Noções elementaríssimas da Transformada de Fourier e da sua importância prática
Todos nós vivemos envolvidos em ondas, umas mais simples e outras mais complexas. Qualquer que seja a forma com que elas se nos apresentam, nós não temos meio de lhes escapar: os sons entram nos nossos ouvidos sob a forma de ondas sonoras, a luz chega aos nossos olhos sob a forma de ondas eletromagnéticas, as ondas do mar que fazem balançar um barco ancorado num cais são ondas mecânicas, os sinais que os nossos cinco sentidos enviam para o cérebro são ondas de polarização e despolarização das células nervosas, etc.
A onda mais simples que existe é a chamada onda sinusoidal, de uma simples frequência. Esta onda corresponde às funções trigonométricas chamadas seno e cosseno, que são iguais entre si na forma e só diferem no ponto de partida em que começam a ser medidas. Na figura seguinte, está representado um seno, porque no seu ponto inicial a função tem o valor zero. Se a onda começasse no seu valor máximo, seria um cosseno. Na imagem, o n.º 1 é o valor de pico da amplitude da onda, o n.º 2 é o seu valor de pico a pico, o n.º 3 corresponde ao chamado valor eficaz (de fundamental importância em eletricidade), e o n.º 4 é o período da onda, que corresponde ao tempo que a onda demora a completar um ciclo e a regressar ao seu valor inicial. Se a onda demorar um segundo a completar um ciclo, então tem uma frequência de 1 Hertz (1 Hz) ou, como se dizia antigamente, 1 ciclo por segundo.
Cada cor do arco-íris corresponde a uma onda sinusoidal de frequência única. A cor amarela, por exemplo, tem uma frequência que pode variar entre 510 e 530 Terahertz (THz), ou seja, entre 510 e 530 biliões de Hertz, consoante for mais alaranjada ou mais esverdeada.
Um diapasão produz ondas sonoras que são sinusoides puríssimas, mas só as produz a partir do momento em que se dissipar o som transitório provocado pela pancada inicial.
O matemático e físico francês Joseph Fourier, que viveu no tempo da Revolução Francesa, foi duplamente revolucionário porque, além de ter sido um ativo apoiante da Revolução, também revolucionou a Ciência. Nas suas investigações científicas, Fourier procurou compreender de que forma se processava a propagação do calor. Foi ele, aliás, a primeira pessoa no mundo a sugerir a existência do chamado efeito de estufa na atmosfera terrestre.
Quando tentava deduzir um modelo matemático para a propagação do calor, Fourier descobriu que era possível decompor uma onda periódica regular, qualquer que fosse a sua forma, numa sobreposição de ondas sinusoidais individuais. O somatório de todas estas ondas, desde a que tem a frequência fundamental (geralmente a frequência mais baixa) até à que tem a frequência mais alta (teoricamente situada no infinito) chama-se Série de Fourier.
Cada uma das sinusoides que compõem um sinal periódico tem uma amplitude própria, que também pode ter o valor zero. Na figura seguinte podemos ver como uma onda quadrada é o resultado da soma de sinusoides com as frequências f, 3f, 5f, 7f, 9f, 11f, etc. Neste caso, para que a onda resultante da soma seja quadrada, as amplitudes das sinusoides ímpares vai diminuindo à medida que aumentam as suas frequências. As sinusoides com as frequências pares (2f, 4f, 6f, 8f e assim sucessivamente) não existem, isto é, têm amplitude zero. Uma onda quadrada só tem frequências harmónicas ímpares. Em contrapartida, uma onda triangular só tem harmónicas pares.
A fórmula genérica de uma Série de Fourier tem o seguinte aspeto (não é para assustar; é só para mostrar como é) e produz, como resultado, uma função matemática no domínio do tempo.
Após ter obtido a fórmula da Série que descreve os sinais periódicos, quaisquer que eles sejam, e que tomou o seu nome, Joseph Fourier pensou que também haveria de descobrir uma fórmula que descreva um qualquer sinal não periódico, de aspeto irregular, como é o caso de um sinal registado por um sismógrafo durante um tremor de terra, o ruído provocado pela água quando sai de uma torneira ou a cintilação da belíssima estrela Sírius numa noite sem nuvens.
