27 outubro 2010

Einstein continua certo

Albert Einstein (1879-1955)

A chamada Física Moderna (que já não é tão moderna como isso, pois já se passaram mais de cem anos sobre a publicação da Teoria da Relatividade Restrita por Albert Einstein) desafia a nossa compreensão do mundo e a nossa própria lógica. E contudo, apesar das suas aparentes contradições com a nossa visão das coisas, ela está correta, tanto quanto o nosso nível de conhecimentos nos permite afirmar. O que ela está, é ainda incompleta, sem dúvida. Falta, por exemplo, fazer a unificação da Teoria da Relatividade com a Teoria Quântica (que não tem qualquer espécie de relação com pulseiras e outras quinquilharias, que são uma grosseira fraude), que é uma questão que está na base de muita da investigação que atualmente se faz na área da Física. Mas a Física Moderna não está errada, tal como não está errada a Física Clássica que herdámos de Newton. A Física Moderna veio complementar a Física Clássica.

De facto, todas as observações efetuadas até agora confirmam a Física Moderna, sem que se tenha verificado uma só exceção. Todas as aplicações práticas desenvolvidas com base nos seus princípios têm dado os resultados que ela prevê e não outros. Nós todos beneficiamos destas aplicações, sem nos apercebermos de que é graças à Física Moderna que as temos. Por exemplo, os computadores e telemóveis que estamos a usar neste preciso momento baseiam-se nela. Só ela é que consegue explicar o funcionamento destes nossos aparelhos.

Depois de ter postulado a Teoria da Relatividade Restrita, em 1905, Albert Einstein propôs a Teoria da Relatividade Generalizada em 1915, estendendo à gravitação e ao movimento acelerado de referenciais, uns relativamente a outros, os princípios que tinha estabelecido anteriormente para o espaço, para o tempo e para referenciais em movimento uniforme, uns relativamente a outros.

Uma equipa de cientistas do NIST (National Institute of Standards and Technology), em Boulder, Colorado, Estados Unidos, conseguiu fazer medições de tal maneira precisas que confirmaram que a Teoria da Relatividade, Restrita e Generalizada, também se aplica à escala humana. Foi a primeira vez que estas medições foram conseguidas com uma tão grande precisão. Para tal, foram usados dois relógios atómicos (melhor dizendo iónicos, pois se basearam num ião de alumínio cada um) que são tão precisos, tão precisos, que só se atrasam ou adiantam um segundo ao fim de 3,7 mil milhões de anos!

Tomemos dois gémeos, nascidos rigorosamente ao mesmo tempo, e coloquemos um deles numa nave espacial, a bordo da qual faz uma viagem a grande velocidade, enquanto o seu irmão fica em terra. Segundo a Teoria da Relatividade Restrita, quando o gémeo que tiver viajado regressar ao seu planeta natal, ele estará mais novo, em idade, do que o seu irmão que não viajou. O tempo terá passado mais devagar para o gémeo que viajou do que para o que não viajou. «Isto será mesmo assim?», perguntar-se-á com incredulidade. É mesmo assim e os físicos do NIST confirmaram-no.

Um dos relógios usados pelos cientistas nas suas experiências foi colocado num movimento pendular, enquanto o outro ficou parado. Quando a velocidade média do relógio em movimento foi de cerca de 35 km/h, verificou-se que o tempo para ele decorreu mais lentamente do que para o outro, num fator de 10–16, ou seja, 0,0000000000000001, tal como a Teoria da Relatividade Restrita prevê. Foram feitas medições com outras velocidades, as quais deram resultados que também concordavam exatamente com o previsto pela Teoria.

Os cientistas fizeram a seguir uma segunda experiência, para verificar o efeito da gravidade sobre a passagem do tempo e assim comprovar a Teoria da Relatividade Generalizada. Para tal, colocaram um dos relógios a um desnível vertical de 17 cm em relação ao outro e mediram as suas oscilações. De seguida, subiram o relógio de cima mais 33 cm (baixando infinitesimalmente a atração gravítica que a Terra exercia sobre ele) e voltaram a medir as oscilações de ambos os relógios. Registaram uma variação de cerca de 4 × 10–17 (ou seja, 0,00000000000000004) na diferença entre as suas frequências. Isto é, o tempo passou mais devagar para o relógio de baixo do que para o relógio de cima, tal como a Teoria da Relatividade Generalizada prevê.

Na verdade, nada disto é revolucionário relativamente ao que já se sabia. Revolucionário seria, isso sim, se as medições efetuadas não estivessem de acordo com as Teorias formuladas por Einstein. Se assim fosse, ter-se-ia finalmente encontrado uma falha nelas, pela primeira vez em cerca de cem anos. Todo o edifício da Física teria então ficado profundamente abalado. Mas não, continua a não haver falha nenhuma. Albert Einstein continua a estar certo.


