07 agosto 2017

Castelo Rodrigo

O escudo invertido, dito "difamado", da vila de Castelo Rodrigo. Este brasão de pernas para o ar foi atribuído pelo rei D. João I, como castigo pelo facto de a vila ter tomado partido por Castela na crise de 1383–1385 (Gravura do livro As Cidades e Villas da Monarquia Portugueza que Teem Brasão d'Armas, 1865, de Inácio de Vilhena Barbosa)

Se o concurso da RTP intitulado 7 Maravilhas de Portugal®  Aldeias tivesse lugar 30 anos atrás, de certeza absoluta que Castelo Rodrigo não só não iria à final, como nem sequer seria levada a concurso. Não poderia, de maneira nenhuma, competir com Podence, em Trás-os-Montes, com Alte, no Algarve, ou com os Biscoitos, na Ilha Terceira.

Quando fui pela primeira vez a Castelo Rodrigo, há muitos anos, fiquei aterrado com o que encontrei. A velha vila fortificada nas terras de Riba Coa era então uma ruína tão degradada e tão miserável, que só apetecia fugir dali para fora. As pouquíssimas pessoas que ainda habitavam aquelas casas decrépitas eram pessoas de muita idade que, por uma razão ou por outra, não se tinha mudado lá para baixo, para a sede de concelho, a vila de Figueira de Castelo Rodrigo. Porque teimavam elas em permanecer em local tão ermo e tão triste? A ruína e o ar de abandono de Castelo Rodrigo eram verdadeiramente impressionantes. Tudo indicava que, assim que os seus idosos moradores morressem, Castelo Rodrigo ficaria sendo uma vila fantasma, com o mato a crescer por entre as pedras das ruínas.


A antiga sinagoga de Castelo Rodrigo, que deu lugar a um poço-cisterna depois da expulsão dos judeus por D. Manuel I (Foto: Nmmacedo)

Julgo que foi em 1995, mais ou menos, que arrancou um programa de Recuperação de Aldeias Históricas de Portugal, o qual visou recuperar diversas localidades de importância histórica no interior centro do país. A velha vila de Castelo Rodrigo foi uma das aldeias recuperadas no âmbito do programa, juntamente com Almeida, Belmonte, Castelo Mendo, Castelo Novo, Idanha-a-Velha, Linhares, Marialva, Monsanto, Piódão, Sortelha e Trancoso. O que aconteceu a estas localidades parece quase um milagre. No caso de Castelo Rodrigo (e também no de Castelo Mendo) foi mesmo um milagre. Foi um milagre laico e feito pelos homens, mas foi um milagre, mesmo assim.


A igreja matriz de Castelo Rodrigo, dedicada a Nossa Senhora de Rocamador, ou de "Reclamador" como também lhe chamam. É uma igreja medieval de estilo românico, com diversas intervenções posteriores. Agora pergunto: qual é maior, a igreja ou a sua torre? Ao fundo, à esquerda, avista-se o pelourinho de Castelo Rodrigo, do tipo gaiola (Foto: CCDRC)

Ora vamos lá ver se nos entendemos. O modo de vida que encontrei em Castelo Rodrigo na minha primeira visita praticamente já não existe. O séc. XXI também acabou por chegar a Castelo Rodrigo. Agora, a antiga vila voltou-se para o turismo e para o mercado das segundas habitações, como aconteceu a muitas outras localidades portuguesas. Em vez dos velhos moradores, que tristemente esperavam a chegada da sua própria morte numa vila também ela moribunda, novas gentes, mais jovens e mais urbanizadas (ou mesmo 100% urbanas), percorrem agora as suas renovadas ruas e calçadas. Será que podemos ainda dizer, como faz a RTP, que Castelo Rodrigo é uma "aldeia autêntica"? Permito-me duvidar. Podence, sim, é uma aldeia autêntica. Belmonte é também uma vila autêntica. Agora Castelo Rodrigo… Enfim, talvez se possa falar numa nova autenticidade, para o caso de Castelo Rodrigo. É uma autenticidade do séc. XXI.


Ruínas do palácio de Cristóvão de Moura em Castelo Rodrigo. Cristóvão de Moura foi um dedicado apoiante de Filipe II de Espanha (que veio a ser Filipe I de Portugal), aquando da crise dinástica aberta pelo desaparecimento do rei D. Sebastião em Alcácer Quibir. Como prémio, Filipe I nomeou-o conde de Castelo Rodrigo e Filipe II (Filipe III de Espanha) nomeou-o marquês, também de Castelo Rodrigo. Depois da Restauração da Independência em 1640, o povo da vila destruiu o palácio, que ficou como se vê. Em primeiro plano, na imagem, veem-se amendoeiras floridas (Foto: Município de Figueira de Castelo Rodrigo)

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