Considerando que um qualquer sinal irregular poderia ser, no limite, um sinal regular de período infinito, Fourier substituiu o somatório da Série por um integral e, após mais umas manipulações, chegou à sua famosa fórmula da Transformada, que também passou a chamar‑se de Fourier.
Um leigo em Matemática poderá achar que a fórmula da Transformada de Fourier é uma coisa de meter medo. Verdadeiramente não é, mas é claro que é preciso saber o que significa cada um dos seus componentes e qual é o papel que desempenha. A fórmula da Transformada de Fourier é a seguinte.
Com a descoberta desta fórmula, Fourier subiu ao Olimpo da Matemática, tornando-se um dos seus maiores "deuses". Nunca é demais salientar a extraordinária importância que a Transformada de Fourier tem para a Ciência e para a Tecnologia. As suas aplicações são inúmeras e estão por todo o lado à nossa volta.
A Transformada de Fourier transforma uma função de onda que está no domínio do tempo ou do espaço, numa outra que lhe é equivalente, mas está no domínio das frequências. Por si só, a fórmula matemática da Transformada de Fourier não nos dá uma ideia clara de como isto se passa.
Costuma-se dizer que uma imagem vale mais do que mil palavras, mas neste caso poderíamos dizer que uma imagem vale mais do que mil fórmulas matemáticas. Reparemos na imagem seguinte.
No centro desta imagem, vemos um sistema de três eixos coordenados perpendiculares entre si, x, y e z. Embora as legendas estejam em inglês, não é difícil verificar que o eixo dos xx, nos dá o tempo (neste caso), o eixo dos yy nos dá a frequência e o eixo dos zz nos dá a amplitude do sinal, que corresponde ao seu brilho, volume de som, enfim, à sua intensidade.
Colocando-nos à esquerda da imagem e olhando para a direita, vemos a evolução do sinal ao longo do tempo: o sinal original está a traço grosso; as sinusoides em que ele se decompõe estão a traço fino, aparecendo sobrepostas, independentemente da frequência que tiverem.
Cada uma das sinusoides tem uma frequência que lhe é própria. Vamos então colocá-las no eixo das frequências (eixo dos yy), cada uma delas na posição que corresponde à sua frequência, como se vê no centro da imagem.
Mudando de perspetiva, passemos para a direita da imagem e olhemos no sentido da esquerda. O que vemos são as frequências de cada uma das sinusoides, que nos aparecem sob a forma de impulsos, cuja altura indica a sua amplitude. Olhando da direita para esquerda, então, vemos o sinal no domínio das frequências. O sinal original é o mesmo; se mexermos nos impulsos, mexeremos na própria evolução do sinal no domínio do tempo.
As representações à esquerda e à direita da imagem são duas formas distintas de nos mostrar o mesmo sinal: à esquerda está a sua representação no domínio do tempo e à direita está a sua representação no domínio das frequências. O que a Transformada de Fourier faz, então, é passar um sinal que está no domínio do tempo (ou do espaço) para o domínio das frequências.
A vantagem que a Transformada de Fourier nos traz, é a de que é muito mais fácil processar um sinal no domínio das frequências do que no domínio do tempo ou do espaço. Assim, depois de termos manipulado um determinado sinal no domínio das frequências, podemos revertê-lo para o domínio do tempo ou do espaço, através da chamada Transformada Inversa de Fourier.
Só para dar uma ideia do seu aspeto, a seguir se mostra a fórmula genérica da Transformada Inversa de Fourier.
Por exemplo, um aparelho de tomografia computorizada (TAC) utiliza feixes de raios X, com os quais vai fazendo um varrimento do organismo a observar, a fim de nos mostrar o seu interior "às fatias". Como os feixes são de raios X, só têm interesse as frequências que estão dentro da gama dos raios X e não quaisquer outras, como as frequências da luz visível, proveniente das lâmpadas que iluminam a sala. Sendo assim, na aquisição do sinal a processar eliminam-se todas as frequências que não sejam de raios X, sem que o resultado final seja seriamente prejudicado.
