A criança, Toda a criança. Seja de que raça for, Seja negra, branca, vermelha ou amarela, Seja rapariga ou rapaz, Fale a língua que falar, Acredite no que acreditar, Pense o que pensar, Tenha nascido seja onde for, Ela tem direito…
II
…A ser para o homem a Razão primeira da sua luta. O homem vai proteger a criança Com leis, ternura, cuidados Que a tornem livre, feliz, Pois só é livre, feliz Quem pode deixar crescer Um corpo são, Quem pode deixar descobrir Livremente O coração E o pensamento. Este nascer e crescer e viver assim Chama-se dignidade. E em dignidade vamos Querer que a criança Nasça, Cresça, Viva…
III
...E a criança nasce E deve ter um nome Que seja o sinal dessa dignidade. Ao sol chamamos Sol E à vida chamamos Vida Uma criança terá o seu nome também. E ela nasce numa terra determinada Que a deve proteger. Chamamos Pátria a essa terra, Mas chamemos-lhe antes Mundo…
IV
…E nesse mundo ela vai crescer. Já a sua mãe teve o direito A toda a assistência que assegura um nascer perfeito. E, depois, a criança nascida, Depois da hora radial do parto, A criança deverá receber Amor, Alimentação, Casa, Cuidados médicos, O amor sereno de mãe e pai. Ela vai poder Rir, Brincar, Crescer, Aprender a ser feliz…
V
…Mas há crianças que nascem imperfeitas E tudo devemos fazer para que isto não aconteça. Vamos dar a essas crianças um amor maior ainda.
VI
E a criança nasceu E vai desabrochar como Uma flor, Uma árvore, Um pássaro, E Uma flor, Uma árvore, Um pássaro Precisam de amor – a seiva da terra, a luz do sol. De quanto amor a criança não precisará? De quanta segurança? Os pais e todo o mundo que rodeia a criança Vão participar na aventura De uma vida que nasceu. Maravilhosa aventura! Mas se a criança não tem família? Ela tê-la-á sempre: numa sociedade justa Todos serão sua família. Nunca mais haverá uma criança só, Infância nunca será solidão.
VII
E a criança vai aprender a crescer. Todos temos de ajudar! Todos! Os pais, a escola, todos nós! E vamos ajudá-la a descobrir-se a si própria E aos outros. Descobrir o seu mundo, A sua força, O seu amor, Ela vai aprender a viver Com ela própria E com os outros: Vai aprender a fraternidade, A fazer fraternidade. Isto chama-se educar, Saber isto é aprender a ensinar.
VIII
Em situação de perigo A criança, mais do que nunca, Está sempre em primeiro lugar… Será o sol que não se apaga Com o nosso medo, Com a nossa indiferença: A criança apaga, por si só, Medo e indiferença das nossas frontes…
IX
A criança é um mundo Precioso Raro Que ninguém a roube, A negoceie, A explore Sob qualquer pretexto. Que ninguém se aproveite Do trabalho da criança Para seu próprio proveito. São livres e frágeis as suas mãos. Hoje: Se as não magoarmos Elas poderão continuar Livres E ser a força do mundo Mesmo que frágeis continuem…
X
A criança deve ser respeitada Em suma, Na dignidade do seu nascer, Do seu crescer, Do seu viver. Quem amar verdadeiramente a criança Não poderá deixar de ser fraterno: Uma criança não conhece fronteiras, Nem raças, Nem classes sociais: Ela é o sinal mais vivo do amor, Embora, por vezes, nos possa parecer cruel. Frágil e forte, ao mesmo tempo, Ela é sempre a mão da própria vida Que se nos estende, nos segura E nos diz: Sê digno de viver! Olha em frente!
Matilde Rosa Araújo (1921-2010), in As Crianças, Todas as Crianças
Muito obrigado, cara Maria, pelas suas amáveis palavras.
O ano de 2010 tem vindo a ser particularmente fatídico para a Literatura portuguesa. Em pouquíssimos meses, a morte já nos levou João Aguiar (que cheguei a conhecer pessoalmente, mas de uma forma muito superficial), António Manuel Couto Viana (cujo passamento passou quase despercebido, talvez por injustas razões políticas, pois ele foi um destacado apoiante do Estado Novo), José Saramago, Matilde Rosa Araújo e sabe-se lá quem mais! O que nos vale é que as novas gerações de escritores portugueses têm muita qualidade também.
Comentários: 2
Gostei muito da homengaem - singela, justa e bonita. É sempre um prazer visitar este blog.
Muito obrigado, cara Maria, pelas suas amáveis palavras.
O ano de 2010 tem vindo a ser particularmente fatídico para a Literatura portuguesa. Em pouquíssimos meses, a morte já nos levou João Aguiar (que cheguei a conhecer pessoalmente, mas de uma forma muito superficial), António Manuel Couto Viana (cujo passamento passou quase despercebido, talvez por injustas razões políticas, pois ele foi um destacado apoiante do Estado Novo), José Saramago, Matilde Rosa Araújo e sabe-se lá quem mais! O que nos vale é que as novas gerações de escritores portugueses têm muita qualidade também.
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