O Catitinha
O Catitinha, tal como o conheci |
Era verdade que o Catitinha não distribuía prendas, mas distribuía apertos de mão pelas crianças. Como eu ficava vaidoso em ser cumprimentado com um aperto de mão por ele. Eu era cumprimentado como se já fosse um homem!
Embora só aparecesse uma vez por ano, o Catitinha era uma das figuras típicas da praia de Espinho, juntamente com as vendedoras de "línguas da sogra" e o Zé Batateiro, que era um vendedor de batatas fritas muito pitoresco também (ele anunciava-se como sendo o «Zé Batateiiiiiiiiiiiiiro»).
Sempre vestido com um fato completo, com laço, colete e tudo, por muito calor que fizesse, e com umas grandes e respeitáveis barbas brancas, o Catitinha possuía uma figura que só não era imponente, porque os seus olhos irradiavam bondade e não altivez, de tal modo que toda a criançada corria para junto dele, sem qualquer receio, assim que aparecia.
Mas quem era, afinal, o Catitinha? De seu nome próprio António Joaquim Ferreira, o Catitinha nasceu na freguesia de S. Tiago, no concelho de Torres Novas, em 23 de outubro de 1880, e faleceu em Avanca, no concelho de Estarreja, onde está sepultado, em 9 de abril de 1969. Dizia-se que ele tinha enlouquecido em consequência da morte de uma sua filha, por atropelamento, e que, a partir desse trágico acontecimento, ele passou a percorrer as praias todas, desde Moledo do Minho até Cascais, pelo menos, para se ver rodeado de crianças, muitas crianças, todas as crianças. E as crianças sentiam-se atraídas por ele. E ele sentia-se feliz, como se fosse uma criança grande e barbuda no meio das outras crianças.
O Catitinha ainda novo, semideitado na areia e rodeado de crianças e alguns adultos, na Praia das Maçãs, Sintra, no ano de 1937 (Foto: Margarida Pelágio) |
O Catitinha ainda sem barbas em 1954, na praia da Nazaré (Foto gentilmente cedida por Pedro Freire Lopes, que é a criança que se vê ao colo dele)
(Clicar na imagem para ampliá-la)
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Comentários: 30
Vejo que Catitnha corria Portugal de lés a lés, tenho uma foto com ele na Praia de Carcavelos talvez no ano de 1959-60.
Assim era, caro Zé Carlos. Ele devia passar o mês de agosto todo a percorrer a costa. Como só me lembro de o ver aparecer vindo do norte, presumo que ele iniciava a sua jornada na praia mais a norte, em Moledo do Minho.
Também me lembro do Catitinha, que passava na praia de Espinho,
e sempre vindo do norte. Muito simpático o Catitinha! E as crianças corriam sempre para ele. :)
O Catitinha era na verdade uma personagem fascinante, prezada mariajosemcastro. Obrigado pelo seu comentário, que corrobora o que escrevi.
Do que se foi lembrar. Obrigado.
Também eu e minha irmã gémea nos recordamos dessa figura simpática tirada de um postal da nossa infância.
Praia de Carcavelos sim senhor.
Distribuia sorrisos, abraços e a ideia de que assim o mundo seria melhor. Sonhavamos todos.
Hoje nem os barbudos nos safam
Fiz uma pausa neste texto e dei comigo a sorrir como durante estas décadas que nos separam, jamais o terei feito.
Que o Catitinha descanse em paz e que tenha tido a consciência do bem que semeou pelas praias ainda despoluidas.
Foi bom e agora recordá - lo.
Faço minhas as suas palavras, caro Luis P. Sousa. Que o Catitinha descanse em paz, pela bondade que distribuiu por milhares e milhares de crianças.
