05 abril 2019

Emboscada

Esperávamos em silêncio
mastigando a memória das coisas
e a Morte claramente apercebida
aguardava confiante o seu quinhão

Pensávamos:
— "Cada coice de Mauser no ombro
é uma carícia da Pátria agradecida" (*)

Mastigávamos a memória
esperando das coisas o silêncio
e a Morte claramente apercebida
recolhia confiante o seu quinhão

— Puta de Pátria que agradece aos coices.

Canjambari, Morucunda, Guiné-Bissau, 1964
José Orlando Bretão (1939–1998), poeta e combatente português


(*) Frase atribuída por uns ao Movimento Nacional Feminino e por outros a José Rodrigues Miguéis, em É proibido apontar. Já li vários livros de José Rodrigues Miguéis, mas não este. Não sei, portanto, em que contexto é que surge esta frase no livro. É provável que José Rodrigues Miguéis tenha feito apenas uma citação.


Espingarda de repetição Mauser 98K, semelhante às que foram usadas nos primeiros anos da Guerra Colonial pelas tropas portuguesas (Fotos: Armémuseum, Estocolmo, Suécia)

Comentários: 2

Blogger Rogério G.V. Pereira escreveu...

Na guerra
perdi a minha G-3

Nenhum
inconveniente para quem não ama
nem coices, nem balas

ao entregar o espólio
fui salvo pelo sargento
fez a comissão dele
com duas armas
a minha e a sua

esta a garantia, desde já te digo
de não ter eu dado um único tiro


06 abril, 2019 00:25  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Ao todo, dei quatro tiros em toda a minha comissão. Dei-os na primeira emboscada em que caí. Instintivamente, comecei a disparar, mas logo me dei conta de que essa não era a minha função. Como alferes, cabia-me estar atento ao evoluir da situação, tomar as decisões que me parecessem mais corretas e dar as ordens correspondentes, no sentido de sairmos daquela embrulhada. Não era a mim que competia dar tiros. Para isso, tinha os soldados às minhas ordens. Nunca mais dei um tiro, embora tivesse estado debaixo de fogo algumas vezes mais. É claro que, como oficial, eu era tanto ou mais responsável pelos tiros dados pelos meus subordinados, do que os próprios que carregavam no gatilho. Depois de terminar a tropa, nunca mais peguei numa arma até hoje, nem mesmo numa pistola de esguichar água, das que se usavam no Carnaval. Odeio armas.

06 abril, 2019 17:03  

Enviar um comentário