24 outubro 2019

Gina

Agora, a minha paixão
São duas mãos pequeninas
Que cabem na minha mão!

Mimosas como boninas,
De pequeninas que são,
Travêssas, leves, franzinas,
Põem tudo em confusão…

Têem fúrias repentinas
E afagam com devoção…
Mãos de carícias divinas!
Enchem-me a casa de ruínas
E cabem na minha mão…

João Saraiva (1866–1948)


(Foto de autor desconhecido)

Comentários: 2

Blogger Rogério G.V. Pereira escreveu...

Meu neto Diogo é traquina
Também o é minha neta Maria
Mas, quem diria
que bem os supera a Gina

deixando a casa
transformada
numa bela ruína

24 outubro, 2019 15:39  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Amigo Rogério,

Gina foi a primeira neta de João Saraiva e a segunda neta foi... a minha mãe! Pois é, João Saraiva foi meu bisavô, que não cheguei a conhecer, pois morreu antes de eu nascer. Foi pai do pai da minha mãe, para ser mais preciso. Diz a tradição familiar que ele foi um homem muito carinhoso e também muito educado e cortês. Quanto à Gina (que também já faleceu há muitos anos) consta que foi realmente uma criança muito traquina, que fazia trinta por uma linha. Se fosse agora, diriam que ela era hiperativa.

João Saraiva é hoje um poeta completamente esquecido e até certo ponto compreende-se porquê. João Saraiva cultivou dois géneros de poesia: o género lírico e o género satírico. Como poeta lírico, escreveu poemas ultrarromânticos formalmente perfeitos, com todas as rimas e todas as métricas no sítio certo, mas que eram rebuscados e artificiais em excesso. Só nos poemas de caráter mais pessoal, como este intitulado "Gina", é que ele revelou a sua autenticidade.

Quanto à poesia satírica de João Saraiva, ela é demasiado datada, pois refere-se a pessoas (sobretudo políticos) que caíram no esquecimento e já não nos dizem nada. É pena, pois foi como poeta satírico que João Saraiva revelou a sua verdadeira mestria, escrevendo poemas cheios de um humor fino, que talvez possamos classificar como britânico. Um exemplo:


A UM GRÃ-CRUZ DE S. TIAGO

Deram-lhe a cruz de S. Tiago
Em vez de c'roa de louros
Por esta razão simpática:

Porque se atira à gramática
Como S. Tiago aos mouros.

25 outubro, 2019 03:28  

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