«Feudo-tirou»
Com o título em epígrafe, Carlos Romão, em um artigo do seu excelente blog "A Cidade Surpreendente", evoca as turbulentas relações ocorridas na Idade Média entre, de um lado, os habitantes do Porto e o próprio rei de Portugal e, do outro lado, o bispo da cidade, que era também o senhor feudal da mesma.
Concretamente, Carlos Romão lembra o episódio que opôs o rei D. Sancho I e os burgueses da cidade (com destaque para João Alvo e "um tal Pedro, que ficou conhecido pela alcunha popular de «Feudo-tirou»") ao bispo Martinho Rodrigues. Não só o texto de Carlos Romão está recheado de valiosa informação histórica, como as fotografias que o acompanham são magníficas, como é timbre do seu autor.
Não quero, portanto, deixar de chamar a atenção para o artigo e para o blog no seu conjunto, que é notável.
As imagens que ilustram o artigo mostram o imponente edifício do Paço Episcopal do Porto, que foi construído no séc. XVIII. É, aliás, frequente ver-se o actual bispo do Porto, Armindo Lopes Coelho, atravessar a pé o Terreiro da Sé, indo da catedral para o paço ou vice-versa, já não como o senhor da cidade, sobranceiro para com os seus habitantes, mas sim como um simples habitante, também ele, que anda nos seus afazeres.
Aproveito a afirmação que Carlos Romão faz a certa altura, de que "no trono estava então D. Sancho I, rei de Portugal... e dos Algarves que viria a perder", para lembrar um outro episódio que envolveu este rei, ocorrido aquando da primeira conquista da cidade de Silves aos mouros, no tal Algarve que ele "viria a perder" mais tarde.
A conquista de Silves empreendida por D. Sancho I contou com a participação de uma expedição de cruzados, tal como já tinha acontecido com a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques. Consumada a conquista da cidade algarvia, logo se seguiu um combate que opôs os cruzados aos portugueses, porque, contra a vontade do rei, aqueles queriam matar todos os habitantes da cidade (incluindo os cristãos, que os havia entre os mouros; eram os chamados moçárabes), por serem "infiéis".
É claro que não foi pelos lindos olhos dos habitantes de Silves que D. Sancho I os defendeu contra os cruzados. O que o rei queria, era manter a cidade povoada, com uma população que trabalhasse e que produzisse riqueza. Uma Silves deserta não lhe serviria para nada.
Quanto mais súbditos tiver um rei e quanto mais riqueza eles produzirem, mais rico e poderoso será o soberano. D. Sancho I não era parvo nenhum. Não foi por acaso que ele ficou para a História com o cognome de "Povoador".
Comentários: 4
É verdade, tanto o Afonso Henriques, após a conquista de Lisboa, como o Sancho I, em Silves, tiveram o sentido da utilidade prática. Creio que isso não aconteceria se governassem influenciados por sondagens :)
Um abraço.
A D. Afonso Henriques, que conquistou território suficiente para a criação de um reino independente neste canto da Europa, e a D. Sancho I, que tratou de alargar e povoar este mesmo território, há a acrescentar D. Afonso II, que mandou fazer as leis básicas (Ordenações Afonsinas) a serem aplicadas neste território, assim como os fundamentos para a administração do mesmo, criando aquilo que poderemos chamar um Estado em embrião. Quando o reinado do «Gordo» chegou ao fim, Portugal estava dotado dos meios que lhe permitiram manter-se unido e independente.
Não há dúvida nenhuma de que os nossos três primeiros reis foram homens extraordinários. Sabiam o que queriam ou, se não sabiam, souberam pelo menos rodear-se de pessoas capazes de os aconselhar convenientemente.
Em relação ao Porto (na luta do seu povo contra os abusos dos nobres), Aquilino tem algumas páginas interessantíssimas em "Arcas Encoiradas" (cap. XII).
Infelizmente, nunca li as "Arcas Encoiradas" do Mestre Aquilino. Por isso, não sei a que "abusos dos nobres" se refere. O que sei, é que os nobres não podiam sequer pernoitar dentro dos muros da cidade, quanto mais residir nela! Sempre que algum nobre teimasse em passar a noite no Porto, metiam-no à força num barco e desembarcavam-no em Gaia.
Por isso é que quase não há casas brasonadas no centro histórico do Porto. Uma excepção é o palácio dos Pacheco Pereira, na Rua de Belomonte, que desde há muito, aliás, deixou de pertencer à família do "abrupto" bloguista-mor do Reino.
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