07 dezembro 2019

Tôdalas cousas eu vejo partir


Tôdalas cousas eu vejo partir
do mundo em como soíam seer,
e vejo as gentes partir de fazer
bem que soíam, tal tempo nos vem!
Mais nom se pode o coraçom partir
     do meu amigo de mi querer bem.

Pero que home parte o coraçom
das cousas que ama, per bõa fé,
e parte-se home da terra onde é,
e parte-se home d'u [mui] gram prol tem,
nom se pode parti'lo coraçom
     do meu amigo de mi querer bem.

Tôdalas cousas eu vejo mudar:
mudam-se os tempos e muda-se o al,
muda-se a gente em fazer bem ou mal,
mudam-se os ventos e toda outra rem,
mais nom se pode o coraçom mudar
     do meu amigo de mi querer bem.

João Airas (sécs. XIII-XIV?), trovador galego


NOTAS

Tôdalas cousas eu vejo partir / do mundo em como soíam seer - Todas as coisas do mundo eu vejo afastar-se do que costumavam ser

Soíam - Costumavam

Pero - Embora, ainda que

Per bõa fé - Juro

E parte-se home d'u [mui] gram prol tem - E parte de onde a vida lhe corre bem

U - Onde

O al - O resto

Rem - Coisa


Comentários: 2

Blogger Ricardo Santos escreveu...

https://www.youtube.com/watch?v=Q_1EDSpz-fE

08 dezembro, 2019 13:44  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Fico muito agradecido, Ricardo Santos, pelo vídeo que propõe, de uma cantiga de amigo do jogral galego Martim Codax, incluindo a música, que é a original dele mesmo e conseguiu chegar até aos nossos dias.

Como foram mais ou menos contemporâneos, Martim Codax e João Airas ter-se-ão conhecido pessoalmente? E terão conhecido pessoalmente o nosso rei D. Dinis? Tudo é possível.

De Martim Codax já publiquei um post sobre a sua cantiga de amigo "Ondas do Mar de Vigo", o qual está aqui: https://amateriadotempo.blogspot.com/2018/05/ondas-do-mar-de-vigo.html.

Do rei D. Dinis também já publiquei um post, que tem tido um êxito estrondoso para meu grande espanto. Não há dia nenhum em que ele não tenha pelo menos uma visualização. Diz-me o Blogger que ele já teve 6300 visualizações desde que o publiquei há seis anos!!! O post é o seguinte: https://amateriadotempo.blogspot.com/2013/12/cantigas-de-amor-do-rei-d-dinis.html.

Quanto à cantiga de amigo de João Airas, cuja leitura proponho agora neste post e de que não se conhece a música (segundo parece), ela chamou a minha atenção pela semelhança que existe entre a sua última estrofe e o célebre soneto "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" de Luís de Camões. Poderemos concluir que Camões se inspirou nesta cantiga de João Airas para escrever o seu soneto? Pelo menos, esta possibilidade não é de descartar, pois tudo indica que Luís de Camões era de ascendência galega e era um homem muito culto. Com certeza conhecia esta cantiga de amigo. Pode muito bem ter-se inspirado nela.

Um abraço

09 dezembro, 2019 02:44  

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