Uma história da Índia
Vista parcial do palácio do antigo nababo Sujá Doulá (Suja ul Dowla) em Fizabad, Índia, por William Hodges, 1787 (British Library)
I
O Bangaló
No districto de Oude, ao sul do famoso Gográ, e a breve distância de Lucnou, está situada Fizabad, a antiga capital do reino. Opulenta outr'ora, as suas muralhas tinham sido famosas antes de 1775, mas jazem hoje desmoronadas; o seu palacio de Sujá Doulá fôra magnificente mas caiu em ruinas; a sua população rica emigrou para Lucnou; fugiram d'alli os reis, os principes, a côrte, o luxo e as paixões, cedendo o seu logar aos lavradores, aos rouxinoes, á amenidade e ao trabalho. É campo o que fôra cidade.
Na epoca em que succederam os acontecimentos que vamos narrar, Fizabad pertencia ainda à dynastia Doulá. Tinha escapado á voragem do famoso tratado de 1801, em que o nababo Asof, escravo do destino e victima da propria fraqueza, vira com resignação a poderosa companhia das Indias quebrar-lhe em bocados a corôa, e retalhar o reino, conservando-lhe apenas, em premio de tanta humildade, um titulo vão e uma soberania phantastica. Este golpe tão profundo, como robusto era o braço de lord Wellesley que o vibrara, tornou-se cancro. E Oude, que encerra as origens dos quatro rios sagrados da India e a famosa Benares, que é a Roma do bracmanismo, desmoronou-se e caiu em 1856 no vasto sorvedouro do imperio britanico.
No recosto de um teso, no centro de Fizabad, viam-se em 18..., como as do solitario eremiterio suspenso no cimo da montanha, as alvissimas paredes de um bangaló, (1) cercado da ramagem de umbrosas mangueiras, que depois de o guarnecer de uma densa e viçosa cinta de verdura, colleava e se estirava pelo teso abaixo até se perder nas extensas campinas. Para mais realçar este quadro, á esquerda as aguas do Gográ resplandeciam com a luz do brilhante sol dos tropicos.
O bangaló visto de perto dava idéia do luxo oriental, e do estylo leve e gracioso da achitectura indiana. Era uma casa alta com tecto de fórma conica e achatado, sustentado sobre quatro renques de pilares. As suas paredes, construidas de pedra, eram grossas como as muralhas de uma fortaleza. Cercava-a em todo o ambito uma varanda com balaustres de pau sandalo, abrigada dos ardores do sol pelas redes tecidas de raizes aromaticas, flores perennes, que, orvalhadas pelo ar da madrugada, exhalavam todos os dias perfumes suavissimos. O jardim, as cascatas, e os pankás (2) conservavam nas diversas salas d'este vasto edificio uma frescura eterna. A longa escada que conduzia para o bangaló começava na raiz do teso e acabava no gradeamento. Era toda de pedra, e ladeada de duas ordens de frondosos arbustos, cujos ramos entrelaçando-se formavam um sobreceo continuo e ondulante.
Não são raros na India similhantes bangalós, em que o luxo rivalisa com as commodidades, verdadeiros templos onde o nababo, o rajá e o sahib (3), reclinados em riquissimas ottomanas, e n'uma somnolencia voluptuosa, recebem as adorações de turbas de servos submissos e indolentes. Não pôde deixar de ser conhecido do leitor, pela fama, o bangaló Constancia do general Claude Martin, sendo monumento da magnificencia e bom gosto e uma das maravilhas de Oude. Custara mais de cento e sessenta mil libras a sua construcção.
(...)
(1) - Casa de recreio abarracada.
(2) - Grandes ventarolas.
(3) - Tratamento que se dá aos inglezes.
Primeiro capítulo do romance Os Brâmanes, de Francisco Luís Gomes (1829-1869), médico e escritor de Goa. Este romance está disponível no Google Books, de onde pode ser descarregado.
Estado atual do bangaló Constância, de Claude Martin, referido no texto. Aloja agora um colégio chamado La Martinière (Foto: Anandway.com)
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