07 outubro 2018

Escarigo, Figueira de Castelo Rodrigo



Pelo tratado de Alcanizes, celebrado em 1297 entre o reino de Portugal e o reino de Leão e Castela, as terras de Riba Coa passaram a fazer parte do território português, em troca de outras terras que passaram para mãos castelhanas e leonesas. Este tratado determinou a marcação definitiva da fronteira portuguesa, que prevalece até à atualidade, salvo a cidade de Olivença que continua sob domínio espanhol, embora Portugal continue a reivindicar o seu direito sobre ela. A região de Riba Coa, assim tornada portuguesa, compreende os atuais concelhos de Sabugal, Almeida, Pinhel, Vila Nova de Foz Coa e Figueira de Castelo Rodrigo.

As terras de Riba Coa são, de uma maneira geral, terras pobres, pedregosas e áridas, pois não são mais do que o prolongamento para oeste da Meseta Ibérica, um planalto que abrange uma grande parte do interior da Península. Podemos também dizer, de um modo grosseiro, que esta região se vai tornando cada vez menos pobre e menos pedregosa à medida que caminharmos de sul para norte. Assim, os concelhos de Vila Nova de Foz Coa e de Figueira de Castelo Rodrigo são, de uma maneira geral, mais férteis do que os seus vizinhos a sul, com uma produção agrícola em que prevalece o cultivo da oliveira, da amendoeira e da vinha. Esta maior fertilidade implica um maior desafogo económico das suas populações e, consequentemente, uma maior riqueza das igrejas e conventos existentes nestes concelhos.

No caso do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, para além da vila histórica de Castelo Rodrigo, que foi reabilitada há poucos anos, podemos destacar alguns monumentos tais como a igreja de Escalhão (aconselho uma cuidada visita ao seu interior), a igreja matriz da própria sede do concelho, o convento de Santa Maria de Aguiar e a igreja matriz de Escarigo, que é dedicada a São Miguel.

Sem desprimor para as outras igrejas referidas, permito-me destacar neste momento a de Escarigo, situada numa povoação com este nome que fica muito próxima da fronteira com Espanha. O que esta igreja tem de mais notável é, talvez, o altar-mor barroco que contrasta com o seu teto mourisco. O teto deve ser do séc. XVI e o altar-mor do XVIII. Socorro-me de José Saramago, que no seu livro Viagem a Portugal escreveu melhor do que eu poderia alguma vez fazê-lo:

A igreja tem um retábulo barroco dos mais belos que o viajante viu até agora. Se tudo isso tivesse o vulgar e banal dourado-uniforme, não mereceria mais do que um olhar a quem não fosse especialista. Mas a policromia da talha é tão harmoniosa nos seus tons de vermelho, azul e ouro, com toques de verde e róseo, que se pode estar uma hora a examiná-lo sem fadiga. Quatro pelicanos sustentam o trono, e a porta do sacrário mostra um Cristo triunfante, numa moldura de anjos e volutas. E os anjos tocheiros ajoelhados que ladeiam o altar, vestidos de grandes flores e palmas, são uma admirável expressão de arte popular. Uma das imagens do retábulo é um S. Jorge famosíssimo que, sem espada nem lança, calca aos pés um dragão com cabeça de víbora. Num altar lateral há colunas de talha quase já sem pintura, com duas cabeças de anjos em alto-relevo, que são preciosa coisa. Não esquece o viajante o tecto da capela-mor, de alfarge, mas os seus olhos vão ficar em duas pequenas tábuas esculpidas, predelas de um retábulo, mostrando uma Anunciação e uma Visita da Virgem a Santa Ana, de tão puro desenho, de composição tão sábia, ainda que ingénua, que ficou contente de ter vindo de tão longe, lutando por uma chave que se esquivava, mas isso já lá vai, agora está em boa conversa diante deste S. Sebastião mutilado da sacristia, talvez o primeiro por quem o viajante se toma de afeição.

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