13 março 2016

Uma cadeira de soba

(Foto: Brooklyn Museum, Nova Iorque, Estados Unidos da América)


Soba é o nome que em Angola se dá a um chefe tradicional. É o mesmo que régulo.

Esta cadeira é mais do que uma vulgar peça de mobiliário. É um símbolo de poder. Talvez eu lhe devesse chamar trono. É obra de um anónimo escultor quioco (cokwe) do séc. XIX. Os quiocos (tucokwe) são uma etnia que vive no leste de Angola (sobretudo no nordeste) e nas regiões vizinhas da República Democrática do Congo e da Zâmbia.

As figuras que estão esculpidas nesta cadeira terão, certamente, um significado determinado. Elas não devem ter sido feitas apenas para ornamentação, à exceção, provavelmente, dos desenhos geométricos.

O rosto estilizado que encima o espaldar representa talvez o próprio soba (mwanangana), não como um retrato (ainda que muito estilizado) do próprio, mas através da evocação da figura do herói mítico fundador do povo lunda-quioco, o caçador luba Cibinda Ilunga, de quem emanava o poder que o soba detinha. Os baixos-relevos que se veem no espaldar parecem ter igualmente um significado simbólico, que me parece ser evidente mas que desconheço completamente. As figuras femininas que estão representadas nas pernas da frente da cadeira poderão representar antepassadas ilustres do soba, pois a sucessão entre os quiocos (e os bantus em geral) é matrilinear. As restantes figuras esculpidas em baixo poderão evocar, eventualmente, provérbios e outras expressões da sabedoria quioca, quer dizer, ensinamentos que o soba não deverá esquecer no exercício do seu cargo. Tudo isto são suposições minhas. Não sendo um entendido no assunto, só posso conjeturar com base em casos semelhantes que já encontrei.


(Foto: Brooklyn Museum, Nova Iorque, Estados Unidos da América)


A serpente espiralada que se vê nas costas da cadeira parece ter claramente um significado simbólico. Ela não está ali por acaso, com toda a certeza. O mesmo se poderá dizer dos baixos-relevos que estão mais abaixo. Das figuras que estão esculpidas ao fundo na parte de trás da cadeira, a da esquerda está a tocar um tchingufo (cingufu), que é um instrumento de percussão de forma trapezoidal, que pode ser usado como acompanhamento musical, mas que no passado era também usado para transmitir mensagens a grande distância. Na fotografia que se segue podemos ver um tchingufo a sério. Ao longo do lado mais comprido do trapézio que enforma o tchingufo existe uma fenda, por onde sai o som do instrumento.


Um tchingufo (Foto: Musée Royal de l'Afrique Centrale, Tervuren, Bélgica)

Comentários: 2

Blogger Chama a Mamãe! escreveu...

Rica informação. Rica, também, essa peça.
Parabéns...
E obrigada!

17 março, 2016 13:12  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Muito obrigado, cara "Mamãe". Vale a pena conhecer um pouco do povo a que pertenceu o criador desta cadeira, povo este que em português é chamado quioco, mas que em Angola é preferencialmente chamado cokwe (pronuncia-se "tchókuè"). Os quiocos chamam-se a si mesmos tucokwe (no plural; o singular é kacokwe) e o seu idioma é chamado ucokwe.

A coreógrafa angolana Ana Clara Guerra Marques, que é fundadora e diretora artística da Companhia de Dança Contemporânea de Angola e que já tive o prazer de conhecer pessoalmente, tem-se inspirado muito nas danças, máscaras e rituais tradicionais deste povo para a criação das suas próprias coreografias. Ela mantém, inclusivamente, um site na internet dedicado a este povo. Se estiver interessada, "passeie" à sua vontade pelo site Tucokwe.org. Encontrará nele assuntos que eu acho muito interessantes.

21 março, 2016 02:51  

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