A guerra colonial na música portuguesa
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A FAVOR DA GUERRA
Ou espontaneamente, ou promovidas pela máquina de propaganda do Estado Novo, foram várias as vozes que, através da música, se manifestaram a favor da política colonial do regime, assim como da guerra que este teve que fazer, entre 1961 e 1974, para tentar travar a ascenção das colónias portuguesas à sua legítima independência.
O exemplo mais paradigmático da música que então se fez a favor da guerra foi, sem qualquer sombra de dúvida, o hino "Angola é Nossa", de Duarte Pestana e Santos Braga. Trata-se de um hino guerreiro por excelência, dotado de uma força e de um ímpeto tais, que mesmo nos dias de hoje ele consegue provocar arrepios a quem o ouve. O crescendo inicial das vozes, o enorme belicismo contido nas palavras, o compasso acelerado da marcha e o triunfalismo da música em tom maior dão uma impressão de avanço imparavelmente vitorioso a quem escuta. Este é um hino guerreiro perfeito. Nem os nazis conseguiriam fazer melhor.
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"Angola é Nossa", diz o coro, refletindo a mentalidade colonial, como se Angola fosse um objeto que se possui, e não uma terra com gente dentro; como se os angolanos não contassem para nada, à semelhança dos servos da Europa feudal, que faziam parte integrante da terra, tal como as árvores, os bichos, os rios e as montanhas, sem direitos nem opinião.
Outras músicas:
-- Marcha do Soldado Português, por João Maria Tudela;
-- Na Hora da Despedida, por Ada de Castro;
-- Adeus, Guiné, pelo Conjunto Típico de Armindo Campos.
CONTRA A GUERRA
De entre as vozes que, no campo da música, se manifestaram em Portugal contra a guerra colonial, destacaram-se sobretudo três: as vozes de Adriano Correia de Oliveira, Zeca Afonso e Luís Cília. Os outros cantores de intervenção que se faziam ouvir no tempo da ditadura raramente, ou mesmo nunca, abordaram a temática da guerra.
Ao belicismo de "Angola é Nossa", Zeca Afonso contrapôs, por exemplo, "Menina dos Olhos Tristes", que é um lamento profundamente magoado, que ele mesmo criou para um poema escrito por Reinaldo Ferreira (1922-1959), um poeta português que adotou Moçambique como sua segunda pátria.
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Outras músicas:
-- Pedro Soldado, por Adriano Correia de Oliveira;
-- O desertor, por Luís Cília.
A EXPERIÊNCIA DA GUERRA
Entre os muitos milhares de portugueses que combateram em Angola, Moçambique e Guiné, houve poetas e cantores, como não podia deixar de ser. Alguns destes poetas e cantores deram testemunho desta sua experiência, uns melhor do que outros. De entre os poetas que escreveram sobre a sua experiência na guerra, avulta acima de qualquer outro Manuel Alegre, que foi mobilizado para o norte de Angola em 1962.
Um dos mais belos e pungentes poemas que Manuel Alegre escreveu foi musicado por Adriano Correia de Oliveira, que também o cantou. Trata-se de "Canção com Lágrimas", em que é evocado um companheiro de Manuel Alegre, que o poeta viu morrer em combate diante dos seus próprios olhos.
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Tenho para mim que esta é a mais bela de todas as canções que a respeito da guerra se fizeram. É verdade que não há palavras que consigam descrever o que sente um combatente, quando vê um camarada de armas morrer diante de si, perante a sua mais desesperada impotência. Não há. Manuel Alegre escreveu apenas as palavras possíveis, mas são belísimas, essas palavras. E Adriano Correia de Oliveira conseguiu também compor e cantar uma canção que é, sem dúvida, extraordinariamente tocante.
Outras músicas:
-- Onde o Sol Castiga Mais, por Paco Bandeira;
-- Nambuangongo, meu amor, por Paulo de Carvalho.
Ainda dentro do capítulo relativo à Experiência da Guerra, seria imperdoável não fazer uma referência ao conjunto de fados e canções que ficou conhecido como Cancioneiro do Niassa, o qual já foi objeto de um artigo neste blogue.
O Cancioneiro do Niassa é um documento humano, histórico e sociológico preciosíssimo. Este cancioneiro foi feito pelos combatentes portugueses destacados para o Niassa, no norte de Moçambique, mas o que nele se ouve reflete igualmente de forma rigorosa, com todas as suas matizes e contradições, o que pensavam e o que sentiam os militares portugueses que combateram, não só nesta, mas também em outras frentes da guerra colonial. Para aceder ao conteúdo do Cancioneiro do Niassa, queira dirigir-se a estes endereços:
-- http://guerracolonial.home.sapo.pt (clicar em Canções do Niassa);
-- http://www.joraga.net/cancioneirodoniassa/index.htm (contém gravações originais da época).
Comentários: 5
Como é possível que só hoje tenha descoberto o seu blogue?! Já percebi que tenho muito para explorar.
Obrigada :)
Eu que lhe agradeço, prezada Lalage. Explore à sua vontade. Não paga nada por isso.
Ia responder-lhe, com algum atraso, a sua resposta ao meu comentario sobre o estoria do "Guerrilheiro Didi", mas como, por qualquer razao, nao encontrei a respectiva pagina, deixo-a aqui, just for the record...
Mais uma vez obrigada.
Quanto a este tipo de contribuicoes "nao oficiais" para a historia, julgo que elas sao sempre dificeis de se contar para quem as viveu e de as ler para quem seja nelas retratado. Mas tudo depende do conteudo, contexto, forma e da motivacao com que for feito. Enfim, tudo dependera' da nossa consciencia...
Cara Koluki,
Se não encontrou a página relativa ao heróico guerrilheiro Didi, deve ter sido porque tentou aceder à página original, que eu tinha acabado por apagar. O seu comentário e a minha resposta estão na página onde sempre estiveram, que foi a que a substituiu: http://amateriadotempo.blogspot.com/2011/03/o-guerrilheiro-didi_21.html.
Obrigada pelo esclarecimento.
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