05 novembro 2023

A vida numa aldeia em Angola durante a época colonial (1956)


Mufuque, na comuna de Cambamba, município do Dange, província do Uíge, vista da estrada principal que atravessa a aldeia (Foto: mufuque57)


A VIDA EM MUFUQUE — A VIDA NUMA ALDEIA EM ANGOLA DURANTE A ÉPOCA COLONIAL (1956)

Capítulo 3 — Alimentação, Vestuário e Habitação

Alimentação

O povo de Mufuque tem dietas simples. Um prato principal comum pode ser "funji" (papa de mandioca) acompanhado de peixe seco. Outros alimentos consistem em couves, raizes de mandioca, folhas de mandioca, caça, carne de cabra, frango, porco, peixe, amendoim, bananas, feijão branco, milho, abóbora, batata-doce, arroz, macarrão, café, chá, cerveja e "jindungo" (uma malagueta que se dá bem na floresta, Capsicum frutenscens, o mesmo que piri-piri). No entanto, alguns destes alimentos só raramente são consumidos.

Os alimentos são preparados na cozinha, que é uma pequena cabana atrás da casa, para manter o fumo afastado da habitação, mas também como precaução contra o fogo. A lareira consiste em três pedras, sobre as quais são pousadas as panelas para que um fogo possa ser aceso debaixo delas. Fica no centro da cabana. O fumo da lareira escoa-se através de fendas na cobertura e nas paredes — não existe chaminé nem outra abertura para a sua saída. A mobília da cozinha consiste em alguns curtos troncos para sentar e uma velha caixa num canto para guardar os utensílios. A cozedura dos alimentos é feita em panelas de barro ou em latas de diferentes tamanhos, que são recuperadas de lixeiras, embora não seja rara a posse de panelas e pratos esmaltados. Usam-se latas de óleo como baldes, e um par de garfos e um velho canivete completam o conjunto.

A fervura em água é a principal forma de cozinhar, embora a carne, o peixe e as raízes sejam frequentemente assados no carvão. Os temperos são simples, limitando-se ao sal, açúcar e jindungo. A maior parte dos alimentos são cultivados ou obtidos da criação de animais, sendo alguns deles também obtidos através da caça, da montagem de armadilhas e da pesca. O resto é colhido na floresta ou comprado numa loja em Cambamba, a 11 quilómetros de distância.

Ao pequeno-almoço bebe-se café, com tanto açúcar quanto se puder. Juntamente com o café come-se pão, caso haja disponível, mas habitualmente come‑se raiz de mandioca assada.

O almoço é a refeição principal, com arroz, funji ou macarrão com carne, verduras ou um pedaço de peixe seco. O jantar consiste em mais funji com algum molho. Durante o dia comem nozes, frutos, térmitas e outros alimentos que encontram na selva ou noutros lugares.

Como é natural, as pessoas não possuem frigoríficos, e por isso têm que ter outros meios de conservar os seus alimentos. A carne é o alimento mais perecível, além do peixe. A secagem é o método mais comum de conservar a carne. Logo após a morte do animal, a sua carne é cortada em tiras com pouco mais de um centímetro de espessura e suspensa num ramo ou corda, para secar ao sol. Alguns dias depois, está tão dura e seca que pode ser partida ao meio. Para cozinhá-la, fervem-na simplesmente num pouco de água.

O peixe, que é capturado no vizinho Rio Suege, é fumado, depois de ter sido aberto, dividido ao meio e limpo das vísceras. Tanto o peixe como a carne são por vezes salgados. O peixe mais consumido é um peixe seco e barato que é trazido em fardos de Luanda.

Nada é desperdiçado. Quando é morto um búfalo, quase todo ele é aproveitado. A pele, por exemplo, é cortada em tiras para ser usada como tirante nas camas. Também limpam o intestino delgado e comem-no. Os olhos e os miolos são fervidos. Os ossos são usados na sopa e posteriormente dados aos cães.

Se um homem tiver posses, bebe frequentemente refrigerante ao almoço. Os refrigerantes vêm em grandes garrafas castanhas e são fabricados em Luanda. Há-os de vários sabores e marcas, tais como tropical, laranja, limão, tangerina, morango, Pepsi-Cola e Sinalco. Muitos bebem Cuca, uma cerveja feita em Luanda. É fornecida em barris ou em garrafas. Uma caneca de bom tamanho com cerveja de barril custa um centavo e meio. A bebida mais comum é o café, que é muitas vezes cultivado pelo próprio.

