11 março 2007

Merce Cunningham e John Cage



Um artigo sobre dança contemporânea, publicado pela minha amiga Phwo no seu blog "Às vezes (des)organizo-me em palavras...", refere o nome do coreógrafo norte-americano Merce Cunningham. Eu não entendo nada de dança, seja ela clássica, moderna, contemporânea, tradicional ou outra. Mas Merce Cunningham foi importante para mim, pois ele ajudou a formar a minha sensibilidade estética quando apresentou um espectáculo que nunca mais esqueci, nos já longínquos anos 60, no Cine-Teatro Vale Formoso, aqui no Porto.

Nessa altura, o bailarino e coreógrafo americano apresentou-se perante o público portuense com a sua própria companhia de dança e fez-se acompanhar pelo polémico (no mínimo...) compositor, também americano, John Cage, falecido há muito poucos anos.

Em vez de discorrer aqui sobre a obra de Merce Cunningham, tarefa para a qual não estou minimamente habilitado, resolvi partir à procura do seu nome no You Tube. Encontrei o video que abaixo apresento, intitulado Merce Cunningham digest, e encontrei, também, uma série mais longa de três videos sobre um seu bailado intitulado Beachbirds for Camera. Aconselho a que se veja este belo bailado, estando a primeira parte aqui, a segunda parte aqui e a terceira parte aqui. A música deste bailado é do já citado Jonh Cage.

John Cage foi um compositor que ultrapassou todas as barreiras e todas as convenções, sendo frequentemente chamado louco, provocador e outros epítetos menos próprios. A sua obra mais emblemática é uma peça em três andamentos chamada 4 Minutos e 33 Segundos, que é uma peça em que não se toca rigorosamente nada! O maestro António Victorino de Almeida chamou-lhe "concerto para silêncio"... O You Tube também tem um video com a (não) interpretação desta peça por uma orquestra sinfónica, o qual pode ser visto e (não) ouvido aqui.

No caso do espectáculo de Merce Cunningham a que assisti no Vale Formoso, a mais polémica peça de John Cage, ao som da qual os bailarinos dançaram, foi uma sucessão de anedotas! Assim, enquanto os bailarinos evoluíam no palco, uma voz de homem contava várias anedotas em quatro ou cinco línguas, entre elas o português. Todas as anedotas tinham a mesma duração, que era um minuto, se não me falha a memória. Se a anedota fosse comprida, era contada depressa; se fosse curta, era contada devagar. A verdade é que quase todas as anedotas tinham imensa piada e o público fartou-se de rir durante a peça...

No dia seguinte, um jornal da cidade publicou uma entrevista com John Cage, feita a seguir ao fim do espectáculo. Na entrevista, o jornalista pediu desculpa a John Cage pelo comportamento do público do Porto, dizendo que era um público atrasado, por se ter rido de uma sua peça... O compositor respondeu que o jornalista não tinha que pedir desculpa nenhuma e que, pelo contrário, até achou que o público do Porto era muito evoluído, pois aplaudiu muito o espactáculo no fim. E acrescentou: «Na semana passada, em Paris, atiraram-nos tomates e ovos podres»...

Cabe ainda dizer que o coreógrafo Merce Cunningham voltou com a sua companhia ao Porto há dois ou três anos, mas não pude assistir ao espectáculo por razões ponderosas, o que muito me entristeceu.

Para terminar, um apontamento melancólico. Ao palco do Cine-Teatro Vale Formoso, que Merce Cunningham pisou, sobem agora os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus para fazerem exorcismos e curas milagrosas. A IURD não ficou com o Coliseu, mas ficou com o Vale Formoso. Assim acabou um cine-teatro que eu muito estimava, pois nele assisti a muitos e bons filmes durante a minha infância, além do inesquecível espectáculo de Merce Cunningham & Dance Company.

Comentários: 7

Blogger Terra escreveu...

Denudado: só para te dizer que li e escrevi um comentário que, na altura de publicar... deu erro. Fiquei furiosa e sem inspiração para o repetir. Mas voltarei, quando a calma permitir que reconstitua o que escrevi.
;-)
Um abraço.

