Há um veneno em mim
Há um veneno em mim que me envenena,
um rio que não corre, um arrepio,
há um silêncio aflito quando os ombros
se cobrem de suor pesado e frio.
Há um pavor colado na garganta,
e tiros junto à noite, e o desafio
(algures na escuridão) de alguma coisa
calando o fraco apelo que eu envio.
Há um papa que morre enquanto escrevo
estas linhas de angústia e solidão
há o fogo da Breda, os olhos gastos.
Há a mulher que espera confiada
um pálido vazio aerograma;
e há meu coração posto de rastos.
Fernando Assis Pacheco (1937-1995)
Breda — Metralhadora pesada usada na Guerra Colonial, habitualmente montada em viaturas militares
Aerograma — Espécie de carta sem sobrescrito, inventada por Fernando Pessoa
Um aerograma do tipo usado na correspondência entre os militares portugueses destacados em África e as suas famílias (Foto: Museu do Papel) |
Comentários: 4
Em mim também...
Caro anónimo, seja bem-vindo. Faça de conta que está em sua casa.
Que poema tão bonito (e tão estranhamente actual, não é?). E a poesia tem esta coisa: pode ter múltiplas leituras, ser independente de geografias e de épocas.
É, de facto, um poema estranhamente atual. Podemos fazer agora uma leitura que não era a que estava nas intenções originais do poeta, mas que é tão legítima como ela.
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