A comida é servida dentro de casa, numa mesa colocada no meio da divisão. Por vezes o dono da casa tem pratos esmaltados, mas na maioria das vezes todos comem do mesmo prato de estanho. Os homens e os rapazes comem primeiro. As mulheres trazem um prato com um grande monte de funji e uma lata com molho. Os homens tiram um pedaço de funji com os dedos, mergulham-no no molho e levam-no à boca. Depois de os homens terem terminado, comem as mulheres e as raparigas, que a seguir levam os utensílios ao rio para lavá-los. Guardam-nos numa caixa no canto da cozinha.

Vestuário

O vestuário é um dos grandes problemas das pessoas, porque é uma das coisas para as quais é preciso ter dinheiro. A maior parte do dinheiro gasto em vestuário vai para o guarda-roupa do homem. Ele tem que trabalhar durante meses para conseguir comprar um fato barato, que é o seu grande orgulho. Também tenta comprar um par de sapatos. Se ele for muito pobre, a sua melhor roupa é uma camisa rasgada mas limpa, um pano à cintura em vez de calças e um par de alpergatas. Aos dias de semana, todos usam uns calções gastos e remendados, uma velha camisa ou camisola interior e andam descalços. Por vezes, usam um calçado feito de pneus e câmaras de ar velhos ou danificados. Um pedaço do piso de um pneu serve de sola, ao qual são cosidas tiras de câmaras de ar. Resulta daqui uma sandália que se pode usar, mas que é bastante desconfortável. Os chapéus dos homens são habitualmente chapéus de palha velhos e gastos. Os homens mais ricos usam capacetes coloniais.

Só se usam meias aos domingos. Por vezes são apenas metades de meias, somente o suficiente para cobrirem o tornozelo e parecerem que são meias de verdade. Os cintos são frequentemente pedaços de corda, mas alguns homens têm cintos de plástico ou de couro.

As mulheres tentam vestir-se como a esposa do pastor, que é considerada uma autoridade em matéria de vestuário. Ela usa habitualmente um vestido simples de algodão, que está fora do alcance da maior parte das mulheres, em parte porque não sabem costurar. A maioria das mulheres usa metros e metros de tecido ("panos") enrolados em volta de si próprias, apesar do calor. Se uma mulher tiver um bebé, faz uma volta adicional de pano em volta das suas costas para o transportar. As mulheres costumam andar descalças. Para cobrirem a cabeça, usam lenços ou uma volta do pano passando por cima da cabeça.

Muitas crianças com menos de três anos de idade andam completamente nuas exceto aos domingos, quando usam um vestido roto ou um par de calções. As crianças entre três e sete anos de idade usam habitualmente um vestido ou camisa, e de vez em quando usam calças. Quando as crianças chegam à idade escolar, começam a vestir-se melhor. Um aluno da escola veste uma camisa branca, calções e suspensórios ou alças. Frequentemente calça sapatos. Uma aluna traz um vestido e por vezes calça sapatos, muitas vezes pequenos demais ou grandes demais. Só se vestem desta maneira para irem à escola e à igreja.

Habitação

As casas em Mufuque são feitas de argila e paus ("pau a pique") ou de adobe. São pequenas estruturas, habitualmente só com uma divisão, com 3 metros por 4,5 metros. Algumas das casas maiores têm um quarto de dormir a cada lado de uma sala, com 9 metros por 3 metros no total. Só poucas casas é que são maiores do que isto. As casas são retangulares e com coberturas de duas águas. As casas de adobe são frescas e duram mais do que as de pau a pique, mas dão mais trabalho a fazer.

