05 julho 2021

Calvário, de Diogo de Contreiras


 Calvário, c. 1550, de Diogo de Contreiras (c.1500–1565), óleo sobre madeira, Misericórdia de Abrantes, Abrantes, Portugal

O Maneirismo foi uma corrente artística que surgiu na Europa do séc. XVI, como contraponto ao Renascimento, que lhe antecedeu. Enquanto o artista renascentista se inspirava nos valores da Antiguidade Clássica e buscava a beleza sem mácula, a perfeição, o equilíbrio e a harmonia, o artista maneirista rompia frontalmente com estes valores e exprimia a emoção, o contraste, o excesso e a desproporção. São duas formas de fazer arte, que desde então e até aos nossos dias se foram alternando na Europa. Por exemplo, o Neoclassicismo pode ser considerado um regresso aos valores do Renascimento e o Surrealismo é uma revisitação dos valores do Maneirismo. Aliás, podemos dizer que a arte europeia do séc. XX foi, quase toda ela, eminentemente maneirista. Este "Maneirismo" (em sentido lato) continua no séc. XXI, pelo menos até ver.

No séc. XVI, o Maneirismo português dificilmente poderia ter sido inconformista, como o foi em outros países europeus. Em Portugal e respetivas possessões ultramarinas (Brasil, Goa, Macau, etc.), o Maneirismo foi extremamente condicionado pelas duríssimas condições impostas pela Igreja Católica, que lançou o movimento da Contrarreforma (em reação à Reforma luterana), com a sua "tropa de de choque" doutrinária e ideológica, que foi a Companhia de Jesus, e a sua feroz perseguição das "heresias", feita através dos tribunais da Inquisição. Debaixo deste ambiente intolerante e persecutório, o Maneirismo português dedicou-se quase unicamente à abordagem de temas religiosos, muitas vezes de uma forma austera, podendo neste caso, pelo menos em parte, ser chamado de "arte jesuítica". O gosto pelos temas da mitologia greco-romana, que os maneiristas europeus partilhavam com os seus antecessores renascentistas e que abundantemente representaram nas suas obras, em Portugal quase não se exprimiu.

O pintor Diogo de Contreiras foi um dos artistas maneiristas portugueses mais representativos e esteve ativo entre 1521 e 1562. Como não podia deixar de ser, a sua pintura é, dados os condicionalismos apontados, quase totalmente de caráter religioso. O Calvário que acima se reproduz tem este caráter. Além da expressividade pungente transmitida pelas suas figuras principais, que estão representadas em primeiro plano, há a destacar a excessiva diferença de tamanho entre estas e as figuras representadas em segundo plano, num claro desrespeito pelas regras da perspetiva. Esta diferença não é defeito, é feitio. As ameaçadoras nuvens negras que cobrem o céu acentuam a expressividade trágica do quadro.

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