22 abril 2007

Dia da Terra



CARTA DO CHEFE ÍNDIO SEATTLE

Seattle foi um chefe dos Suquamish e outras tribos índias norte-americanas, cujo nome foi dado à cidade de Seattle, no estado de Washington. Em 1854, ele escreveu uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em resposta a uma proposta de aquisição de terras no valor de 150 mil dólares. Esta carta é considerada um dos mais belos documentos até hoje escritos a respeito da defesa do meio ambiente.

LER A CARTA DO CHEFE SEATTLE


O Grande Chefe de Washington comunicou-nos o seu desejo de comprar as nossas terras. O Grande Chefe assegurou-nos também da sua amizade e de quanto nos preza. Isso é muito generoso da sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade.

Porém, vamos considerar a sua oferta, pois sabemos que se o não fizermos, o homem branco virá com armas e tomará as nossas terras.

Mas, como pode comprar ou vender o céu e o calor da terra? Tal ideia é estranha para nós. Se não somos os proprietários da pureza do ar ou do resplendor da água, como pode comprá-los a nós?

Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada clareira e cada zumbido de insecto são sagrados nas tradições e na memória do meu povo. A seiva que corre nas árvores transporta consigo as recordações do homem de pele vermelha. O homem branco esquece a sua terra natal quando, depois de morto, vai vaguear por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem a beleza desta terra, pois ela é a mãe do homem de pele vermelha. Somos parte destas terras como elas fazem parte de nós.

As flores perfumadas são nossas irmãs; o veado, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, as seivas das pradarias, o calor que emana do corpo de um pónei e o próprio homem, todos pertencem à mesma família.

Assim, quando o Grande Chefe de Washington manda dizer que deseja comprar a nossa terra, ele exige muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que nos reservará um lugar em que possamos viver confortavelmente e que será para nós como um pai e que nós seremos seus filhos. Vamos considerar a sua oferta de comprar a nossa terra, embora isso não seja fácil, pois esta terra é sagrada para nós.

A água cintilante dos rios e dos regatos não é apenas água, é o sangue dos nossos antepassados. Se vendermos a nossa terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e deverás ensiná-lo aos teus filhos e fazer-lhes saber que cada reflexo na água límpida dos lagos fala do passado e das recordações do meu povo. O murmúrio das águas é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, matam-nos a sede, transportam-nos nas canoas e alimentam os nossos filhos. Se vendermos a nossa terra, terás de te lembrar e ensinar aos teus filhos que os rios são nossos e vossos irmãos, e terás de dispensar-lhes a bondade que darias a um irmão.

Nós sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um pedaço de terra vale o mesmo que outro, porque ele é um forasteiro que chega pela calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e depois de a conquistar prossegue o seu caminho. Deixa para trás as sepulturas dos seus antepassados e isso não o importa. Apodera-se das terras dos seus filhos e isso não o inquieta. Ele considera a terra, sua mãe, e o céu, seu irmão, como objectos que podem ser comprados, saqueados ou vendidos como ovelhas ou missangas cintilantes. Na sua voracidade arruinará a terra e deixará atrás de si apenas um deserto.

Não sei. Os nossos caminhos diferem dos vossos. As vossas cidades ferem os olhos do homem de pele vermelha. Não há lugares calmos nas cidades do homem branco. Não há sítios onde se possa ouvir as folhas a desabrochar na Primavera ou o zunir das asas dos insectos. O barulho que tudo domina ofende os ouvidos do homem de pele vermelha. Para que serve a vida se um homem não pode escutar o grito solitário do noitibó ou a lengalenga nocturna das rãs à volta de um pântano? Sou um homem de pele vermelha e não compreendo, talvez porque os homens de pele vermelha sejam selvagens e ignorantes. O índio prefere o suave sussurro do vento roçando a superfície de uma lagoa e o perfume do ar lavado pela chuva do meio-dia ou carregado do aroma dos pinheiros.

O ar é precioso para o homem de pele vermelha, porque todas as criaturas partilham a mesma aragem: os animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece indiferente ao ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se vendermos as nossas terras, deverás recordar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte o seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu o primeiro sopro de vida ao nosso antepassado recebe também o nosso último suspiro. Se vendermos as nossas terras, deverás conservá-la como um lugar reservado e sagrado, onde o próprio homem branco possa saborear o vento perfumado pelas flores da pradaria.

Assim pois, vamos considerar a oferta para comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, será com uma condição: o homem branco deverá tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo outros costumes. Eu vi milhares de búfalos a apodrecer na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia de um comboio em movimento. Eu sou um selvagem que não compreende que o cavalo de ferro fumegante possa ser mais importante do que o búfalo, que nós, os índios, matamos apenas para o sustento de nossa vida.

O que seria do homem sem os animais? Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais não tarda a acontecer ao homem. Todas as coisas estão relacionadas entre si.

Deverão ensinar aos vossos filhos que o chão debaixo dos seus pés é feito das cinzas dos nossos antepassados. Ensinem aos vossos filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão é sobre eles próprios que cospem.

Uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem, é o homem que pertence à terra. Disto temos a certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si.

