Ladainha dos póstumos Natais
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
David Mourão-Ferreira (1927-1996), in Cancioneiro de Natal
Comentários: 4
Este poema é lindo e ontem hesitei em escolhê-lo. Mas é triste e eu gosto de um natal de renascimento e não de desaparecimento.
Mas fiquei com pena de lhe ter virado as costas. Mas a vida tem destas coisas: vim dar com ele aqui e é como se estivesse em minha casa.
Um bom Natal para si!
Cara "Um Jeito Manso"
Praticamente desde o primeiro Natal em que tenho vindo a publicar este blog, ou seja desde há 7 anos (como o tempo passa!), estava com vontade de postar este poema de David Mourão-Ferreira. Ele é triste, sem dúvida, mas mostra de forma claríssima que somos mais pequenos do que um grão de poeira e que as nossas vidas são mais curtas do que um fugaz instante. Toda a vaidade, toda a arrogância, toda a ganância, toda a crueldade, todo o fanatismo dos homens são um absoluto nada. E no entanto causam tanto sofrimento!
Espero que tenha tido um bom Natal.
Somos mesmo isso que diz: uma poeira cruzando o espaço.
Um colega meu tem a mãe muito mal e a todo o momento espera uma má notícia. E dizia ele no outro dia que a vida passa tão depressa e parece tão sem sentido quando se vê a mãe a despedir-se da vida.
Um dia seremos nós, é um facto. David Mourão-Ferreira fala disto e parece que a forma com o diz ainda encurta mais a nossa esperança de que isto seja eterno enquanto dure.
O meu Natal foi muito bom, com algumas ausências mas com crianças que mostram que a vida é isto mesmo: uma passagem de testemunho.
Mas, enfim, aproveitemos bem este breve instante que nos está a caber em sorte.
Nunca senti tanto a fugacidade da vida como durante a minha participação na guerra colonial. Brincar ao gato e ao rato com a morte, quando sentimos que ainda vivemos tão poucos anos e não acreditamos na vida eterna, é de enlouquecer.
O meu Natal também foi muito bom. Este ano conseguiu-se reunir toda a minha família mais próxima.
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