11 julho 2012

Um herói lunda-quioco

Representação de Cibinda Ilunga (na ortografia angolana), Tshibinda Ilunga (na ortografia congolesa) ou Chibinda Ilunga (na ortografia zambiana), feita por um escultor quioco anónimo. Angola, séc. XIX. Ethnologisches Museum, Berlim, Alemanha (Foto: Claudia Obrocki)

A história lendária do herói-caçador, Tshibinda Ilunga, exerce profunda influência sobre a cultura dos povos de Angola, especialmente a dos Tshokwe.

Tshibinda Ilunga é conhecido, em primeiro lugar, como o marido da chefe feminina Lueji e como o pai do fundador da dinastia Mwata Yamvo em território Lunda há mais de 350 anos. Grande caçador de arco e flecha, este príncipe tinha ainda uma machadinha e uma lança, armas superiores àquelas então conhecidas pelos Lunda. Segundo [Henrique de] Carvalho (1890:58), os últimos eram sobretudo pescadores, que caçavam ocasionalmente de clava e fisga.

Em resumo, é a seguinte a lendária história de Tshibinda Ilunga, registada com ligeiras variantes pelos Lunda do Mwata Yamvo, retirado de Carvalho (1880:65-112), Biebuyck (1958:802-3) e Duysters (1958:81-5).

Tshibinda Ilunga era filho do grande chefe Luba, Kalala Ilunga, tendo sido educado no complexo cerimonial da corte de seu pai.

Um dia, para matar a sede após uma expedição de caça na região do Kalanyi (o curso superior do Mushimai em território Lunda), Tshibinda bebera vinho de palma sangrado de uma árvore pertencente a um notável da corte da chefe feminina Lueji. Em forma de pagamento, deixara uma grande quantidade de caça ao pé da árvore. Este acontecimento fora relatado à chefe, que, desejosa de conhecer tão exímio caçador, mandara os seus homens em busca dele, para o convidar a visitá-la. Tshibinda vem com a sua comitiva. A deferência e os sinais de respeito da comitiva espantaram os Lunda e a chefe, a quem Tshibinda cativou com generosas ofertas de caça. Em sinal de boas-vindas, ela sugeriu que partilhassem a refeição. Tshibinda recusou gentilmente o convite, enquanto os seus companheiros lhe explicaram que ele não podia comer em público sem diminuir a sua posição aristocrata e, assim, foi montada uma cabana especial em sua honra. Em pouco tempo, uma amizade nasceu entre Tshibinda e Lueji, que foi imortalizado pelo próprio caçador Luba, ao plantar um grupo de três árvores ao pé da pedra onde se conheceram pela primeira vez. Este local antigo desempenha um papel na cerimónia de investidura dos Mwata Yamvo. Carvalho (1890:73) publicou um desenho das árvores conforme se encontram nas margens do Kalanyi. Os notáveis chamam a atenção dos viajantes para as árvores como prova histórica da sua história.

Mais tarde, Lueji casou com o príncipe. Lueji não podia usar o bracelete lukano enquanto se encontrava com a menstruação. Durante estes períodos cruciais para o país, Lueji entregou este emblema de chefia ao seu marido. A partir desse momento, foi a Tshibinda, como portador do lukano, que o povo prestou homenagem.

Recusando-se a obedecer a um estrangeiro, os irmãos de Lueji, Tshinguli e Tshinyama, imigraram, dirigindo-se para sudoeste com as suas famílias e seguidores. Entre estes encontravam-se Ndumba e Kanyaka, que viriam a conquistar o território dos Tshokwe.

A união de Lueji e Tshibinda não deu descendência. Assim, Lueji escolheu para o seu marido uma segunda mulher, Kamonga Lwaza. Esta deu à luz um filho, Yaav, que se tornou no primeiro Mwaant Yavv ou Mwata Yamvo. Algumas tradições afirmam que Tshibinda reinou por muito tempo e em grande paz ao lado de Lueji e que foi enterrado em território Lunda. Outras relatam que uma onda de hostilidades o obrigaram a abandonar o território do Kalanyi por um lugar desconhecido.

Tshibinda Ilunga transmitiu aos Lunda os segredos da arte da caça; introduziu ainda o conceito de realeza divina e fundou uma dinastia imperial.

Extraído de Marie-Louise Bastin (1982), La Sculpture Tshokwe, Meudon (França): 29-37

In http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7883.pdf


NOTA: A palavra usada para designar os Quiocos (termo usado pelos portugueses e que é oriundo do quimbundo) escreve-se Cokwe em Angola, Tshokwe na República Democrática do Congo e Chokwe na Zâmbia. Aqui temos três maneiras diferentes de escrever a mesma palavra e com a mesma pronúncia! Não seria conveniente que os três países fizessem um acordo ortográfico?

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