Poema da Terra Adubada
Por detrás das árvores não se escondem faunos, não.
Por detrás das árvores escondem-se os soldados
com granadas de mão.
As árvores são belas com os troncos dourados.
São boas e largas para esconder soldados.
Não é o vento que rumoreja nas folhas,
não é o vento, não.
São os corpos dos soldados rastejando no chão.
O brilho súbito não é do limbo das folhas verdes reluzentes.
É das lâminas das facas que os soldados apertam entre os dentes.
As rubras flores vermelhas não são papoilas, não.
É o sangue dos soldados que está vertido no chão.
Não são vespas, nem besoiros, nem pássaros a assobiar.
São os silvos das balas cortando a espessura do ar.
Depois os lavradores
rasgarão a terra com a lâmina aguda dos arados,
e a terra dará vinho e pão e flores
adubada com os corpos dos soldados.
António Gedeão, in Linhas de Força
(Foto de autor desconhecido)
Comentários: 2
Estarão por lá os corpos dos soldados
Faltam, aos lavradores, campos semeados
(acho que o poeta morreu sem o saber
ou, sem isso ver)
Alguns dos soldados eram também lavradores antes de serem mandados para a guerra pelos poderosos. Não são os corpos dos poderosos que adubam a terra rasgada pelos arados.
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