Uma nação arco-íris
Monumento a Nelson Mandela (1918-2013) em Howick, a 90 km a sul da cidade de Durban, na África do Sul, da autoria de Marco Cianfanelli (Foto de autor desconhecido) |
Majestades, altezas, distintos convidados, camaradas e amigos,
Pela nossa presença aqui hoje, e pelas nossas celebrações noutras regiões do país e do mundo, glorificamos esta liberdade que acaba de nascer e depositamos nela todas as nossas esperanças.
De um dramático desastre humano que durou demasiado tempo deverá nascer uma sociedade que será o orgulho da Humanidade.
Os nossos comportamentos quotidianos de sul-africanos devem construir uma verdadeira realidade sul-africana que consolidará a fé da Humanidade na justiça, que afirmará a sua confiança na nobreza da alma humana e que alimentará todas as nossas esperanças para que a vida de todos nós seja uma vida feliz.
Tudo isto se deve a nós próprios e aos povos do mundo inteiro que estão hoje aqui bem representados.
Aos meus compatriotas, digo sem hesitar que cada um de nós está profundamente enraizado no solo deste país magnífico, tal como as mimosas ou os famosos jacarandás de Pretória. De cada vez que cada um de nós pisa o solo deste país, sente um profundo sentimento de alegria e exaltação. O humor nacional muda com as estações. Somos levados pela alegria e pelo entusiasmo quando a erva fica mais verde e as flores se abrem.
Esta sensação espiritual e física de ser um único, com a pátria, explica a intensidade do sofrimento que transportávamos nos nossos corações enquanto víamos o nosso país destroçado por um conflito terrível e, além disso, rejeitado, boicotado e isolado pelos povos do mundo inteiro, precisamente porque se tornou o símbolo de uma ideologia perniciosa, do racismo e da opressão racial.
Nós, povo da África do Sul, estamos hoje encantados por ver que a Humanidade nos acolhe de novo no seu seio, e que nós, os fora-da-lei de ontem, temos hoje o raro privilégio de receber no nosso solo todas as nações do mundo.
Agradecemos aos nossos distintos convidados internacionais terem vindo comemorar, com o nosso povo, o que é, antes demais, uma vitória comum em matéria de justiça, de paz e de dignidade humana.
Esperamos que continuem ao nosso lado quando enfrentarmos o desafio de construir a paz, a prosperidade, a democracia, e de trabalhar contra o racismo e contra o sexismo.
Admiramos o papel desempenhado pelo nosso povo e pelas suas classes políticas, os líderes democráticos, religiosos, as mulheres, os jovens, as empresas, os líderes tradicionais e os outros líderes, com o objetivo de chegar a este resultado. Entre estes, e não o menos importante, encontra-se o meu segundo presidente-adjunto, Frederik Willem de Klerk.
Gostaríamos igualmente de saudar as nossas forças de segurança, qualquer que seja o seu posto, pelo papel notável que desempenharam na proteção das nossas primeiras eleições democráticas e na transição para a democracia contra as forças sedentas de sangue que recusam sempre ver a luz.
Chegou o tempo de curar as feridas.
Chegou o tempo de preencheer as lacunas que nos separam.
Chegou o tempo de construir.
Chegámos enfim ao momento da nossa emancipação política. Comprometemo-nos a libertar o nosso povo da escravização devida à pobreza, à privação, ao sofrimento, ao sexismo e a todas as outras discriminações.
Conseguimos passar as últimas etapas no caminho para a liberdade em condições de relativa paz. Comprometemo-nos a construir uma paz completa, justa e duradoura.
Conseguimos implantar a esperança no coração de milhões de pessoas do nosso povo. Comprometemo-nos a construir uma sociedade na qual todos os sul-africanos, sejam brancos ou negros, poderão manter-se em pé e caminhar sem medo, seguros do seu direito inalienável à dignidade humana — uma nação arco-íris, em paz com ela própria e com o mundo.
Como prova do seu compromisso na renovação do nosso país, o nosso governo de unidade nacional toma a decisão, como questão urgente, de amnistiar todos os compatriotas que estejam a cumprir atualmente a sua pena de prisão.
Dedicamos este dia a todos os heróis e heroínas deste país e do resto do mundo que se sacrificaram ou deram a vida para que nós pudéssemos ser livres. Os seus sonhos tornaram-se realidade. A liberdade é a sua recompensa.
Sentimo-nos tão orgulhosos da honra e do privilégio que o povo da África do Sul nos deu ao nomear-nos o primeiro presidente de um governo de união democrática, não racista e não sexista.
Estamos conscientes de que o caminho para a liberdade não é fácil.
Estamos conscientes de que nenhum de nós, sozinho, pode chegar ao fim.
Devemos pois agir em conjunto, como um povo unido, para uma reconciliação nacional, para a construção de uma nação, para o nascimento de um novo mundo.
Que a justiça seja a mesma para todos.
Que a paz exista para todos.
Que haja trabalho, pão, água e sal para todos.
Que cada um de nós saiba que o seu corpo, o seu espírito e a sua alma foram libertados para que pudessem prosperar.
Que nunca, nunca mais este país magnífico reviva a experiência de opressão de uns pelos outros, nem sofra a indignidade de ser o pária do mundo.
Que a liberdade reine.
Que o sol jamais se ponha sobre uma realização humana tão radiosa!
Que Deus abençoe a África!
Obrigado.
Discurso proferido por Nelson Mandela, por ocasião da sua tomada de posse como presidente da África do Sul, em 10 de maio de 1994
Comentários: 1
Um dos grandes discursos do nosso tempo e que tivemos o privilégio de testemunhar.
Namibiano Ferreira
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