Morreu António Cardoso
Morreu no passado dia 25 de Junho, com 73 anos de idade, António Cardoso, poeta angolano e resistente anticolonial. Natural de Luanda, António Cardoso esteve preso, primeiro em Luanda e depois no Tarrafal, desde 1961 até 1 de Maio de 1974, depois de uma primeira prisão ocorrida em 1959. Ele, António Jacinto e outros nacionalistas africanos foram, de todos os presos políticos que existiam à data de 25 de Abril de 1974, os últimos a serem libertados.
Um dos seus livros, chamado Poemas de Circunstância, foi reeditado em 2004.
ROMANCE
Stela era a minha pequenina namorada
nos tempos da minha infância descuidada!
Para colher o nascer do sol que tinha na boca
eu corria as barrocas e os areais vermelhos do meu bairro
e lutava assanhado com outros miúdos brancos e pretos.
De noite, quando havia muitas estrelas
e o céu era um buraco muito escuro
eu deitava-me na areia vermelha e quente do meu bairro
e no seu colo de menina
ficava calado a sentir o tempo passar.
O miúdo Artur cobiçava-ma
e que dor grande me doía cá dentro
se os via juntos a falar.
Uma vez, numa noite, de mãos dadas,
sentindo o vento molhado do tempo das chuvas,
eu disse-lhe apontando para o alto:
aquela é a minha estrela, qual é a tua?
E todas as noites
ficávamos deitados naquela minha rua antiga do Musseque Braga
a espiar as estrelas que brincavam no céu.
Stela era a minha pequena namorada
nos tempos da minha infância descuidada!
Por ela eu lutava com sardões de todos os tamanhos,
subia cajueiros impossíveis de subir
e era sempre o primeiro nas corridas.
Ela dava-me os santos que escondia de todos
como se fora o tesouro da ilha dos piratas.
E eu ficava muito sério como quando me batiam.
Um dia a minha pequenina namorada deixou o meu bairro.
Nesse dia não corri, não lutei,
não subi aos cajueiros do Musseque Braga
e os outros miúdos mais novos disseram: está doente.
E à noite, sozinho, procurei as duas estrelas
e chorei como se tivesse apanhado
a maior tareia da minha vida!
Stela era a minha pequenina namorada
nos tempos da minha infância descuidada!
(António Cardoso)
Um dos seus livros, chamado Poemas de Circunstância, foi reeditado em 2004.
ROMANCE
Stela era a minha pequenina namorada
nos tempos da minha infância descuidada!
Para colher o nascer do sol que tinha na boca
eu corria as barrocas e os areais vermelhos do meu bairro
e lutava assanhado com outros miúdos brancos e pretos.
De noite, quando havia muitas estrelas
e o céu era um buraco muito escuro
eu deitava-me na areia vermelha e quente do meu bairro
e no seu colo de menina
ficava calado a sentir o tempo passar.
O miúdo Artur cobiçava-ma
e que dor grande me doía cá dentro
se os via juntos a falar.
Uma vez, numa noite, de mãos dadas,
sentindo o vento molhado do tempo das chuvas,
eu disse-lhe apontando para o alto:
aquela é a minha estrela, qual é a tua?
E todas as noites
ficávamos deitados naquela minha rua antiga do Musseque Braga
a espiar as estrelas que brincavam no céu.
Stela era a minha pequena namorada
nos tempos da minha infância descuidada!
Por ela eu lutava com sardões de todos os tamanhos,
subia cajueiros impossíveis de subir
e era sempre o primeiro nas corridas.
Ela dava-me os santos que escondia de todos
como se fora o tesouro da ilha dos piratas.
E eu ficava muito sério como quando me batiam.
Um dia a minha pequenina namorada deixou o meu bairro.
Nesse dia não corri, não lutei,
não subi aos cajueiros do Musseque Braga
e os outros miúdos mais novos disseram: está doente.
E à noite, sozinho, procurei as duas estrelas
e chorei como se tivesse apanhado
a maior tareia da minha vida!
Stela era a minha pequenina namorada
nos tempos da minha infância descuidada!
(António Cardoso)
Comentários: 6
Esse é um dos textos que marcou minha infância e Adolescencia... despertou meu interesse pela arte literária. vou adicionar este blog nos meus favoritos
Muito obrigado pelas simpáticas palavras de ambos. Bem hajam.
foi se o homem, mas ficam as escritas tão quente como o sol de novembro.
Muito obrigado, caro Jelson Ngombe, pelo seu comentário. O Luandino Vieira contou que, no campo de concentração do Tarrafal, o António Cardoso e o António Jacinto nunca se deixaram dobrar pelos guardas, nem um bocadinho, apesar dos inúmeros castigos e torturas de que foram alvo. Um abraço e volte sempre.
amo muinto as escritas do Luandino,
O texto Tem quantos paragrafos
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