Uma "lente gravitacional", numa fotografia feita pelo telescópio espacial Hubble. Segundo a Teoria da Relatividade Generalizada, a ação da gravidade exercida por uma dada massa causa desvios no trajeto dos raios de luz, tal como uma lente de vidro o faria. Na imagem acima, a atração gravitacional exercida pela elevadíssima massa de um grupo de galáxias (cada uma das quais contém milhares de milhões de estrelas!) desvia o trajeto da luz vinda de galáxias muito mais longínquas que estão por detrás e amplia a imagem destas. Além disso, como a massa do grupo de galáxias não é pontual, mas tem uma distribuição irregular, a sua ação causa distorções na imagem das galáxias longínquas ampliadas. As galáxias que se veem em arco na fotografia são galáxias muito mais distantes (ampliadas e distorcidas) do que as que compõem o grupo que constitui a "lente". Mais uma vez, Einstein está certo.

18 outubro 2010

Sinos de Minas Gerais

 Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, em São João del-Rei, Minas Gerais, Brasil, da autoria do genial escultor e arquiteto brasileiro António Francisco Lisboa, "O Aleijadinho" (ca.1730-1814)

No passado, eram os sinos das igrejas que marcavam o pulsar da vida das comunidades, tanto aldeãs como citadinas, em Portugal e no resto do mundo cristão. Os toques das Trindades (que muitos poetas do séc. XIX cantaram), de finados, de chamadas para a missa, de rebate e vários outros toques mobilizavam o povo, alegravam-no ou entristeciam-no. Não havia ninguém que não soubesse de cor os toques dos sinos das igrejas, capelas e ermidas da sua aldeia, da sua vila ou da sua cidade.

A laicização da sociedade atual, o frenesim da vida moderna, o uso generalizado de relógios e o ruído permanente do trânsito, entre outras causas, provocaram a perda da importância dos sinos na vida das pessoas. No Portugal dos nossos dias, talvez só nas aldeias do Minho e no centro histórico de Braga é que os sinos ainda desempenham um papel de alguma importância. De resto, mesmo que eles toquem, praticamente ninguém lhes liga.

No ano passado, consciente da necessidade de preservar esta forma de expressão cultural, o Instituto do Património Histórico e Cultural do Brasil declarou património imaterial nacional brasileiro os toques dos sinos das cidades históricas de Ouro Preto, Mariana, São João del-Rei, Congonhas do Campo, Tiradentes, Serro, Diamantina, Sabará e Catas Altas, no estado de Minas Gerais. Este é um exemplo que Portugal deveria seguir.

12 outubro 2010

La Stupenda calou-se para sempre

Joan Sutherland (1926-2010) (Foto: Ron Scherl/Redferns)
 Calou-se para sempre a voz da australiana Joan Sutherland, que foi uma das mais extraordinárias cantoras de ópera do séc. XX. O seu passamento provoca um vazio que muito dificilmente voltará a ser preenchido.




Cena da loucura, da ópera Lucia di Lammermoor, de Gaetano Donizetti, por Joan Sutherland, tal como foi interpretado no programa de televisão Who's afraid of opera?

05 outubro 2010

Viva a República

Busto da República, de Francisco dos Santos (1878-1930) (Foto: Assembleia da República)

Renunciar à liberdade é renunciar ao que mais qualifica o homem, aos direitos da humanidade, aos próprios deveres. Para quem renuncia a tudo não há qualquer compensação. Tal renúncia é incompatível com a natureza do homem. Rouba às suas ações todo o sentido moral, quem retira do seu querer toda a liberdade.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), in O Contrato Social 

04 outubro 2010

Extinguiu-se um crioulo indo-português

William Rozario, o último falante do crioulo português de Cochim (Foto: The Hindu)

No passado mês de Agosto, faleceu perto de Kochi (Cochim), no estado de Kerala, sudoeste da Índia, um homem chamado William Rozario. Com ele morreu também uma língua: o crioulo português de Cochim. William Rozario era o último dos falantes deste crioulo, que ao longo de quinhentos anos foi usado por sucessivas gerações e que era fruto do contacto entre o português e a língua local de Cochim, o malayalam, além de outros idiomas.

Cochim foi a primeira localidade na Índia onde os portugueses se estabeleceram, depois de uma primeira tentativa falhada de se fixarem em Calecute. Sendo um porto muito importante no comércio de especiarias no Oceano Índico, Cochim foi a principal cidade portuguesa no Oriente, até que o vice-rei da Índia se mudou para Goa em 1530. Foi em Cochim que se ergueu a primeira igreja cristã da Índia (atualmente chamada Igreja de São Francisco) e foi em Cochim que faleceu Vasco da Gama. Mais tarde, a cidade foi perdida para os holandeses e para os ingleses.

Em resultado do intenso comércio existente em Cochim entre portugueses, indianos, malaios, árabes e outros, surgiu um idioma que serviu de meio de comunicação entre todos estes mercadores. Este idioma foi o chamado português de Cochim, um dos vários crioulos indo-portugueses que surgiram ao longo da costa da Índia e do Ceilão. Este idioma nasceu, floresceu, definhou com a saída dos portugueses da cidade e agora acabou por morrer quando morreu, também, o seu último falante, William Rozario.

A notícia em inglês da morte deste homem e da sua língua materna foi dada pelo diário The Hindu, da cidade de Chennai (Madrasta), na Índia, num artigo intitulado "Tribute to Cochin Creole Portuguese", o qual inclui um elucidativo texto de Hugo Canelas Cardoso, professor da Universidade de Macau.