01 abril 2007

Erosão costeira

Era assim a arte de xávega em Esmoriz em 1988, quando ainda havia areia na praia (Foto retirada do sítio da Escola Florbela Espanca)

Foram há poucos dias objecto de extensas reportagens, pelos diversos órgãos de comunicação social, os estragos feitos pelo mar na Costa de Caparica, no concelho de Almada. O mar rompeu as precárias defesas existentes junto do parque do Clube de Campismo de Lisboa e houve mesmo quem receasse que uma boa parte da vila fosse inundada pelo mar, o que felizmente não aconteceu.

Foi igualmente objecto de reportagens a possibilidade de que o mar fizesse sérios estragos em Esmoriz, no concelho de Ovar, o que também acabou por não suceder, embora algumas casas tivessem sido atingidas pela água do mar.

Em vista destes e de outros factos relacionados com a erosão costeira, que em Portugal Continental está a atingir níveis verdadeiramente preocupantes, não faltaram vozes alertando para o aquecimento global e para a consequente subida do nível médio do mar.

O aquecimento global parece estar mesmo a ocorrer e, portanto, a subida do nível das águas do mar é uma ameaça real. Mas, para já, esta subida ainda só atingiu níveis irrisórios, que não explicam os avanços que o mar tem feito na costa continental portuguesa.

Estes avanços do mar sobre a costa não acontecem só agora. A fotografia ao lado foi tirada há cerca de cem anos em Espinho (retirei-a do sítio Aveiro e Cultura) e mostra a torre da igreja matriz dramaticamente inclinada, pouco antes de ter sido tragada pelas ondas do mar. Com efeito, entre 1900 e 1910, mais ou menos, o mar fez um impressionante avanço em Espinho, engolindo quarteirões inteiros de casas e a própria igreja da então vila! Podem ser vistas reproduções fiéis de fotografias antigas de Espinho, incluindo imagens dos estragos de há cem anos, nos painéis de azulejos que decoram o interior do Restaurante Cristal (passe a publicidade), que fica na Rua 62, muito perto da linha do comboio.

A cidade de Espinho está agora quase toda bem defendida, com excepção do seu extremo sul, o Bairro da Flecha, que é o bairro dos pescadores, onde a defesa é um tanto mais precária e onde não existe abrigo nem sequer areal para a prática da pesca artesanal. Os responsáveis políticos querem lá saber dos pescadores! O que para eles é importante é a zona turística da cidade e o casino. Os pescadores que se danem...

De Espinho para sul, quase até ao Furadouro, o aspecto do litoral é calamitoso. Na costa de Maceda, para sul da Praia de Cortegaça (que já é mais uma península fortificada do que outra coisa), os pinheiros que seguram as areias das dunas vão tombando um a um para a praia, à medida que o mar vai retirando a areia de baixo das suas raízes. Quantos anos faltarão até que o mar chegue à Base Aérea de Ovar?

No cordão dunar da Ria de Aveiro, a erosão também é um facto assustador. No Algarve, o mesmo se verifica em alguns pontos da sua costa. Enfim, onde quer que a costa seja arenosa, o mar avança ameaçador.

As costas arenosas são, pela sua própria natureza, instáveis. A areia é um material volúvel, que um dia está aqui, no outro dia já não está para logo depois reaparecer mais adiante, e assim sucessivamente. O mar a traz, o mar a leva. O vento a empurra de um lado para o outro, acumulando-a onde houver obstáculos. Não podemos tomar as costas arenosas como coisas perenes, porque não o são.

O problema novo que enfrentamos hoje, e que ainda não existia no tempo das destruições de Espinho, é que há cada vez menos areia para o mar depositar nas nossas praias. Qual areia? A dos rios. Porquê? Por causa das barragens que a retêm, não a deixando ser levada para o mar pela corrente. Além disso, a pouca areia que consegue chegar até ao mar deposita-se logo na embocadura dos rios, onde a fraca corrente destes é travada pela força das marés. As barras dos rios ficam assoreadas, tornando a navegação perigosa ou mesmo impossível.

Antigamente, aqui no Porto, havia quem chamasse às cheias do Rio Douro «o engenheiro da Régua». As cheias eram um «engenheiro» que vinha dos lados do Peso da Régua, com o seu enorme caudal e a sua fortíssima corrente, e arrastava tudo consigo, incluindo a matéria sólida (terra e areia) que lhe dava o característico aspecto barrento de cor dourada. Todo este material era transportado pela corrente do rio muito para dentro do mar, desimpedindo assim a barra do Douro. As cheias eram um «engenheiro» muito eficaz, que permitia manter a barra do Douro aberta à navegação. Agora já não existe nenhum «engenheiro da Régua», porque a areia e a terra não são lançadas no mar, ficando depositadas no fundo das barragens e ao longo das margens do rio. As barragens travam a corrente, fazendo o rio parecer um lago em muita da sua extensão, e a areia deposita-se.

As cheias dos rios não são, por isso, necessariamente um mal, desde que não sejam catastróficas. A riqueza das terras da lezíria do Ribatejo, por exemplo, deve-se ao fertilíssimo nateiro que o Rio Tejo deposita durante as cheias. Neste caso particular, as cheias não são um mal, são antes uma bênção.

Sempre que há cheia no Rio Tejo, a primeira povoação que fica isolada é Reguengo do Alviela, que é uma aldeia situada entre a Golegã e Santarém, junto do local onde o Rio Alviela desagua no Tejo e a 3 ou 4 km da Azinhaga, a terra natal de José Saramago. Sempre que há cheia no Rio Tejo, os jornalistas acorrem à povoação em botes dos bombeiros, ansiosos por colherem histórias dramáticas, de pessoas desesperadas por se verem isoladas pelas águas e implorando socorro. Sempre que há cheia no Rio Tejo, os jornalistas recolhem em Reguengo do Alviela imagens e relatos de pessoas que lhes dizem, com um sorriso nos lábios, que já estão habituadas às cheias e que estas não são tragédia nenhuma, porque estão preparadas para as enfrentar...

Deixemos o Ribatejo e voltemos à costa, para concluir este artigo, que já vai muito longo. É imperioso, agora mais do que nunca, que se tenha muito cuidado com as construções que se façam na costa, pois fica muito mais caro corrigir uma asneira do que evitá-la. A cidade de Esmoriz é um bom exemplo disso, pois a sua "praia" configura um verdadeiro atentado ambiental. É por isso com muita preocupação que vejo os nossos políticos aprovarem urbanizações atrás de urbanizações em zonas costeiras altamente sensíveis, como as que estão previstas para a Costa da Galé, no concelho de Grândola, que é uma costa arenosa também, ou para Água de Madeiros e Pedra do Ouro, na freguesia de Pataias, concelho de Alcobaça, onde vão ser roubados muitos hectares ao Pinhal de Leiria, que o rei D. Dinis mandou plantar para travar o avanço da areia. Em Portugal, o dinheiro continua a ser mais poderoso do que o mar e o vento. Até quando?

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