«África é fruto sazonado.»
África é fruto sazonado.
Para o colher é preciso
ter vivido em sua carne,
sangrado em seu espinho,
auscultado a sua polpa.
Depois, comê-lo com humildade:
Guardar religiosamente o seu caroço.
Merecer a tatuagem:
beber nos rios do seu Povo,
habitar nas cubatas de barro e de capim,
guardar suas mulheres de lua e noite
e os filhos do amor no coração.
Ter África no sangue
é compreender a voz dos quimbos;
senti-la como reza em noites de kazumbi,
noites de óbito e batuque nas sanzalas.
É velar o morto com o grito de guerra;
pronunciar o desafio à noite que desaba
enfrentar o dia da boémia no mato.
Ser deste céu
é ter o vírus tropical no peito;
fumar o fumo entorpecente da liamba,
temperar a voz no travo do marufo.
É enterrar os pés na terra virgem
até sentir as veias prenhes de virtude.
Cândido da Velha (pseudónimo de um poeta angolano cuja identidade verdadeira se desconhece)
GLOSSÁRIO
cubatas — habitações rústicas
quimbos — aldeias
kazumbi — alma penada
sanzalas — aldeias
liamba — cannabis
marufo — vinho de palma
(Foto: Jorge Rosmaninho Neto) |
Comentários: 2
Belo poema, seria mais belo... senão refletisse a realidade.
A África evocada neste poema é a África rural. É uma África profundamente humana, com tudo o que ela tem de belo e, ao mesmo tempo, com tudo o que ela tem de duro e de difícil. É a verdadeira África que, uma vez conhecida, nunca mais se esquece. Por muito pobre que ela seja, a sua generosidade, hospitalidade e espontaneidade não têm preço.
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