Tudo o que acontece à terra acontece aos filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a teia da vida, ele não passa de um fio da teia. Tudo que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Mas nós vamos considerar a vossa oferta e ir para a reserva que destinais ao meu povo. Viveremos aparte e em paz. Que nos importa o lugar onde passaremos o resto dos nossos dias? Já não serão muitos. Ainda algumas horas, alguns invernos e não restará qualquer dos filhos das grandes tribos que viveram outrora nestas terras, ou que vagueiam ainda nas florestas. Nenhum estará cá para chorar as sepulturas de um povo tão poderoso e tão cheio de esperança como o nosso. Mas porquê chorar o fim do meu povo? As tribos são constituídas por homens e nada mais. E os homens vão e vêm como as vagas do mar.

Nem o próprio homem branco pode escapar ao destino comum. Apesar de tudo talvez sejamos irmãos, veremos. Mas nós sabemos uma coisa, que o homem branco talvez venha a descobrir um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. Ele é o Deus dos homens e a Sua misericórdia é a mesma para o homem de pele vermelha e para o homem branco. A terra é preciosa aos olhos de Deus e quem ofende a terra cobre o seu Criador de desprezo. O homem branco perecerá também e, quem sabe, antes de outras tribos. Continuem a macular o vosso leito e irão sufocar nos vossos desperdícios.

Mas na vossa perdição brilhareis em chamas ofuscantes acendidas pelo poder de Deus que vos conduziu e que, por desígnios só por Ele conhecidos, vos deu poder sobre estas terras e sobre o homem de pele vermelha. Este destino é para nós um mistério. Não o compreendemos quando os búfalos são massacrados, os cavalos selvagens subjugados, os recantos secretos das florestas ficam impregnados do odor de muitos homens e as colinas desfiguradas pelos fios falantes. Onde está a floresta virgem? Desapareceu. Onde está a águia? Morreu. Qual o significado de abandonar os póneis e a caça? É parar de viver e começar a vegetar.

É nestas condições que vamos considerar a oferta da compra das nossas terras. E se aceitarmos, será apenas para ficarmos seguros de recebermos a reserva que nos prometeram. Talvez aí possamos acabar os nossos dias e quando o último homem de pele vermelha tiver desaparecido desta terra, e a sua recordação não for mais do que a sombra de uma nuvem deslizando na pradaria, estes lugares e estas florestas abrigarão ainda os espíritos do meu povo. Assim, se vendermos as nossas terras, amai-as como as temos amado e cuidai delas como nós cuidámos. E com toda a vossa força e o vosso poder conservai-a para os vossos filhos e amai-a como Deus nos ama a todos.

Sabemos uma coisa: o nosso Deus é o mesmo Deus. Ele ama esta terra. O próprio homem branco não pode fugir ao mesmo destino. Talvez sejamos irmãos, veremos.

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Comentários: 4

Blogger Muadiê Maria escreveu...

Que foto linda.

22 abril, 2007 04:11  
Blogger Koluki escreveu...

Caro amigo Denudado,

As minhas felicitacoes por este belo post (foto e texto)!

A carta do Chefe Seattle constitui um verdadeiro "Testemunho para a Eternidade", tanto quanto ainda nos e' permitido falar da Terra em termos de "eternidade", em face desse espectro do 'global warming', entre outros...

Infelizmente, no entanto, essa carta remete-me para uma realidade que, sendo equivalente em termos de impacto social, cultural, humano e ambiental a dos Indios Americanos, nao deixa de se revelar um tanto mais perturbadora: falo de outras regioes do mundo em que a apropriacao de terras teve (e, em alguns casos, continua a ter) lugar de forma brutal e sem qualquer compensacao para os expropriados, que tambem foram confinados a "reservas" e a quem nunca foi dada sequer a oportunidade de considerarem "ofertas de compra" das suas terras...
Nao seria tempo de todos os habitantes do globo comecarem a adoptar formulas/modelos/atitudes/comportamentos que permitam a conciliacao dos valores e principios expressos nesta carta do Chefe Seattle com os "imperativos" do crescimento economico, isto e', comecarmos todos a pensar e agir seriamente em termos de DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL?

Um abraco do tamanho da terra!

22 abril, 2007 18:36  
Blogger inominável escreveu...

um post belíssimo... palavras esmagadoras, de verticaliade e de boa-fé de quem ainda não perdeu a espinha dorsal...

23 abril, 2007 08:41  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Maria Muadié,
Esta foto é mais uma das muitas fotos que gravei no disco do computador sem ter registado a sua origem, porque não esperava publicá-las um dia num blog. Muito provavelmente, ainda virei a publicar outras fotos na mesma situação, pois tenho centenas e centenas delas sem que saiba de onde as retirei.

Koluki,
Está completamente certa naquilo que escreve. A chave para um desenvolvimento futuro da humanidade está na palavra "sustentável". Caso contrário, qualquer dia não existirá mais desenvolvimento, nem humanidade nem nada.

Inominável,
O chefe Seattle deve ter sido de facto um homem fora de série. Embora sabendo que não tinha condições para resistir às pretensões do presidente dos Estados Unidos, cedeu, aproveitando para lhe dar uma lição extraordinária de
Civilização e de Cultura.

23 abril, 2007 23:08  

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