Ana e António
A Ana e o António trabalhavam
na mesma empresa.
Agora foram ambos despedidos.
Lá em casa, o silêncio sentou-se
em todas as cadeiras
em volta da mesa vazia.
«Neo-Realismo!» dirão os estetas
para quem ser despedido
é o preço do progresso.
Os estetas, esses, nunca
serão despedidos.
Ou julgam isso, ou julgam isso.
Mário Castrim (1920–2002)
NOTA — Este poema é de certa forma datado. Ele reflete um tempo em que os "estetas" (como Mário Castrim lhes chama) se opunham ferozmente aos neorrealistas. Os "estetas" acusavam os neorrealistas de fazerem uma literatura de má qualidade, primária, sem profundidade psicológica e maniqueísta. Os neorrealistas respondiam aos seus opositores (de entre os quais se destacavam os surrealistas), acusando-os de fazerem uma literatura apenas decorativa, porque passava ao lado da vida das pessoas, e de quererem manter-se neutrais, evitando tomar partido, mas acabando objetivamente por tomar o partido dos poderosos contra os fracos. Esta oposição entre "estetas" e neorrealistas era mais do que uma simples oposição entre forma e conteúdo, em que os "estetas" privilegiariam a forma e os neorrealistas privilegiariam o conteúdo. Esta oposição assumiu contornos ideológicos, políticos e filosóficos. Seja como for, quase toda esta polémica pertence já ao passado, pois há bons e maus escritores em todas as correntes literárias, incluindo a corrente neorrealista. Alves Redol, por exemplo, foi um escritor indesmentivelmente neorrealista e no entanto foi um grande escritor. O mesmo se poderá dizer de José Gomes Ferreira, Manuel da Fonseca, Soeiro Pereira Gomes e outros.
Comentários: 0
Enviar um comentário