29 janeiro 2006

Uma "Madre Teresa" portuguesa


Há cerca de nove anos, tive o raro privilégio de conhecer pessoalmente uma das pessoas mais extraordinárias que já encontrei em toda a minha vida: a Irmã Maria Rita, ou Irmã Rita como também é conhecida, de seu nome completo Maria Rita Villar Saraiva Valente-Perfeito.

Ontem, ela deu uma conferência na Fundação Eng. António de Almeida, aqui no Porto, a propósito do Dia Mundial dos Leprosos, que hoje se comemora. Infelizmente, só tive conhecimento da conferência depois de ela se realizar e por isso não estive presente, com muita pena minha.

Afinal -- perguntar-se-á -- quem é essa tal Irmã Maria Rita?

É uma freira doroteia já idosa que, a partir de um dado momento da sua vida, decidiu dedicar-se de alma e coração aos leprosos, quando a lepra ainda era uma doença terrível e incurável.

Foi para Moçambique, onde desenvolveu um trabalho a todos os títulos extraordinário, em colaboração com uma freira canadiana, a Irmã Sacré-Coeur, primeiro, e com uma freira portuguesa, a Irmã Maria da Glória, mais tarde.

Tomaram conta de uma gafaria abandonada e situada a poucos quilómetros de Nampula, chamada Namaíta, a que elas deram o nome de Aldeia da Esperança. Aí desenvolveram um trabalho excepcional, de tratamento dos leprosos e de melhoria das suas repugnantes condições de vida.

Em 1983, as Irmãs Maria Rita e Maria da Glória foram raptadas pela Renamo. Caminharam pelo mato durante muitos dias, ao longo dos quais Maria Rita, com a sua energia e sentido prático, conquistou a simpatia dos guerrilheiros que as raptaram. Por isso, tanto ela como a sua companheira não foram minimamente molestadas, tendo acabado por ser libertadas com uma única condição: saírem de Moçambique para não mais voltarem.

Maria Rita veio para Portugal, mas Moçambique não lhe saía do pensamento. Não voltar a pôr os pés em Moçambique era uma exigência demasiado grande para ela, que tinha adoptado aquele país africano como sua segunda pátria. Por isso ela possui a nacionalidade moçambicana, a par da portuguesa.

Aqui em Portugal, roída de saudades, ela abordava as pessoas de pele negra que encontrava na rua, perguntando-lhes se eram moçambicanas. Se a resposta fosse positiva, logo ela dava largas ao seu entusiasmo por Moçambique.

Depois de ter passado, ainda, 5 anos na Suíça, a Irmã Maria Rita regressou finalmente, em 1989, a Moçambique, onde tomou conta de uma outra gafaria, situada na província de Tete e chamada M'condedze, a que ela deu o nome de Aldeia da Alegria.

Em 1997 regressou a Portugal, com uma nova finalidade para a sua vida: acabar com a lepra no mundo. Começou então a viajar, para tentar convencer os poderosos deste mundo a apoiá-la neste seu novo projecto. Quando eu estive com ela, a Irmã Maria Rita tinha chegado no dia anterior da Rússia, onde se tinha encontrado pessoalmente com o presidente Boris Yeltsin...

Como é oriunda de uma abastada família do Porto, a Irmã Maria Rita não se deixa intimidar pelos ricos e poderosos. Ela mesma se habituou em criança aos salões dourados da grande burguesia portuense. Por isso, ela sente-se tão à-vontade nos palácios reais e presidenciais como nas mais pobres palhotas moçambicanas. Por isso ela se atreve a tratar por tu os reis e presidentes.

Apesar de já ter nascido há 86 anos, a Irmã Maria Rita é possuidora de um assombroso entusiasmo pela causa dos leprosos. Tem mais energia e vitalidade do que muitas novas juntas. A sua entrega aos mais miseráveis deste mundo é uma lição para todos nós, acomodados que estamos às nossas vidinhas pacatas. A sua condição de menina rica e prendada da alta burguesia, que falava francês, escrevia versos, pintava quadros e tocava violino, mas que abandonou todos os confortos e riquezas para ir para África cuidar dos mais desgraçados, dá que pensar!

Comentários: 2

Blogger CN escreveu...

parece-me que a vida desta senhora daria uma belíssima história...

30 janeiro, 2006 22:31  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Completamente de acordo, prezado CN.

A propósito da erradicação da lepra, a Irmã Maria Rita está completamente convencida de que isso não só é possível, como já deveria ter acontecido há muito tempo.

A cura da lepra é bastante barata e, mesmo que o não fosse, não seria difícil conseguir todo o dinheiro necessário para ela. A lepra traz consigo uma carga emocional muito grande que vem do passado, o que leva as pessoas a abrir os cordões à bolsa mais facilmente para a sua cura do que para a cura de outras doenças. O dinheiro, portanto, não constitui problema.

Segundo a Irmã Maria Rita, o problema principal para a eliminação da doença é de carácter político. A lepra praticamente já não existe nos países mais desenvolvidos. Tornou-se numa doença praticamente exclusiva do Terceiro Mundo.

As resistências que a Irmã Rita tem sentido na sua acção resultam, segundo ela:

- da falta de empenhamento dos líderes dos países ricos em moblilizar os recursos humanos e materiais necessários, de que só eles dispõem;

- da corrupção existente em muitos países em que a lepra é endémica, o que leva a que muita da ajuda internacional seja desviada para fins ilícitos;

- da insegurança existente em muitos destes países, a qual põe em risco a integridade física das equipas médicas e de enfermagem que vierem a trabalhar no terreno.

É verdade que a humanidade conseguiu erradicar a varíola, mas também é verdade que só agora é que ela parece estar a conseguir erradicar a poliomielite, por causa das inesperadas resistências à vacinação das crianças por parte dos dirigentes dos estados do Norte da Nigéria. Estas resistências provocaram o recrudescimento da doença naquele país africano, assim como o seu reaparecimento em países vizinhos, de onde ela já tinha sido eliminada, pondo em causa todo o trabalho já efectuado.

Estas resistências à vacinação já foram levantadas, a partir do momento em que as vacinas fornecidas à Nigéria passaram a ser fabricadas na Índia e não num país ocidental.

31 janeiro, 2006 00:13  

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