12 março, 2007 20:02  
Blogger Terra escreveu...

Cá estou eu, novamente!
Dizia-te eu (no comentário desaparecido) que, para quem diz nada perceber de dança, tens aqui um excelente post.
Agradeço também a referência ao meu blog.
Embora, de um modo geral, não seja grande apreciadora das opções criativas de M. Cunningham (exceptuando-se algumas das suas peças)reconheço e valorizo o seu mérito enquanto inovador, bem como a sua capacidade de ter acompanhado as evoluções tecnológicas trazidas com o tempo e de as introduzir nos seus trabalhos. M. C. foi um dos primeiros a criar software para dança. Estou a lembrar-me do programa
Life Forms
.
Porque mais de um século de carreira, não cabem neste pequeno espaço, deixo aqui uma porta para o site oficial desta elevada figura da dança mundial.
Um abraço e obrigada por partilhares comigo este gosto pela dança, a qual é tão mais difícil de discutir nas chamadas conversas de cultura geral, apesar de viver do (e no) mais antigo património do ser humano - o corpo.

12 março, 2007 21:38  
Anonymous Anónimo escreveu...

gotei da inforamções do teu texto,volto sempre

12 março, 2007 23:52  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Phwo, a mim já aconteceu duas ou três vezes o aparecimento de uma mensagem de erro e o total apagamento do texto escrito. Está visto que a nova versão do Blogger ainda tem uns bugs. Temos que nos habituar a guardar o nosso texto num ficheiro antes de procedermos à sua publicação. Se houver um erro, poderemos repor o texto sem precisarmos de o reescrever.

Criar software para a dança, ainda por cima a três dimensões, deve ser uma tarefa muito -- mas mesmo muito -- complicada. É por isso notável que o Merce Cunningham, que não é informático nem pouco mais ou menos, se tenha metido nessa tarefa. Subiu ainda mais na minha consideração.

Há um ponto que me esqueci de referir no video Merce Cunningham digest. O bailado que se vê logo no início do vídeo foi um dos bailados que foram apresentados no espectáculo que vi aqui no Porto. Como se pode ver no vídeo, os bailarinos evoluem por entre varas verticais espalhadas pelo palco. Acontece que estas varas não são umas varas quaisquer. São antenas de rádio, que enchem o palco com campos electromagnéticos, os quais, ao interferirem-se mutuamente, produzem assobios num receptor de rádio. O receptor, por sua vez, está ligado aos amplificadores da sala. Ao movimentarem-se por entre as antenas, os bailarinos modificam com os seus corpos os campos electromagnéticos, fazendo variar a frequência e a intensidade dos assobios. Assim, os sons que se ouvem nos altifalantes da sala são a reprodução sonora das movimentações e dos gestos dos bailarinos. No vídeo, esta interacção entre bailarinos e som não se nota muito, mas asseguro-te que no espectáculo a que assisti o efeito resultou em pleno.


Ediney, volte sempre que quiser, que será bem-vindo. Gostei muito do seu blog. Você escreve muito bem. Parabéns.

14 março, 2007 00:55  
Blogger Frioleiras escreveu...

"apanhei"... por acaso..
este blog
e
gostei, gostei muito...........

21 março, 2009 01:59  
Blogger Mariáh Voltaire escreveu...

Muito legal esse seu post sobre Merce Cunningham!

Estou fazendo uma pesquisa sobre ele para um trabalho da faculdade, qualquer coisa ajuda muito!

beijos

31 agosto, 2010 23:06  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Prezada Frioleiras,
Eu também gostei muito do seu blogue, que não tem frioleiras nenhumas. Apareça sempre que quiser.

Cara Mariáh Voltaire,
Espero que este material tenha alguma utilidade para si. Como disse no artigo, eu não entendo de dança, mas Merce Cunningham teve muita influência na formação dos meus gostos pessoais. Volte sempre.

01 setembro, 2010 17:09  

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