Caro Fernando, vim ter diretamente ao seu blog ao pesquisar "catitinha" no Google e confesso que fiquei surpreendido por encontrar o seu post. Em agosto de 1962 (ou 1963, não sei dizer ao certo) tinha eu os meus 5 (ou 6) anos, estava eu na praia da Póvoa de Varzim, quando subitamente todos os meninos começaram a correr e a gritar "olha o Catitinha!" e rodearam um senhor de barbas brancas que os recebeu com um grande sorriso. Eu já não me recordo se também me juntei aos miúdos, mas nunca mais me esqueci do episódio. Hoje, como adulto, senti curiosidade acerca dele e tentei a sorte no Google. Sempre calculei que o Catitinha fosse da Póvoa Varzim. Graças ao seu trabalho de pesquisa os périplos anuais do Sr. António Ferreira pelas praias portuguesas ficam preservados para além das nossas memórias, crianças daqueles tempos. O seu post é um tributo a todas as pessoas que, tal como o Sr. António Ferreira, distribuem afeto sem inibições e sem esperarem qualquer retribuição.
Caro Sérgio Oliveira, muito obrigado pela sua visita e pelas suas palavras. Eu quis, de facto, prestar um tributo a um homem que, tomado de uma loucura mansa, procurou compensar a sua imensa dor distribuindo amor à sua volta pelas crianças que encontrava.
Lembrei-me há pouco do Catitinha e fiz uma pesquisa no Google para saber se tinha ficado alguma memória da sua passagem pelas praias da minha infância. Lembro-me dele na praia de Espinho nos anos sessenta Ouvia-se um apito, logo a seguir um grito:"É o Catitinha"! E todos, todos corríamos para ele, com um entusiasmo difícil de descrever.Todos sabíamos que ele gostava de nós.
Fico-lhe grato, Fernando Ribeiro, por trazer até nós uma figura tão querida e única do nosso passado!
José Manuel Sobral
Não tem que agradecer, caro José Manuel Sobral. O Catitinha foi realmente uma personagem tão fascinante e encantadora, que até os adultos nos incitavam a ir ter com ele. Mas não era preciso dizerem-nos isso, pois nós íamos logo a correr!
P.S. — Tomei a liberdade de apagar um dos comentários que publicou em duplicado. Apaguei aquele em que o seu nome aparecia incompleto.
Não sei dizer porque o Catitinha me surgiu das memórias adormecidas do passado,mas há poucos dias surgiu,assim lá dos meus arquivos esquecidos e sorri ao relembrar aquela figura imponente e terna... Afinal uma memória comum a muitos contemporâneos aveirenses,pensava eu! Mas ao deparar com este historial,voltei a sorrir porque ele ficou no coração de muitos contemporâneos, ao que parece, duma boa parte do litoral português!!!! Todos nós o guardámos na prateleira dos afectos!!!
Com efeito, milhares de pessoas devem tê-lo guardado na prateleira dos afetos, prezada Nidia Morais. Obrigado pelo seu comentário.
Também guardo a memória afetuosa do Catitinha, o Pai Natal de Verão , que conseguia reunir à sua volta todas as criancinhas sem precisar de trazer presentes, só pela sua dedicação e amor.
Hoje os pais temem os estranhos e mais ainda os loucos e nunca lhes entregariam os filhos mas Catitinha era um Cristo negro que nem precisava de pedir " Deixai vir até mim as criancinhas ",
corriam para ele ao som do seu apito.
Querido Catitinha !
Muito obrigado pelo seu comentário, Luísa Ducla Soares. É para mim uma honra receber a sua visita. Os seus livros também conseguem reunir à sua volta todas as criancinhas (e também adultos), só pela sua dedicação e amor. Volte sempre que quiser. A porta está sempre aberta.
O Catitinha também aparecia na praia da Figueira da Foz!
O Catitinha também vinha a Espinho. Sempre
rodeado de crianças. Muito querido por todos.
Criança, conheci o Catitinha na praia da Barra, Aveiro, onde anualmente era o centro das atenções. Não tenho boa memória dele, apenas que era um senhor barbudo, bondoso e querido. A narrativa aqui feita ajudou-me a avivar algumas características porque era conhecido.
Parabéns ao autor do trabalho.
