Magaíça
A manhã azul e ouro dos folhetos de propaganda
engoliu o mamparra,
entontecido todo pela algazarra
incompreensível dos brancos da estação
e pelo resfolegar trepidante dos comboios,
tragou seus olhos redondos de pasmo,
seu coração apertado na angústia do desconhecido,
sua trouxa de farrapos
carregando a ânsia enorme, tecida
dos sonhos insatisfeitos do mamparra.
E um dia,
o comboio voltou, arfando, arfando…
oh nhanisse, voltou!
E com ele, magaíça,
de sobretudo, cachecol e meia listrada
é um ser deslocado,
embrulhado em ridículo.
Às costas – ah, onde te ficou a trouxa dos sonhos, magaíça –
trazes as malas cheias do falso brilho
dos restos da falsa civilização do compound do Rand.
E na mão,
Magaíça atordoado acendeu o candeeiro,
à cata das ilusões perdidas,
da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
lá nas minas do Jone...
A mocidade e saúde,
as ilusões perdidas
que brilharão como astros no decote de qualquer lady
nas noites deslumbrantes de qualquer city.
Noémia de Sousa (1926-2002), poetisa moçambicana
Magaíça - mineiro moçambicano regressado da África do Sul
Mamparra - pessoa rústica
engoliu o mamparra,
entontecido todo pela algazarra
incompreensível dos brancos da estação
e pelo resfolegar trepidante dos comboios,
tragou seus olhos redondos de pasmo,
seu coração apertado na angústia do desconhecido,
sua trouxa de farrapos
carregando a ânsia enorme, tecida
dos sonhos insatisfeitos do mamparra.
E um dia,
o comboio voltou, arfando, arfando…
oh nhanisse, voltou!
E com ele, magaíça,
de sobretudo, cachecol e meia listrada
é um ser deslocado,
embrulhado em ridículo.
Às costas – ah, onde te ficou a trouxa dos sonhos, magaíça –
trazes as malas cheias do falso brilho
dos restos da falsa civilização do compound do Rand.
E na mão,
Magaíça atordoado acendeu o candeeiro,
à cata das ilusões perdidas,
da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
lá nas minas do Jone...
A mocidade e saúde,
as ilusões perdidas
que brilharão como astros no decote de qualquer lady
nas noites deslumbrantes de qualquer city.
Noémia de Sousa (1926-2002), poetisa moçambicana
Magaíça - mineiro moçambicano regressado da África do Sul
Mamparra - pessoa rústica
Comentários: 3
encontro por acaso
"Cunningham. Eu não entendo nada de dança, seja ela clássica, moderna, contemporânea, tradicional ou outra. Mas Merce Cunningham foi importante para mim, pois ele ajudou a formar a minha sensibilidade estética quando apresentou um espectáculo que nunca mais esqueci, nos já longínquos anos 60, no Cine-Teatro Vale Formoso, aqui no Porto."
gostei deste pormenor porque sendo eu de cá nao fazia a menor ideia que ele tinha estad no vale formoso
já não aparecia por cá há muito tempo... não sei se perdida ou extraviada... re-encontro-me aos poucos e aos espaços que me são queridos...
bom post este... prometo colocar a leitura em dia...
Caro/a art&tal,
Na década de 60, mais ou menos como agora acontece, os espectáculos de dança realizavam-se quase sempre no Coliseu ou no Rivoli. Mas no Cine-Teatro Vale Formoso, tão afastado do centro do Porto... A verdade é que o Merce Cunningham também era marginal como coreógrafo, ainda que não desconhecido, longe disso.
Os anos 60, aqui no Porto, foram uma década de intensa actividade cultural, mesmo que ela se tenha desenrolado à margem do Estado e da Gulbenkian (que se limitava a mandar cá o seu Ballet uma vez por ano e mais nada). Havia então no Porto uma burguesia que era muito endinheirada mas que também era culta, a qual ia custeando a actividade artística e cultural da cidade. Lembro que nos anos 60 o Teatro Experimental do Porto conheceu o seu apogeu, o mesmo se pode dizer da Cooperativa Árvore, o Círculo de Cultura Musical trazia à cidade as melhores orquestras sinfónicas do mundo, o Cineclube do Porto organizava ciclos atrás de ciclos de cinema, e muito mais coisas aconteciam ainda.
Prezada Inominável,
Saúdo o seu regresso a este espaço. Seja bem-vinda.
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