Adios rios, adios fontes...
Adios, rios; adios, fontes;
adios, regatos pequenos;
adios, vista dos meus olhos:
nõe sei quando nos veremos.
Minha terra, minha terra,
terra donde me eu criei,
hortinha que quero tanto
figueirinhas que prantei,
prados, rios, arvoredas,
pinares que move o vento,
paxarinhos piadores,
casinha do meu contento,
muinho dos castanhares,
noites craras de luar,
campaninhas trimbadoras
da igrejinha do lugar,
amorinhas das silveiras
que eu lhe dava ao meu amor
caminhinhos antre o milho,
adios, para sempre adios!
Adios, grória! Adios, contento!
Deixo a casa onde nacim,
deixo a aldea que conosso
por um mundo que nõe vim!
Deixo amigos por estranhos,
deixo a veiga polo mar,
deixo, em fim, quanto bem quero...
quem pudera no o deixar...!
Maes som probe e, mal pecado!,
a minha terra n'é minha,
que hastra lhe dãe de prestado
a beira por que caminha
ao que naceu desdichado.
Tenho-vos, pois, que deixar,
hortinha que tanto amei,
fogueirinha do meu lar,
arvorinhos que prantei,
fontinha do cavanhar.
Adios, adios, que me vou,
ervinhas do campo-santo
donde meu pai se enterrou,
ervinhas que biquei tanto,
terrinha que vos criou.
Adios, Virge da Assunciõe,
branca como um serafim:
levo-vos no corassõe;
pedide-lhe a Dios por mim,
minha Virge da Assunciõe.
Já se oiem longe, moi longe,
as campanas do Pomar;
para mim, ai!, coitadinho,
nunca mais hãe de tocar.
Já se oiem longe, mais longe...
Cada balada é um dolor;
vou-me soio, sem arrimo...
Minha terra, adios!, adios!
Adios tamém, queridinha...!
Adios por sempre quiçais...!
Digo-che este adios chorando
desde a beirinha do mar.
Nõe me olvides, queridinha,
se morro de soidás...
tantas légoas mar adentro...
Minha casinha!, meu lar!
Rosalía de Castro (1837-1885), poetisa galega
Galiza, Espanha (Foto: Turgalicia)
Comentários: 2
Rosalía de Castro parece um mineiro de Minas Gerais falando... hortinha, queridinha, casinha, figueirinhas... li com sotaque mineiro embora existam palavras que não caibam nesse sotaque. Lindo poema.
Girassóis nos seus dias.
Beijos
Ainda bem que gostou, cara Celina. Rosalía de Castro é considerada a voz mais importante da poesia galega "moderna".
Se quisermos ser mesmo rigorosos, não podemos dizer que falamos a língua portuguesa. Uma tal língua não existe. O que existe é a língua galaico-portuguesa, da qual o português é apenas um dialeto, a par do galego, que é outro dialeto. Ou seja, o galego e o português são dois codialetos de uma mesma língua, o galaico-português.
Esta língua galaico-portuguesa foi uma das línguas mais importantes de toda a Europa medieval, a língua preferida pelos trovadores. Até um rei, D. Afonso X o Sábio, de Leão e Castela, que viveu no séc. XIII, escreveu centenas e centenas de trovas nesta língua, de entre as quais se destacam as "Cantigas de Santa Maria".
A separação política entre Portugal, por um lado, e Leão/Castela/Espanha, por outro, que já dura há mais de 850 anos, conduziu à evolução separada da língua, de um e do outro lado da fronteira, dando origem ao galego e ao português atuais.
As semelhanças entre o galego e o português tornam-se particularmente evidentes quando um texto em galego surge escrito de acordo com a ortografia portuguesa, como aqui está. Quase não encontramos diferenças nenhumas relativamente a um texto em português.
De uma maneira geral, os meios nacionalistas galegos defendem uma reaproximação do galego ao português, enquanto os meios espanholistas defendem uma cada vez maior aproximação ao castelhano ou espanhol, a língua dominante em Espanha.
Este poema de Rosalía de Castro foi musicado e cantado por Amancio Prada, um dos mais importantes cantores da música galega. Vale a pena escutá-lo. Aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=K_ZGqkFSc2Q
Enviar um comentário