Quem estiver interessado em conhecer quem foi António Joaquim Ferreira, "O Catitinha" ou "António do Meninos", aconselho a leitura das páginas 18 e 19 do jornal Correio da Manhã, de 19 de Fevereiro de 1984. Contém uma entrevista com a filha que não morreu em pequena, mas com mais de 90 anos. Chamava-se Clementina Ferreira (ou Clementina Gancha), nasceu em Riachos a 6 de Abril de 1905 e faleceu na Golegã a 15 de Novembro de 1996 (conforme o registo de nascimento e respectivo averbamento de óbito.
Eu sou desse tempo, recordo muito bem esse senhor, que nos assobiava e cumprimentava ,mesmo a beira do mar.Gostei do artigo, falei a um dos meus filhos e ele pesquisou, na Internet.
Li com muito prazer não só o texto principal,mas também,os comentários sobre essa figura mítica da minha infância.
Para enriquecer a figura do Catitinha,vou acrescentar mais dois textos do mesmo autor,o maior escritor do século XX em portugal,Virgílio Ferreira.
No seu romance "Nítido Nulo",1ª edição,1971,pág.133 e 134:"...Talvez por isso eu gostava tanto daquele homem,chamavam-lhe o Cara-Linda,mas a cara não era linda.E no entanto também não era feia,suponho.Mas quando se é pequeno a beleza não está na cara.Em pequeno é que se sabe.Tinha os olhos incendiados,a testa altaneira,cabelos de profecia.Andava de praia em praia na época dos banhos e tinha a doce mania de cumprimentar individualmente quanta criança encontrava pela frente.Elas iam formando rebanho atrás dele e por cada uma cumprimentava,trazia um apito ao pescoço,tocava uma apitadela.E dizia.
-Já está!
não sei porquê.Chamavam-lhe o Cara-Linda,nós corríamos atrás dele.
-Menino! Venha para aqui!- dizia tia Matilde.
-Deixe-o ir um bocadinho--dizia-lhe a Dolores.
Os miúdos formavam coorte à volta dele,era estranho.Um homem grande,como um deus bíblico,e a miudagem à roda dele.De um por um, bacalhoava-os a todos.Alguns repetiam. Tocava um apito----porque é que tocava um apito?Talves para anunciar um grande acontecimento como o apito das fábricas o do combóio.Era um louco manso,tia Matilde dizia.Era um homem grande,separado de todos os homens,convivia com as crianças,fechava o círculo.Os homens grandes convivem com as crianças.É dos livros e da sabedoria.Os chefes políticos recebem sempre de um menino um ramo de flores.Depois dão-lhe um beijo.É do instinto da grandeza e da sua imitação.Para justificar a grandeza?para a explicar desde as raízes da vida,desde a inocência absoluta.O mar quebra na areia em pequenas ondas de espuma,as cranças mete-se com ele.Metem-se com o profeta,ele aperta-lhes a mão,numa fraternização da vida através das idades.Então,num arranque heróico
-Menino"Venha para aqui!
avancei para o grande homem,eu não lhe apertara ainda a mão.Dei a volta pela frente do magote de miúdos,apontei-lhe a mão à barriga.ELE tomou-ma logo na sua,mão larga,quente de cumplicidade.Depois tocou o apito para anunciar o acontecimento.E disse:
-Ja´esta.
Depois voltei para a minha tia......."
Desde 1971,quantas leitura não fiz eu!sobretudo no verão para o comemorar,centenas senão milhares! e para mim.....