Vivemos num ambiente cada vez mais digitalizado. Embora existam exceções, a tecnologia digital tem quase sempre claras vantagens sobre o domínio analógico, que é o do mundo que nos rodeia. Não é por acaso que os computadores, telemóveis, televisores e muitos outros equipamentos que usamos diariamente são digitais, ainda que já tenham sido analógicos no passado. Sendo assim, só teremos vantagem em poder passar igualmente a Transformada de Fourier para o domínio digital, onde poderemos manipular os sinais de uma maneira mais prática e mais conveniente. A tarefa não é fácil e, em rigor, nem sequer existe uma "Transformada Digital de Fourier". O que existe, é a Transformada Discreta de Fourier, a qual poderá ser posteriormente trabalhada por processos digitais.
A Transformada de Fourier é uma função contínua no tempo ou no espaço. Ela poderá ter intermitências, mas estas já fazem parte do próprio sinal a processar e não resultam da Transformada em si. Por isso é que a Transformada de Fourier é por vezes chamada Transformada Contínua de Fourier. Ora acontece que um sinal que seja digital não é contínuo, pois resulta de sucessivas "fotografias instantâneas" feitas a um sinal analógico: à medida que o sinal analógico vai evoluindo no tempo ou no espaço, são tiradas "fotografias instantâneas" desse mesmo sinal a intervalos regulares, as quais são seguidamente digitalizadas. Este processo é chamado amostragem do sinal. O conjunto das amostragens feitas a um sinal contínuo resulta num sinal que é chamado discreto.
Na imagem seguinte vemos, em cima, um sinal que é contínuo e, em baixo, vemos os pontos do sinal em que é feita a sua amostragem. Neste caso concreto, são 8 os pontos da amostragem.
Também existe uma Transformada Discreta Inversa de Fourier, que tem a fórmula matemática seguinte.
O meio de obter na prática uma Transformada Discreta de Fourier, dentro de um ambiente eletrónico digital, é chamado Fast Fourier Transform (em inglês), a que corresponde a sigla FFT. Em rigor, a FFT não é uma Transformada, apesar do nome, mas sim um algoritmo. É o algoritmo mais rápido e compacto que se conseguiu obter até agora para este fim e que, por isso, se chama Fast (rápido).
O sinal a ser processado, que é analógico, começa por ser filtrado por filtros analógicos, que limitam as suas frequências à banda de frequências que interessam, descartando as restantes. O sinal assim filtrado é seguidamente amostrado em intervalos de tempo iguais e os resultados da amostragem são guardados em circuitos chamados Sample and Hold, que também poderiam ser designados "memórias analógicas", que é o que eles são. Mostra-se a seguir um diagrama funcional de um circuito Sample and Hold.
Os valores recebidos e guardados em circuitos Sample and Hold passam à sua digitalização, que é efetuada em circuitos ADC (Analog to Digital Converter) situados a jusante, ficando os circuitos Sample and Hold livres para poderem receber uma nova amostragem.
A Transformada Discreta de Fourier é executada de imediato sobre os valores digitalizados, por meio do algoritmo FFT, em circuitos apropriados de Processamento Digital de Sinais. Estes circuitos realizam uma quantidade impressionante de multiplicações (que são trabalhosas e demoradas em ambiente digital, aliás), além de utilizarem memórias intermédias (que desta vez são digitais), também em quantidades colossais.
Os processadores gráficos, chamados GPU (Graphics Processing Units), sob todas as suas formas (desde as "pastilhas" de silício até às placas gráficas mais poderosas), são a "casa" por excelência do processamento digital de sinais. Estes sofisticadíssimos processadores adaptam ao nosso tempo a velhinha Transformada de Fourier, que foi formulada há duzentos anos por um matemático francês chamado Jean-Baptiste Joseph Fourier, nascido em 1768 e falecido em 1830.
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