05 janeiro 2011

Requinte cingalês

Cofre do Sri Lanka (séc. XVI), pertencente ao tesouro da Residenz (o antigo palácio dos príncipes e reis da Baviera), em Munique, Alemanha. (Foto: Informationsdienst Wissenschaft)

«(...)na década de quarenta do século XVI, tomámos [os portugueses] declaradamente o (...) partido [de Bhuvanekabahu, o rei de Kotte] contra o irmão, Mayadunne, o rei de Sitawaka (1521-1581) [na ilha de Ceilão]. Bhuvanekabahu queria garantir a integridade do Reino, e colocar no trono o seu neto. Foi na sequência destas movimentações políticas entre Kotte, Goa e Lisboa, que o monarca enviou a Portugal o embaixador Sri Radaraksa Pandita, que esteve em Lisboa, em 1542 e 1543, e que numa aparatosa cerimónia fez coroar em figura o jovem neto e presuntivo herdeiro, Dharmapala (1551-1597), depois de baptizado com o nome de D. João.

(...) Os cronistas mais fiáveis, entre eles o padre Fernão de Queyroz, contam que a embaixada partiu de Goa na nau de Francisco de Sousa Tavares, da invocação de São Filipe, e arribou a Lisboa a 18 de Agosto de 1541. O rei de Kotte mandou inúmeros presentes, mas sobretudo uma imagem do próprio neto, que esta fonte diz ser de ouro e em tamanho natural, além de uma coroa feita na tradição cingalesa, para que D. João III simbolicamente a colocasse na sua cabeça.

Frei Paulo da Trindade diz que as esculturas enviadas de Kotte, as que representavam o monarca e o neto, eram de marfim, de bom tamanho e não estavam isoladas, antes o monarca levava pela mão o seu herdeiro. Quereria significar com esta iconografia que o entregava pessoalmente a D. João III, para que este, com a força das suas armas no Índico, garantisse os seus direitos. Não sabemos em que autor acreditar, quanto ao tipo de imagens e quanto ao material de que eram feitas.

Na verdade, este cofre é de pequenas dimensões: apenas com 18 cm de altura, 30 de largura, e 16 de fundo. É constituído por placas de marfim em baixo e médio-relevo, e a tampa tem uma parte horizontal e duas abas inclinadas. (...) As partes inclinadas possuem três placas por lado, com figuração de dançarinas e divindades. As faces verticais representam (...) a apresentação e coroação do príncipe pelo rei português D. João III. As ligações e o fecho são feitas com elementos de ouro cravejado de rubis e safiras. Na parte central pode admirar-se uma espantosa fechadura em ouro, com forma de brasão, constituído por rubis e safiras.

(...) na face principal temos à esquerda o rei Bhuvanekabahu, ou o embaixador Sri Radaraksa Pandita, embora nos inclinemos mais para que seja o primeiro, apresentando o príncipe a D. João III, num ambiente de luxo, estando duas outras personagens a assistir, uma portuguesa e outra cingalesa, em segundo plano, atrás dos respectivos monarcas. Na placa central há dois dignitários cingaleses, ambos com o leão sobre as cabeças, e tendo duas hamsas entre eles. (...) Na cena do lado direito do observador, o rei D. João III coloca a coroa do reino de Kotte sobre a cabeça da imagem do príncipe Dharmapala, que tem por trás, a assistir e a protegê-lo, o avô ou o embaixador. Ao lado do rei português está um dignitário, com a espada alçada. (...)»

Pedro Dias, in Arte de Portugal no Mundo, 12º volume (Ceilão), Público -- Comunicação Social, SA, janeiro de 2009

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