

Eu gostaria muito de ajudá-lo mais, mas não sei como. Seja como for, foi bom você ter vindo. Apareça sempre.

Um abraço

23 maio, 2006 00:01  
Anonymous Anónimo escreveu...

EU, Francisco Ngunz'tala novamente.

Toda mitologia deve ser entendida em uma contexto cultural e em uma visão geral e cosmogônica de um povo. Pegar um mito ou uma passagem isolada,não nos dá a devida compreensão. Por exemplo, se ormos na bíblia, e vermos que o Deus dos Hebreus entrava nas casas dos Egípcios e matava os promogênitos, poupando somente as casas que tinham sangue de um cordeiro sacrificado nas portas, e ficarmos somente ai, esta idéia daquela divindade vai contrastar com a idéia que foi contruída através dos séculos pelos seus seguidores. Aquela divindade, também por muitas vezes se manifestou como homem, comeu carne, bebeu vinho, lutou, e até falou pela boca de uma mula...Assim acontece com as divindades, antepassados e espíritos de origens africana em geral. As interpretações são sempre do ponto de vista do colonizador ou de pessoa que tem outra referência religiosa.
Claro que existem Jinkisi/Mukixi que tem o papel vingador e sua posição na mitologia é de punir, de perseguir, de guerrear e de colocar a prova os humanos, para que estes só passem para uma fase mais evoluída, quando realmente prontos. Mas não são maus em sim mesmos. E quando os cultuamos e os agradamos, conforme faziam nossos antepassados, temos suas graças e o equilíbrio daquelas energias.
Tat'etu Nkosi, é de fato um comedor de cabeças e devorador de almas, mas este é o seu papel social de punir os maus e de lutar pelos que estão em harmonia com os antepassados. Isto não diminui o seu mérito como divindade.
Claro que esta discussão inclui várias nuances, mais o que descrevi acima é somente para que pensemos de uma maneira geral e não particularizada.
Agradeço o espaço e a atenção de todos.
Que Nzambi Mpungu, nos abenços, sejamos brancos, negros, africanos, europeus, americanos (norte, sul e central). Pois a divindade suprema não tem dono e não se limita a nomes. Como diziam nossos antepassados: "acima de Nzambi, só Nzambi".

Agadeço pelas dicas de pesquisa.

Nzamnbi ua Kuatensala

Abraços
Ngunz'tala

25 maio, 2006 12:50  
Anonymous Tata Kitalehoxi escreveu...

Usuk'o o makamba !

Muito boa essa sua pesquisa de campo sobre Kianda. A cada dia o Candomblé de nação Angola se enrriquece a cada dia com o resgate da cultura bantu que aqui vieram e se perderam durante os tempos.


Abraços !
Tata Kitalehoxi !!

11 julho, 2010 00:04  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Usuku yu, Tata Kitalehoxi

Muito obrigado pelas suas palavras. Como afirmei nas minhas intervenções anteriores, eu não fiz nenhuma pesquisa de campo nem o poderia fazer, porque não sou antropólogo. O que aqui ficou registado resultou do convívio ameno e da troca amiga de conhecimentos e de experiências, em serões passados na companhia de gente do povo em Angola. São simples impressões que ficaram gravadas na minha alma.

Xala kyambote, dikamba

13 julho, 2010 00:34  
Blogger Eduardo Sena escreveu...

Nasci no Brasil, mas,minha mente é africana.
Sinto que sou de lá...
Pena que os colonizadores deixaram tão pouco das coisas que me interessam.Mas,mesmo sendo um assunto proibido,fui em busca de mim mesmo.
Como diziam que as tradições africanas sobreviviam no Candomblé, fui me iniciar.
Fico triste,vendo que a cultura Bantu foi tragada pela Yorubá!
Mesmo aqueles que dizem seguir a tradição Bantu,falam em orixás,ilê axé,(...)
Para entender, basta ver que fala-se em cultura africana e não em culturas africanas.
Quero agradecer a todos,pois todos me encantaram.

Kolofé!

11 junho, 2011 06:21  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Caro Eduardo Sena,

Obrigado pela sua intervenção. É evidente que existem diferenças grandes entre a cultura bantu e a cultura yorubá, mas também existem semelhanças. Basta reparar que as línguas bantu e yorubá fazem parte de uma mesma grande família linguística, a família Níger-Congo. Havendo afinidades linguísticas, não admira que também existam afinidades culturais. O caso da Kianda/Iemanjá é um exemplo disto mesmo. Julgo que a Iemanjá brasileira é ela mesma de origem yorubá, pelo menos a avaliar pelo nome. No entanto, a Kianda de Angola apresenta semelhanças tais com ela, que podemos dizer que a Kianda e Iemanjá são uma mesma entidade. Isto mesmo é o que dizem as senhoras africanas mais antigas de Luanda, quando são perguntadas sobre a Kianda. Elas afirmam: «Sabe como é no Brasil com Iemanjá? Pois aqui é igual. A Kianda é Iemanjá».

Generalizando o que acima fica dito, acho que faz sentido falar-se em cultura africana, no singular, tanto como falar-se em culturas africanas. Com efeito, existe um substrato cultural que é comum a quase todos os povos que habitam a África dita Negra. Isto mesmo foi afirmado, por exemplo, pelo grande antropólogo angolano Ruy Duarte de Carvalho, embora ele tivesse em mente, sobretudo, os povos pastoris. Escreveu ele que existem muitas afinidades entre os povos de pastores de Angola, da Tanzânia, da Etiópia, da Nigéria, enfim de toda a África a sul do Sahara. Generalizando, podemos dizer o mesmo relativamente aos povos de agricultores.

Isto não é de admirar, pois a África dita Negra foi durante muito séculos um continente praticamente isolado do resto do mundo: pelo Oceano Atlântico a oeste, pelo Oceano Índico a este e pelo imenso "oceano" de areia e rocha que é o Deserto do Sahara, a norte. De certo modo ela foi uma ilha, mas dentro dessa ilha houve migrações, contactos humanos e trocas culturais, apesar do enorme obstáculo colocado, por exemplo, pelas imensas e densíssimas florestas da África Central. Mas estas florestas podiam ser contornadas pela região dos Grandes Lagos. Acho que muito lá no fundo, a África a sul do Sahara tem uma mesma cultura, uma cultura africana, sim.

11 junho, 2011 17:38  

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