O primeiro passo para construir uma casa de adobe consiste em fazer os adobes, ou blocos de barro. A água é trazida de um rio pelas mulheres e despejada sobre argila. A seguir os rapazes amassam a argila para homogeneizá-la. São adicionadas ervas picadas para dar resistência aos blocos. A seguir a argila é colocada em fôrmas retangulares e compactada. As fôrmas são caixas de madeira com 15 a 20 centímetros de largura, 30 a 35 centímetros de comprimento e quinze a vinte centímetros de altura. Não têm tampa nem fundo. A argila em excesso é raspada com um pau e a fôrma é levantada, deixando um bloco retangular de barro no chão. São necessárias centenas de blocos iguais a este para se fazer uma casa. A seguir os blocos são deixados a secar ao sol. Se chover antes de os blocos ficarem secos, todo o trabalho fica destruído. Quando os blocos estiverem secos, são empilhados e cobertos com capim para mantê-los secos. Depois a casa é construída, como qualquer outra casa de tijolos, em que se utiliza barro como argamassa.

A seguir é colocada a cobertura da casa. Atam-se varas de madeira umas às outras com tiras de casca de árvore, para fazer a estrutura da cobertura, e sobre esta coloca-se capim. O melhor capim encontra-se nos vales, junto da galeria de árvores que acompanha os cursos de água. Só existe um mês em cada ano que é ideal para cortar o capim. Nessa ocasião, o capim tem entre um metro e vinte e um metro e oitenta de altura e está completamente seco. A procura pelo capim é tanta que os homens percorrem cinco quilómetros para cortá-lo. Depois de o cortarem com catanas, juntam-no em feixes e trazem-no às costas no regresso. O capim é atado às coberturas, em camadas com uma espessura de trinta centímetros. Às vezes o construtor faz rústicos caixilhos para janelas, persianas e molduras de portas. As janelas costumam ser poucas e pequenas. As portas são por vezes feitas de folhas de palmeira entrançadas. Se o dono da casa tiver dinheiro suficiente, pode comprar para o seu telhado chapas de zinco onduladas ou telhas de barro cozido, em vez do capim.

Chapa-se barro fresco no interior e no exterior da casa e alisa-se como um reboco. Às vezes a casa é caiada. O chão, que é de terra, é encharcado e compactado firmemente. Ocasionalmente, o dono da casa pode ter meios para fazer um chão de cimento.

O tipo de habitação mais comum é de pau a pique. Na floresta mais próxima cortam-se estacas de madeira compridas, que são transportadas para o local da construção. A seguir são escavados com uma catana buracos com sessenta centímetros a um metro e vinte de profundidade e quinze centímetros de largura (usa-se a ponta da catana para soltar a terra, esta é retirada com as mãos e a operação é repetida várias vezes) até formar um retângulo de buracos, que constitui o contorno da casa. As estacas mais grossas, com oito a quinze centímetros de diâmetro, são introduzidas nestes buracos e é compactada terra à sua volta. Horizontalmente, amarram-se estacas mais finas às estacas grossas. A seguir sáo amarradas estacas ainda mais finas sobre estas. As mulheres e os rapazes amassam barro, como no caso das casas de adobe, e chapam-no sobre a estrutura até esta ficar completamente coberta. Quando esta ficar seca, acrescenta-se outra camada e o excesso de barro é retirado por raspagem. Depois faz-se a cobertura da casa da mesma maneira como na casa de adobe.

O mobiliário é muito simples. As melhores camas são tarimbas de madeira com tiras de pele de búfalo atravessadas no centro. Sobre isto a pessoa que dorme estende o seu "luando", uma esteira feita de juncos de papiro. Outras pessoas dormem em esteiras estendidas no chão. A roupa de cama consiste num único cobertor de algodão e uma almofada de palha.

A maior parte das casas tem uma mesa e um par de cadeiras. Algumas têm uma toalha de mesa muito colorida, que é posta em ocasiões especiais. Muitas pessoas possuem um candeeiro a petróleo para iluminação, enquanto outras não têm iluminação à noite. Ao longo da parede há cabides de madeira para dependurar a roupa e uma ou duas prateleiras. Nas paredes são coladas imagens retiradas de revistas. Algumas portas têm fechadura, mas não costuma ser necessária porque os roubos são raros. Mais frequentemente são usados trincos de madeira.

Nalgumas casas, a cobertura estende-se até formar um alpendre frontal. O exterior das casas é por vezes pintado de uma forma fantástica, o que dá um pouco de colorido à aldeia. Uma vez por dia a casa e as suas redondezas são varridas com uma vassoura feita de capim.




mufuque57 (texto original em inglês)

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