E eis que em 2008 comprei o "Diário Inédito,referente aos anos 1944.1949 e,eis que encontro a fonte deste texto:"Nazaré,19 de setembro,pág.112 que começa assim:"...Tem umas barbas de profecia e um corpo de gigante......";
Nunca mais parei até que encontrei:" Torres Novas(Meia Via),23 de outubro de 1880-Avanca,9 de Abril de 1969"
A partir destes dados consegui o assento de baptismo(nesse tempo não havia conservatórias dos registos civil..Era tudo MONOPÓLIO DA IGREJA...) ao qual está averbado,o casamento, e o óbito....depois foi um nunca mais.....li tudo o que sobre ele,CATITINHA,foi sendo escrito.Por fim encontrei um filme de 4 segundos de película que fora encontrado e que pode ser visto em
#VisionsduRéel em português datado na internet de 3/4/2019
Caro "justiceiro",
As pessoas não deixam de me surpreender. Limitei-me a publicar um pequeno e despretensioso texto sobre uma figura da minha infância, o Catitinha, e para minha surpresa este texto tem vindo a ser lido (e comentado) centenas e centenas de vezes, desde que o publiquei há oito anos e meio. Segundo as estatísticas do Blogger, este texto já foi visto 1069 vezes até este momento! Como é possível que um homem que só víamos uma vez por ano (na melhor das hipóteses) tenha marcado tão profundamente a nossa memória? Génio ou louco, o Catitinha foi de facto um homem extraordinário.
Até Vergílio Ferreira escreveu sobre ele, facto que eu desconhecia. Li algumas obras deste notável escritor português, mas não as li todas, de maneira nenhuma. Li a "Manhã Submersa", a "Aparição", a "Carta ao Futuro", etc., mas não li o "Nítido Nulo", entre muitos outros livros. Por isso lhe agradeço a transcrição que fez. Está visto que vou ter que arranjar maneira de ler o "Nítido Nulo" também. Nunca é perda de tempo ler Vergílio Ferreira.
Tentei ver o filme de 4 segundos que refere, mas o site https://meio.tv/visionsdur%C3%A9el-em-portugu%C3%AAs-4627d82e7b5 não o mostra; só lhe faz referência, como ponto de partida para a realização de um documentário chamado "O Mar Enrola na Areia".
Obrigado pelo seu comentário.
Caros amigos, também eu tenho gratas recordações do Catitinha.
Era muito pequena, 4 ou 5 anos. Póvoa de Varzim. Passámos dois verões ali, embora vivessemos no Porto. Também aparecia pelas praias da Foz do Douro e Matosinhos.
Ano de 1950, 49? Por aí.
Tenho uma fotografia de nós todos, os irmãos, com o nosso pai e o Catitinha.
Que gosto e que saudades!
Gostava de a partilhar, mas não sei se posso.
Cumprimentos para todos.
Isabel M.
Cara Isabel M,
Por mim, pode partilhar o que quiser, sem receio. O texto é meu e as fotografias são tão antigas que, com toda a certeza, já passaram para o domínio público.
Obrigado pelo comentário
Fernando Ribeiro
O PR parece o Catitinha de Monte Gordo...
Bem me lembro do Catitinha na Figueira em agosto ❤️🙏
Também eu, talvez nos anos 64-67
Não posso dizer que tenha recordações do Catitinha...
Mas tenho uma fantástica fotografia em que estou ao colo dele, na Nazaré, em 1954.
Gostaria de a enviar para o autor do blog, estando este artigo activo há 10 anos, quanto mais não seja para acervo, mas não sei como...
Caro Numerobis,
Muito obrigado pela fotografia, que tomei a liberdade de acrescentar ao post. Se não estiver de acordo, peço-lhe imensa desculpa pelo meu atrevimento e prometo retirá-la imediatamente.
Caro Sr.Fernando Ribeiro..seria para mim um prazer conhece-lo, pois observo ser um estudioso de tudo aquilo que faz parte das nossas memórias...O Sr. deu a conhecer coisas do Catitinha, que eu sinceramente desconhecia.O Sr. Deu visibilidade ao meu cartoon do CATITINHA...que foi para a minha Geração...UMA FIGURA MUITO QUERIDA....OBRIGADO POR ISSO...ao seu dispor...um abraço..
Não tem nada que agradecer. O Catitinha foi também para mim uma figura marcante e fascinante. O que é uma surpresa para mim, é a quantidade de pessoas que também se interessam por ele. Até este momento, este post já teve, por si só, 1505 visualizações.
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