De Boca a Barlavento
I
Esta
a minha mão de milho & marulho
Este
o sol a gema E não
o esboroar do osso na bigorna
E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devorem
esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas
II
Poeta! todo o poema:
geometria de sangue & fonema
Escuto Escuta
Um pilão fala
árvores de fruto
ao meio do dia
E tambores
erguem
na colina
Um coração de terra batida
E lon longe
Do marulho à viola fria
Reconheço o bemol
Da mão doméstica
Que solfeja
Mar & monção mar & matrimónio
Pão pedra palmo de terra
Pão & património
Corsino Fortes (1933-2015), poeta cabo-verdeano falecido há poucos dias
Um menino da Ilha do Fogo, Cabo Verde (Foto de autor desconhecido) |
Comentários: 5
Maravilhosamente perfeito o encaixe texto e esses meninos lindos. Que olhos! Ainda mais exuberantes quando fogem ao "padrão".
Há um pormenor insignificante, que me escapou quando escolhi a foto dos meninos da ilha do Fogo para ilustrar o poema e que eu só notei depois de ter publicado este post. O título do poema refere-se ao Barlavento, mas a ilha do Fogo não pertence ao Barlavento, pertence ao Sotavento. Não tem mal nenhum, claro, pois o Fogo também faz parte de Cabo Verde e a própria capital do país (a cidade da Praia, na ilha de Santiago) fica no Sotavento também. O poeta Corsino Fortes, que é um dos maiores poetas cabo-verdeanos de sempre, era natural da ilha de São Vicente, que fica no Barlavento, a mesma ilha onde nasceu a grande diva Cesária Évora. Um mapa de Cabo Verde pode ser visto aqui: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Topographic_map_of_Cape_Verde-en.svg.
Os meninos da foto, com o seu aspeto, podem fugir ao "padrão" no resto do mundo, mas não fogem na sua própria ilha. Com efeito, é frequente encontrar-se no Fogo crianças de cabelo louro ou ruivo e de olhos verdes ou azuis, num nítido contraste com a cor da sua pele. A explicação para este facto pode ser encontrada na hereditariedade.
Infelizmente, eu não me surpreenderia se me dissessem que os meninos da imagem ficaram sem nada recentemente. A ilha do Fogo é toda ela um gigantesco vulcão, que se ergue desde as profundezas do Oceano Atlântico até atingir uma altitude próxima dos 3 mil metros! Este vulcão não está extinto, de maneira nenhuma. Não é por acaso que a ilha se chama Fogo. No ano passado, o vulcão teve uma erupção, que destruiu inúmeras casas de habitação, escolas, campos agrícolas, etc. Veja-se, por exemplo, uma fotografia de uma povoação sendo engolida pela lava do vulcão (que avança da direita para a esquerda, na imagem) em http://www.cvarg.azores.gov.pt/noticias/PublishingImages/Fogo%200274.jpg. Muitas famílias, que já eram pobres, ficaram sem nada. Felizmente não há vidas humanas a lamentar. Entretanto a erupção já parou e agora os habitantes estão a tentar reconstituir as suas vidas, com a ajuda do Estado e de organismos internacionais.
Lamento muito por todos eles, e tantos outros...
Obrigada, Fernando. Seus comentários sempre são cheios de muitas informações preciosas.
Cara "Chama a Mamãe!", é claro que a situação em que ficaram muitos habitantes da ilha do Fogo é de lamentar. Mas Cabo Verde é um pais que tem tido governantes honestos, e creio que continua a tê-los. Estou, por isso, completamente convencido de que toda a ajuda fornecida pelas organizações internacionais está a chegar às vítimas da erupção, em vez de ser desviada por políticos corruptos. Cabo Verde é o país de toda a África onde há menos corrupção. É frequentemente apontado como um exemplo a seguir.
Magnífico. Lamento pelo meu País, cujo mau exemplo no que diz respeito à corrupção, tem tomado dimensões inimagináveis.
Os escândalos têm sido diários. É bem verdade que muitos poderosos estão presos, mas...
Abraço
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